Wednesday, August 5, 2015

O OUTRO OU OS LIMITES DA LIBERDADE

Entendamo-nos, a primeira e inultrapassável limitação à liberdade são as leis da física: não se consegue anular a lei universal da atracção dos corpos, não se conseguem violar as leis da termodinâmica no mundo macroscópico nem as da física quântica no mundo microscópico. E o nosso próprio corpo, e a nossa mente, obedecem a todas essas leis, quer queiramos quer não.

Evidentemente, quando se discute liberdade está-se a pensar na liberdade que resta, depois destas limitações inultrapassáveis. Em concreto, está-se a pensar nos limites de liberdade que são condicionados socialmente. 

Ao longo dos séculos muitos pensadores têm devotado o seu tempo à questão da liberdade (filósofos, teólogos, escritores e, mais recentemente, sociólogos e economistas): o que significa, como maximizá-la e qual o seu valor? 

Curiosamente, ou como não podia deixar de ser, não existem consensos. Há pensadores para quem a liberdade é o maior valor (ou mesmo “o valor”). Outros dão à liberdade igual dignidade à que dão a outros valores (como a felicidade, a saúde ou a justiça). Outros pensam que a liberdade é um valor menor, ou sem conteúdo, se outros valores não estiverem assegurados. Depois, uns consideram que a liberdade é um assunto eminentemente individual, devendo as entidades colectivas apenas definir um mínimo de regras que permitam a sua busca. Outros acreditam que o processo é inverso: temos que, primeiro, entregar uma boa parte da nossa liberdade às entidades colectivas para que, depois, consigamos obter mais liberdade individual. 

As crenças de cada um relativamente a estes tópicos continuam a ser alvo de acesos debates. Hoje, este debate está muito virado para a dimensão económica e política, discutindo-se qual o papel do Estado na economia e que desenho constitucional deve existir, atendendo às respectivas consequências na liberdade. Os pensadores da escola austríaca de economia, a doutrina de Chicago, o pensamento de John Rawls ou as teses de Amartya Sen estão entre as mais citadas referências na discussão económica da liberdade. 

Ainda assim, e infelizmente, noto que, em muitos debates mediáticos tidos a este respeito, a demagogia, a arrogância e o dogmatismo imperam. Convictos que estão de que a sua visão sobre a liberdade, e o modo de como lá chegar, é o correcto, muitos desrespeitam as contra-argumentações ou tentam ignorar a falta de evidência empírica que suporte as suas teses. 

Em concreto, há o esquecimento sistemático de que, no fundo, é sempre o outro que limita a nossa liberdade. Não há Estados, não há empresas, não há mercados, não há constituições, não há forças da autoridade, não há escolas nem há famílias, senão as pessoas que as concretizam. É a partir desta premissa que temos que pensar os arranjos sociais que maximizem a liberdade colectiva. O Estado, por exemplo, não é uma entidade pré-existente, um bicho alienígena que surge e limita a nossa liberdade (e que, por isso, precisamos de fazer emagrecer ou desaparecer). O Estado é um conjunto de pessoas investidas de certos poderes que lhes são cedidos pelos outros cidadãos. Em democracia, essas cedências são voluntárias e sujeitas a contínuo debate e escrutínio. E a crença subjacente (comprovada por forte evidência empírica) é que essa é a melhor forma de garantir um equilíbrio de liberdades na sociedade. Aliás, a grande falácia em que os anarquistas, minarquistas, anarco-capitalistas ou liberais radicais caiem reside na incompreensão dessa realidade: é que quanto menos liberdade entregarmos aos representantes das entidades colectivas democráticas, mais liberdade vamos ser obrigados a entregar a outros indivíduos, não democraticamente designados (mafiosos, multimilionários ou poderosos de todo o tipo), acabando numa situação, claramente, de menor liberdade. 

No fim do dia, continuará a não haver consensos: uns buscam a liberdade, outros a felicidade. Uns a felicidade através da liberdade, outros a liberdade através da felicidade. Mas será sempre verdade que é o outro a única entidade que pode limitar a nossa liberdade.

Gabriel Leite Mota, Publicado no Jornal de Letras a 5 de Agosto de 2015

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