Thursday, April 12, 2018

MERITOCRACIA ONDE ESTÁS?

A ideia de que as pessoas conseguem aceder às posições sociais que merecem através do seu esforço é uma utopia categórica. Nunca existirá nenhum sistema social capaz de produzir tal resultado.

Primeiro, porque herdámos uma componente genética para a qual nada contribuímos e que pode ser muito importante para o nosso futuro.

Segundo, porque não controlamos o ambiente em que nascemos e somos criados, nomeadamente o familiar. Sabendo-se que os três primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento do potencial humano, essa parte das nossas capacidades nada tem a ver com as nossas escolhas.

Terceiro, o nosso sucesso escolar e profissional depende em muito da nossa rede social, rede essa que é grandemente pré-determinada – qual o emprego dos nossos pais, que contactos têm, qual a sua importância social.

Se somarmos estes três factores, fica claro que resta muito pouco para aquilo que será o nosso verdadeiro mérito individual, as nossas escolhas e dedicação. Ainda assim, ou por causa de tudo o que foi enunciado, uma sociedade que queira valorizar o mérito terá que ser estruturada de maneira a que a importância das aleatoriedades que rodeiam a vida de cada um seja reduzida ao máximo.

Isso só se consegue dando a maior igualdade de oportunidades possível e não diferenciando demasiado as funções sociais em termos da sua importância e remuneração.

Olhando para os casos concretos, vemos que são os países nórdicos aqueles que mais se aproximam da meritocracia. Nesses países, por exemplo, um gestor ganha mais do que os subordinados, mas numa proporção muito menor que noutras paragens mais liberais. Nesses países, também a saúde e a educação são tendencialmente universais, públicas e gratuitas.

No pólo oposto, estão as ditaduras – como a Coreia do Norte ou a Arábia Saudita – os países pobres – como Moçambique ou o Haiti – ou os mais ‘liberalões’ – como os EUA ou a Grã-Bretanha – que mais se afastam do mérito.

Nos EUA, a desigualdade entre as pessoas é tal que um sistema de castas está estabelecido, sendo que filho de pobre morre pobre, filho de rico morre rico – todas as excepções confirmam esta regra. Sim, para se viver o sonho americano, tem que se emigrar para a Dinamarca.

Na Grã-Bretanha, o mesmo. Toda a elite política, judicial e empresarial provém, quase exclusivamente, de famílias com linhagem – muitas vezes real – e andou nas “Public Schools” e na “ponte” Oxbridge. Obviamente que há muitos empregos disponíveis, por exemplo, para engenheiros ou enfermeiros portugueses. Mas esses, para a elite britânica, são empregos de pobre.

Portugal, como país semidesenvolvido, é também um péssimo caso de meritocracia. País pequeno e muito desigual, ditadura durante quase todo o século XX, ainda vive muito no paradigma da cunha, do emprego na empresa do pai, ou na empresa do amigo do pai, ou no Estado, através dos contactos que a família tem.

No pós-25 de Abril, com a construção do Estado Social em Portugal, abriram-se muitas portas aos menos favorecidos para ascenderem socialmente. Porém, as últimas décadas de estagnação e crise demonstraram que a reforma para o mérito ainda não foi feita em Portugal.

Como somos poucos, temos poucos empregos com qualidade, pelo que muito cedo se nota a falta de lugares disponíveis para o mérito.

A endogamia na vida política, na vida empresarial ou na vida judicial é típica de um país de terceiro mundo – estude-se o desemprego em Portugal e verifique-se se algum dos desempregados é filho de políticos no activo, de grandes ou médios empresários, de gestores públicos ou privados, ou de magistrados.

Enfim, se queremos uma sociedade mais meritocrática temos que ter mais transparência, mais igualdade no acesso às oportunidades de estudo e de carreira, e mais igualdade entre a remuneração das diferentes profissões e posições sociais.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 12 de Abril de 2018

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