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Friday, February 26, 2021

OS IRRESPONSÁVEIS PODEM, OS RESPONSÁVEIS NÃO


Um tema que tem sido alvo de continuado debate na actualidade é a questão da liberdade de expressão. A liberdade de expressão, que está consagrada como direito fundamental em muitos ordenamentos jurídicos do mundo ocidental, tem sido palco de batalha a propósito da ideia do politicamente correcto.

A consagração da liberdade de expressão como um direito fundamental parte de uma ideia, liberal e democrática, de que as pessoas têm direito à sua opinião, e a expressá-la privada e publicamente, ou seja, não há delito de opinião, nem pode uma pessoa ser presa por aquilo que pensa ou diz.

Ao mesmo tempo, como qualquer direito, há um pressuposto de responsabilidade e de limites. Ou seja, não só há limites legais à nossa liberdade de expressão (nomeadamente quando aquilo que dizemos constituiu injúria ou difamação, ameaça séria ou incitamento à violência e ao ódio), mas também uma noção de que o que dizemos tem consequências.

E é aqui que muitas discussões se põem. Os defensores mais acérrimos da liberdade de expressão declaram o direito a ofender como única forma de tornar o direito à liberdade de expressão real: é que se não pudermos ofender ninguém com aquilo que dizemos, então, nada poderemos dizer, pois qualquer coisa que digamos pode sempre ferir a susceptibilidade de alguém.

Ao mesmo tempo, não perceber a perigosidade de certos pronunciamentos e discursos pode conduzir-nos a situações complexas, em que, sob a capa da liberdade da expressão, se deixa poluir o espaço público com violência verbal e mentiras de consequências muito nefastas.

Aliás, essa tem sido a estratégia de muitos populistas, neofascistas, negacionistas e delirantes conspiracionistas, reivindicando o direito de tudo poder dizer na praça pública, onde se incluem as redes sociais, mesmo quando os que pronunciam esses discursos têm responsabilidades acrescidas, nomeadamente políticas ou técnicas.

O caso mais paradigmático foi mesmo o de Trump, enquanto presidente dos Estados Unidos da América, que sempre que se manifestava publicamente mentia e/ou incentivava à violência, ao ódio e à destruição. Tudo isso com a complacência dos meios de comunicação social e das redes sociais. Foi preciso esperarmos pelo fim do seu poder político para que essas instituições banissem a voz de Trump.

Por cá, temos os “movimentos pela verdade”, André Ventura e demais ramificações do Chega, que utilizam essas tácticas de guerrilha comunicacional para singrarem eleitoralmente e manipularem o ambiente social. Esta é uma discussão complexa que não se resolve com posições dogmáticas: a liberdade de expressão não é um direito absoluto superior à vida ou ao bem-estar colectivo.

Ao mesmo tempo, a ideia do politicamente correcto como forma de não ferir susceptibilidades também não pode ser imposta dogmaticamente, sob pena de se esmagar o direito fundamental da liberdade de pensar e de dizer.

Creio que uma forma inteligente, e prática, de resolver esta questão passa por distinguir não só o tipo de discurso, mas sobretudo quem, e em que posição, diz o discurso. A liberdade de expressão tem que ser calibrada em função da posição de quem se expressa.

As coisas que o Presidente da República pode dizer em público têm que ser muito mais limitadas e controladas do que as coisas que o cidadão Marcelo de Rebelo Sousa pode dizer. E se podemos conceber que uma pessoa faça discursos diferentes, investida ou não do cargo que exerça, o mais prudente é, enquanto alguém exercer cargos de alta responsabilidade, policiar as suas afirmações públicas como se fossem, sempre, investidas pela posição que ocupa.

Uma coisa é o que diz um juiz, o Presidente do Tribunal Constitucional, um professor catedrático, um médico, um governante ou um gestor público, outra coisa é o que diz um “bitaiteiro” enquanto comentador da actualidade.

Isto significa que um artista, humorista, ou os referidos opinadores devem gozar da mais plena liberdade de expressão. Devem poder dizer o que pensam, mesmo que o que pensam seja a mais profunda estupidez, ou a mais comprovável das mentiras. Porque, no fundo, são uns irresponsáveis. A sociedade não lhes atribuiu competências técnicas, de representação ou de direcção.

Por mais que desgostemos, e possamos fazer um juízo moral, um artista (seja escultor, pintor, cineasta ou escritor) tem direito de fazer comentários racistas, xenófobos, machistas, negacionistas ou anti-semitas.

Já um juiz, um professor na sala de aula, um médico a falar em público, um governante ou um jornalista nas suas funções, têm que moderar o seu discurso pela responsabilidade dos cargos que ocupam. Em Portugal não podem, por exemplo, fazer pronunciamentos anticonstitucionais, como dizer que se deve exterminar uma minoria, que o fascismo é que era bom ou que o lugar das mulheres é em casa a lavar pratos.

No caso dos jornalistas, note-se que aqueles que aparecem como opinadores profissionais perdem a investidura jornalística. Aliás, é incompreensível o excessivo protagonismo da opinião dos jornalistas. A função nobre dos jornalistas é encontrar a informação, processá-la e transmiti-la, nomeadamente através de reportagens e de jornalismo de investigação. Opinar é uma actividade para qualquer um. Não entendo, por exemplo, o porquê de existirem programas televisivos de opinião só preenchidos por jornalistas como O Eixo do Mal – confesso que gosto de programas de opinião e que também gosto de opinar. E acho que esses programas devem ser espaços de liberdade. Noto é uma gritante falta de pluralidade (sobretudo homens, residentes em Lisboa, jornalistas ou políticos).

Relativamente ao balanço entre o politicamente correcto e a liberdade de expressão, penso que o equilíbrio está em darmos mais liberdade a quem é menos responsável, e darmos menos liberdade a quem é mais responsável. Devemos exigir um discurso politicamente correcto a um juiz/a, a um professor/a na sala de aula, a um/a militar ou polícia, aos bastonários/as, aos médicos/as e enfermeiros/as, aos cientistas, ao presidente do TC, aos gestores/as públicos/as e aos/às governantes.

Quem não quiser suportar o fardo do politicamente correcto, e quiser ter a liberdade de expressar todas as suas ideias parvas sem freio, tem bom remédio: virar artista de variedades, comediante ou opinador profissional. No fundo, virar alguém a quem a sociedade não confere responsabilidades técnicas ou executivas, gozando do estatuto da irresponsabilidade (estatuto que tantas vezes Ricardo Araújo Pereira, e bem, reivindica).

Gabriel Leite Mota, publicado a 26 de Fevereiro de 2021

Monday, February 22, 2021

VIVA O SISTEMA!

Em Portugal vivemos num sistema democrático, numa economia capitalista mista (onde tanto os privados como o Estado têm uma função económica) e vivemos numa República com uma Constituição humanista, laica, protectora das minorias e consagradora da separação dos poderes executivo, legislativo e judicial. Isto é o sistema, e ainda bem que temos este sistema.

Aqueles que, tantas vezes, clamam contra o sistema costumam, apenas, apontar as falhas que vão ocorrendo e não são capazes de apresentar propostas alternativas credíveis. Muitas vezes, não apresentam propostas nenhumas. Outras vezes, quando começam a propor alternativas, rapidamente percebemos que se trata de propostas destrutivas e perigosas.

Uns são contra a democracia, contra a ideia de “uma pessoa um voto”, de todos termos direito ao mesmo voto independentemente da nossa idade, da nossa cor de pele, do nosso poder económico, de nosso estatuto social, da nossa escolaridade, das nossas opiniões ou da nossa situação penal.

Outros são contra a existência do Estado como actor económico, querendo tirar das mãos do Estado democrático a capacidade de redistribuir as sortes da vida e de controlar os abusos do poder de mercado. No pólo oposto, encontramos os que são contra o sistema porque desejavam uma economia planificada, através da centralização de todo o poder no Estado. Há ainda aqueles que gostavam que Portugal fosse uma monarquia, e também se insurgem contra o sistema. Confesso que adoro o sistema português.

É óbvio que o sistema tem falhas. É óbvio que é importante corrigirmos essas falhas. Mas isso não se faz deitando o sistema fora e construindo outro pior. Isso faz-se reforçando o sistema. Reforçar o sistema passa por aumentar a democracia, e aumentar a democracia passa por aumentar a transparência dos processos democráticos, aumentar o acesso à informação e facilitar a chegada ao poder decisório de mais cidadãos.

Aumentar a democracia passa, também, por fiscalizar melhor as decisões dos governantes e combater a corrupção, seja através da sua prevenção, seja através da sua punição. Mas não nos deixemos enganar: a democracia é o menos corrupto de todos os sistemas!

Quer os sistemas de planificação central, quer os sistemas ditatoriais, quer os sistemas de oligarquia capitalista, ou mesmo os de tendência anarquista, são todos muito mais corruptos e iníquos.

É muito fácil apontar as falhas ao sistema vigente, criando a expectativa de que outros sistemas funcionariam maravilhosamente. E é desonesto exigir que o sistema vigente funcione na perfeição, quando outros sistemas funcionariam muito pior.

Um exemplo paradigmático foi o clamor de críticas que houve relativamente ao plano de vacinação em curso, por causa de umas quantas vacinas desviadas da sua ordem de prioridade. Até parece que seria normal não se ter perdido nenhuma vacina por mau cumprimento das instruções.

Mas que arrogância. Nem os processos mecânicos são 100% fiáveis, quanto mais os processos sociais. E, no caso da vacinação portuguesa, a taxa de erro de um por mil é excelente. Obviamente que todas as situações descobertas devem ser denunciadas e penalizadas, mas não se pode dizer que o processo, como um todo, é mau.

Todas as dificuldades e complexidades da democracia são pequenas comparadas com as perniciosidades dos sistemas alternativos, ainda mais tendo em conta os benefícios ímpares que a democracia nos traz.

Também a economia mista, em que vivemos, é o melhor dos sistemas económicos, aproveitando a iniciativa privada, mas balanceando-a com a iniciativa pública.

E a nossa Constituição humanista é um garante contra o abuso do Estado e o abuso dos privados. O nosso quadro penal, com garantias, previne que inocentes vão parar à cadeia facilmente, mesmo que à custa de alguns culpados que possam sair impunes.

Mais, a maior parte das falhas do sistema tem a ver com os agentes que a compõem: a falha é humana. Nem a mais perfeita sociedade do mundo está isenta de corrupção, desvios, injustiças e ineficiências.

Nas sociedades latinas, por exemplo, muita da corrupção surge pela prioridade que se dá às relações familiares e de amizade, distorcendo a justiça social, independentemente do sistema político e económico vigente.

Obviamente, há melhorias que podemos fazer: limitar os mandatos em cargos públicos, criar esquemas remuneratórios para os políticos em função dos resultados obtidos para a sociedade, criminalizar o enriquecimento ilícito, obrigar a maior transparência e criar mais obstáculos à promiscuidade entre os interesses de alguns privados e o interesse colectivo.

Porém, os que mais não fazem do que dizer mal do sistema, não prestam um bom serviço à nação.

Portugal era muito mais corrupto na monarquia, ou no tempo da ditadura do Estado Novo. Nesses tempos, havia muito mais violência, as pessoas tinham menos urbanidade e civismo e tinham menos qualificações. E eram muito mais pobres.

Propostas honestas são bem-vindas. Propostas que aprofundem a democracia, que aumentem o humanismo, que ajudem na criação de felicidade.

Tudo o resto, são aproveitamentos vis, com agendas pessoais de poder.

Defendamos o sistema de quem o ataca e melhoremo-lo sempre que possível.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 22 de Fevereiro de 2021


Wednesday, February 17, 2021

ACREDITEM NA CIÊNCIA, PORRA!

As estatísticas mostram que a maior parte da população mundial acredita nas religiões. Isto é, acredita em histórias transcritas em livros antigos, passadas de geração em geração, sem qualquer evidência científica sólida que as corroborem.

Ao mesmo tempo, o mundo é, hoje, um fortíssimo utilizador do conhecimento científico: sem a ciência não teríamos electricidade em casa, não teríamos prédios, estradas, pontes, não teríamos a internet (onde se propagam tantas ideias anti ciência), não teríamos os meios audiovisuais, nem sequer os hospitais, os medicamentos e os cuidados de saúde de que dispomos. A grande maioria das pessoas adora viajar e, para viajar, recorre à ciência: aos comboios, aos aviões, aos barcos, aos automóveis.

Infelizmente, as pessoas estão tão habituadas a usufruir da ciência que nem dão fé que têm que dar graças à ciência por usufruírem de tudo quanto usufruem. Pior, nestes tempos das redes sociais, em que cada um diz o que quiser, e diz o que outro disse e, por isso, acha que sabe qualquer coisa, muitos caem na tentação das respostas fáceis a perguntas difíceis, nas soluções milagrosas e desrespeitam o conhecimento científico.

Antes da pandemia, já era notório o movimento anti-vacinas, que se agarrava a ideias delirantes, a teses ilógicas sobre os impactos nocivos das vacinações, quando foi graças à vacinação que conseguimos erradicar um sem-número de doenças perigosas que, de outra forma, não teriam sido erradicadas.

Agora, com a pandemia, muitas outras teses obtusas nasceram, dizendo que a vacina não funciona, que a vacina vai mudar o nosso adn, que a vacina vai-nos implantar um chip, e demais ideias paranóides.

Voltando ao princípio, isto tudo acontece num mundo onde as pessoas estão dispostas a acreditar em ideias sem qualquer base científica, isto é, sem qualquer base empírica sólida. Acreditam, porque quem lhes transmitiu a informação tinha um ar e uma postura credível, porque os seus pais e seus pares acreditam, porque lhes é mais confortável acreditar numa solução fácil, e, depois, põem-se a fazer mil e uma críticas aos resultados científicos. Porque esses não são consensuais, porque não são definitivos, quando é, exactamente, essa a definição e a força do conhecimento científico: um processo de busca, continuada, de uma aproximação cada vez maior à realidade, à verdade.

É evidente que a ciência não tem respostas finais 100% definitivas. Mas ninguém tem, muito menos as religiões ou a filosofia.

Não há nada no mundo que funciona melhor do que a ciência. Não há um outro esquema de interpretação e de interpelação da realidade que nos permita tantos avanços, que traga tanta utilidade e longevidade para os seres humanos.

Mesmo em países onde a população tem elevadas qualificações académicas, há muitos que são extremamente críticos e exigentes para com a ciência. Ao mesmo tempo, são verdadeiros acéfalos face a explicações conspirativas ou pseudocientíficas. Aquilo que peço a essas pessoas é que utilizem um pouco da sua fé, e a ponham na ciência.

A ciência não precisa de fé. A ciência funciona independentemente da crença das pessoas na ciência. Mas, para a ciência ter uma aceitação global, é preciso que as pessoas não a estejam constantemente a pôr em questão, principalmente quando nada sabem de ciência para a pôr em questão.

A ciência discute-se entre pares, entre pessoas que percebem de ciência. A todos nós, enquanto utilizadores dos frutos ciência, compete-nos ouvir o que os cientistas dizem e aceitar o que os cientistas dizem.

É verdade que, na ciência, estão sempre a ser feitas novas descobertas e o que hoje é tido como a melhor solução pode, amanhã, deixar de ser. Mas isso nada diz de mal relativamente à ciência, pelo contrário, isso é a honestidade e a humildade que a ciência tem e que falta a todos os outros esquemas dogmáticos de pensamento, como o religioso ou outros metafísicos.

Face a tanta ingratidão e desprezo, dá vontade de criar, para a ciência, os mecanismos de marketing que os outros métodos de pensamento utilizam: os templos, as liturgias, os rituais, a ideia de pertença à comunidade. Dá vontade de só tratar alguém num hospital se essa pessoa se “converter” à ciência. Dá vontade de só deixar entrar num avião quem fizer uma prévia declaração de amor ao conhecimento científico.

É que, senão, perpetuamos este mundo paradoxal e injusto, em que quem produz ciência é questionado até ao tutano (e bem), enquanto que quem produz baboseiras é adorado (e mal) como portador das verdades absolutas.

É tempo de dar às pessoas uma educação cada vez mais forte em ciência, desde o ensino primário. Mostrar como funciona o raciocínio lógico e o pensamento científico. Mostrar os inúmeros exemplos de como a nossa viva depende em absoluto da ciência, e de como os outros pensamentos que existem não podem pôr em causa os resultados científicos.

As pessoas podem acreditar no que quiserem, mas não podem negar que um avião voa porque os engenheiros descobriram como pôr um avião a voar, ou que uma vacina funciona porque os médicos descobriram como estimular o corpo humano para se proteger de uma ameaça vírica.

É tempo de respeitarmos a ciência.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 17 de Fevereiro de 2021

Thursday, February 11, 2021

A PANDEMIA E A ARROGÂNCIA DA LIBERDADE INDIVIDUAL

A pandemia que assola o mundo desde o final de 2019 é uma novidade em termos de desafio social. Nunca na história da humanidade um fenómeno afectou, ao mesmo tempo, tanta gente, em tantos países diferentes.

No caso das nações desenvolvidas, esta é a primeira situação, em muitas décadas, a limitar grandemente a liberdade individual.

As nações desenvolvidas, desde os tempos do Iluminismo, da Revolução Industrial, da Revolução Francesa e da implantação do Liberalismo e das democracias, foram criando sucessivas gerações de pessoas crentes na liberdade individual e a usufruírem dessa mesma liberdade.

Esse usufruto da liberdade individual é um ganho civilizacional e um contribuinte fundamental para a felicidade.

Mas a existência de fenómenos como esta pandemia trazem à evidência a essência social da liberdade: de nada nos vale a liberdade se não existirem os outros, se não existir uma sociedade organizada. E não existe liberdade individual se a liberdade de uns esmagar a liberdade dos outros.

As gerações que não passaram pelas duas grandes guerras mundiais e, em muitos países, nem sequer cumpriram qualquer serviço militar ou cívico obrigatório, facilmente se esquecem que só há liberdade individual porque há uma sociedade bem funcionante, e que só há liberdade individual se se resolverem as tensões constantes entre a liberdade de uns e as liberdades dos outros, e entre as vontades individuais e as necessidades colectivas.

Muitos têm estado habituados a fazerem o que lhes apetece, submetendo-se, quanto muito, à necessidade de trabalhar para ganhar o dinheiro que lhes permite fazer o que lhes apetece.

Mas esta pandemia, causada por um vírus que se transmite de pessoa em pessoa e que se espalhou graças à liberdade de circulação de pessoas e mercadorias (a globalização), evidencia fortemente a necessidade de pormos a nossa liberdade individual em perspectiva face às necessidades colectivas.

As nações capitalistas ocidentais baseiam-se, quase exclusivamente, no primado do indivíduo e das suas vontades. Nas sociedades orientais, mesmo as capitalistas, há uma consciencialização muito maior da importância do colectivo. Não por acaso, as nações orientais estão a lidar melhor com a pandemia e a acatar muito mais disciplinadamente as ordens governamentais.

É chocante a falta de respeito pelos outros que muitos têm demonstrado nesta pandemia. Agarrados a uma concepção arrogante, e distorcida, de liberdade individual, muitos têm desafiado o uso das máscaras, o confinamento, tentado descredibilizar as vacinas e desrespeitando as limitações à liberdade de circulação ou de ajustamentos, que o combate à pandemia impõe.

Uns por egoísmo puro, outros a cavalo de teorias conspiratórias delirantes e outros, ainda, montados no seu dogmatismo e soberba intelectual (como Raquel Varela ou José Miguel Júdice) fazem o discurso demagógico contra a supressão das liberdades, como se alguém gostasse das limitações que a pandemia causa e dos estragos económicos consequentes, ou que algum governo democrático lucrasse com a imposição dessas restrições.

Vamos tendo notícias de festas ilegais, completamente desrespeitadoras do esforço colectivo de tantos no combate à pandemia, em particular daqueles que sofrem ou estão sobrecarregados no sistema de saúde.

E temos donos de restaurantes (como o dono do restaurante Lapo ) armados ao “pingarelho” a invocarem a CRP para se manterem abertos (quando está decretado o estado de emergência).

E temos o transeunte Vila Condense a passear, sem máscara, na marginal bloqueada, que filma os polícias que o abordam, para que coloque a máscara, dizendo que os polícias não têm o direito de o chatear (que tem a CRP a protegê-lo – tantas constitucionalistas que surgiram de repente…), e que ele tem o direito de os filmar porque são os contribuintes que pagam o salário dos polícias.

Tanta irresponsabilidade e desconhecimento do que é uma democracia.

Este é o tempo de aprendermos a lição de que só sobrevivemos colectivamente e que, em certos momentos mais extraordinários, temos que abdicar das nossas vontades individuais em prol da defesa do colectivo. Pode chamar-se a isso cultura cívica. Eu chamo ser-se adulto.

Quem não é capaz de andar de máscara durante um ano da sua vida (pedem-nos tão pouco), ou de restringir a sua liberdade de movimentos durante esse período, em nome da eliminação da pandemia, ainda não chegou à idade adulta. Pelo que deve ser tratado, paternalisticamente, como uma criança.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 11 de Fevereiro de 2021

Monday, February 1, 2021

CHEGA: OS DESERDADOS DO PSD (E DO CDS)

Apesar de ter havido diversas interpretações acerca da proveniência da votação em André Ventura nas eleições presidenciais, uma análise honesta intelectualmente tem que concluir o óbvio: André Ventura colhe, essencialmente, votos no eleitorado de direita, do PSD e do CDS (como a recente sondagem da Aximage com projecção para as legislativas, cruzando com as presidenciais, mostra bem).

Muitos têm dito que isto se trata de um voto de protesto supra-ideológico. JMT aqui, fala até de meio milhão de pessoas zangadas, apelando a que a direita tradicional “tome conta deles”, uma vez que a esquerda parece ter desistido desses eleitores, por os considerar uns deploráveis.

É certo que, em política, há concorrência por eleitores, e que os partidos devem procurar captar o máximo de eleitores possíveis para as suas causas. Mas a política não é um negócio. Não é como numa empresa, em que se tenta ficar com o mercado todo, captando os consumidores dos rivais. Em política, luta-se por valores, ideologias e visões completamente diferentes da vida em sociedade. E é infantil pensar-se que se consegue converter as pessoas a ideologias opostas às que professam.

A análise objectiva dos dados mostra que não há, virtualmente, transferência de votos da esquerda para André Ventura e que quem votou em André Ventura não votará nas esquerdas, nomeadamente no PCP (ao contrário das análises precipitadas que uns se puseram a fazer dos resultados de AV no Alentejo), nas próximas legislativas.

Concordo com a interpretação de que a maioria dos votantes em AV e no Chega são pessoas zangadas. Diria mais: ressabiadas e frustradas. Mas são pessoas de direita que sentem que vivem num país governado pelo socialismo, com poucas perspectivas de vir a ser governado pela direita no curto prazo. Pessoas que ficaram raivosas com a solução da geringonça e que vêem no discurso de Ventura um óptimo canal de ressonância desse sentimento.

São, tipicamente, pessoas da pequena e média burguesia, micro e pequenos empresários e profissionais liberais, com poucas ou médias qualificações académicas, muitas vezes habitantes das periferias das grandes cidades ou do espaço rural. Pessoas arreigadas a certas tradições e hábitos, ao machismo, à homofobia, desconfiadas (nomeadamente dos brasileiros, dos africanos e dos ciganos), com desprezo pelas qualificações académicas alheias, com um foco na quantidade de trabalho, muito mais do que na sua qualidade, e com fortes ambições materiais.

Juntam-se algumas pessoas da alta burguesia, mais dogmáticas cultural e religiosamente (caça, tourada, Opus Dei, grandes proprietários rurais, etc.), que também se sentem frustradas com os progressos sociais conquistados pela esquerda e pelos impostos que têm que pagar (com argumentário próprio de quem não preza a democracia, do tipo “os meus impostos servirem para pagar abortos, nem pensar!”). Foram estas pessoas que deram o segundo lugar a AV em Cascais e no Estoril, e que estão bem descritas por Mafalda Anjos numa crónica recente na Visão.

Nem uns, nem outros, alguma vez votariam na esquerda. E não estariam tão revoltados se estivessem a ser governados pela direita, mesmo com níveis iguais de corrupção ou de qualidade dos serviços públicos (o PCP capta votos de zangados, mas de outros, daqueles que estão contra o capitalismo e que acham que a geringonça foi uma traição à revolução).

Alguma esquerda, nomeadamente a ala direita e centrista do PS, devia estar mais atenta às condições económicas de alguns (os precários, os trabalhadores indiferenciados do privado ou as populações rurais), que são prejudicados pelas liberalizações e pela diminuição do investimento nos serviços públicos. Também os sectores mais identitários da esquerda, que tratam de questões que não são prioritárias para essas pessoas, podiam mudar o foco. Mas não seriam esses cuidados extra da esquerda que fariam esmorecer os votos no Chega. Quanto muito, só garantiriam mais perpetuação do centro-esquerda no poder.

O Chega é, no seu interior e nos seus eleitores, alimentado por votantes tradicionais do PSD e do CDS que se cansaram de um discurso moderado desses partidos, que não obtiveram o destaque e o poder desejado nas suas estruturas, que culpam os políticos e o Estado pelas suas frustrações pessoais e que têm raiva da esquerda.

São pessoas que se acalmariam se o país estivesse em grande expansão económica ou se a direita governasse.

Mas a verdade é que esta reconfiguração partidária da direita, a que começamos a assistir, tem o seu quê de natural. Alguma direita, em Portugal, cosmopolitizou-se e, já não tendo grande apego ao conservadorismo religioso e cultural, segue o apelo da Iniciativa Liberal. Outra, cristalizou-se e queria que o tempo andasse para trás. Essa, sente na “fúria Chegana” o catalisador catártico para as suas frustrações. Não há como não encarar isto como um problema da direita.

E o facto é que o “choque” das presidenciais fez, finalmente, a direita tradicional acordar: no CDS, Adolfo Mesquita Nunes já se abalançou para uma candidatura à liderança do partido eleitoralmente moribundo. Rui Rio, depois de um discurso disparatado na noite eleitoral e de uma aliança nos Açores que, como se viu, reforçou o Chega, já o veio excluir das conversas sobre coligações para as autárquicas – e AV já veio chorar-se, e dizer-se vítima de bullying político por parte dos partidos do sistema...

Espero, a bem da democracia, que a direita democrática volte a trazer os eleitores perdidos para o seu seio, através de um discurso mobilizador, mas não radical. Se não o fizer, não venham, depois, dizer que a culpa é da esquerda. É que, para a esquerda, a questão não é que essas pessoas sejam deploráveis. É que, simplesmente, ela não as pode captar.


Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 1 de Fevereiro de 2021

Monday, January 25, 2021

O INÍCIO DO ESTERTOR DO HOMO BRUTUS

A evolução social não acontece de forma linear. Antes, dá-se através de movimentos irregulares, com avanços e recuos, de magnitudes diversas. Mas é possível detectarmos algumas tendências. E é à luz desse facto que devemos analisar o poder que ainda têm muitos homens brutos. Seja na família, nas organizações ou nos Governos, mundo afora, ainda vivemos sob a égide do domínio do homem e da masculinidade tóxica, caracterizada pelo império do autoritarismo, do desrespeito pelos subordinados, da violência, da agressividade, da imposição do medo e da “lei do mais forte”.

É assim em todas as ditaduras que existem, mas é assim, também, em algumas democracias e pseudodemocracias. Infelizmente, isso é verdade na Rússia de Putin, no Brasil de Bolsonaro, na Turquia de Erdogan, na Hungria de Orbán, na China de Xi Jinping e foi assim nos EUA de Trump. São tantos os casos actuais ou recentes, que somos levados a crer que este processo está em crescimento. Mas isso é falso. O que tem vindo a acontecer (lentamente desde o início do séc. XX, aceleradamente desde o início do séc. XXI) é o início do estertor do poder da masculinidade tóxica, e os casos que temos, mesmo nas democracias, são mais “cantos de cisne” do que “cantares de galo”.

Uma análise objectiva do mundo permite perceber que, nunca como hoje, o homem bruto está ameaçado, no seu poder e na sua liberdade. Começando pela liberdade de voto estendida às mulheres, passando pela possibilidade de essas acederem à educação e ocuparem papéis de poder social, até ao advento da pílula, o processo global de emancipação feminina é muito recente na história da humanidade, mas já produziu efeitos revolucionários, como a diminuição drástica da natalidade mundial ou o empoderamento sem precedentes da mulher.

E não há aumento do poder feminino, e libertação da mulher do jugo do homem, sem perda de poder deste. O exemplo trágico de Malala, que foi baleada no rosto por Talibãs, apenas porque queria aprender, e que outras meninas pudessem aprender é, ao mesmo temo, luminoso: não só sobreviveu, como ganhou um destaque mundial que a tornaram uma força motriz da mudança, da libertação das mulheres e da destruição do homem besta.

Mais recentemente, o ódio todo que muitos expressaram contra uma adolescente sueca (Greta Thunberg) que apenas clama pelo respeito climático é, ao mesmo tempo, demonstrativo do quando ainda temos de masculinidade tóxica (tantas vezes impregnada nas próprias mulheres) mas, também, do quanto as mulheres já conseguem ter poder.

Nunca como hoje, em todo o mundo, as mulheres estão a ganhar direitos, liberdade, poder. Nunca tivemos tantas cientistas, juízas, professoras, ou vencedoras de prémios Nobel, tantas artistas, tantas governantes, nem tantas empresárias, gestoras de grandes empresas e outras instituições.

E, também, nunca tivemos tantos homens não brutos, isto é, sem masculinidade tóxica, na sociedade. Tantos homens que partilham, equitativamente, o mundo doméstico e familiar com as mulheres, que não as agridem ou que, pura e simplesmente, assumem a sua natureza emotiva e empática, sem castrações, ou a sua orientação sexual e de género. Nunca os homens meigos tiveram tanto destaque e sucesso. Nunca a força bruta foi tão dispensável e a inteligência e o conhecimento tão fulcrais.

A verdade é que, nunca como hoje, os homens brutos (e as mulheres desse sistema, nomeadamente as que gostam de viver à custa e à sombra desses homens) se sentiram ameaçados e reprimidos. Apesar de toda a violência doméstica que existe, nunca ela foi tão recriminada, denunciada e perseguida. Nunca o bullying nas escolas foi tão combatido. Nunca o assédio laboral foi tão exposto e perseguido (veja-se o movimento “me too”). E isto é um processo que só agora começou (como disse, no séc. XX).

Todos os solavancos que têm existido, e que podiam levar a crer que existe um retrocesso civilizacional, são muito nefastos, mas não são mais do que apenas lombas num caminho fortíssimo de abandono do homo brutus. E, enquanto existirem, esses homo brutus, sejam eles homens ou mulheres, vão espernear.

Os políticos que têm surgido em algumas democracias com o discurso do homo brutus, e que têm tido algum apoio eleitoral, estão a colher votos juntos dos que vêem o seu sistema de poder a ruir. De facto, um homem que bate na sua mulher sente-se frustrado se o denunciarem e prenderem por tal. Um homem, ou mulher, que só se saibam impor pela violência, na casa ou no trabalho, sobre os filhos ou colegas, respectivamente, sentem-se castrados se os proibirem de dar esses “tratamentos”.

As pessoas dogmáticas sentem-se ameaçadas quando vêem não crentes, crentes noutras teses ou desvios aos seus padrões morais (como o amor romântico entre pessoas do mesmo sexo). E essa multiplicidade de comportamentos nunca foi tão grande como agora. Nas actuais eleições presidenciais em Portugal temos, pela segunda vez na nossa história, duas mulheres candidatas. E uma vai bater o record de votação numa mulher numa eleição presidencial. E o actual Presidente é um homem de afectos, não da brutalidade ou da boçalidade.

Nos EUA, acaba de ser eleita a primeira vice-presidente da história e uma administração paritária. Biden, que escorraçou Trump, não tem masculinidade tóxica, não é um homo brutus (como Obama já não era). Por mais que a voz dos brutos ainda se faça ouvir e os seus gestos se sintam, tudo mais não são do que espasmos de raiva de quem não quer desaparecer, mas vai desaparecer. O caminho da evolução está no sentido certo. E assim vai continuar.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 25 de Janeiro de 2021

Thursday, January 14, 2021

OS VOTANTES NOS POPULISTAS NÃO SÃO UNS COITADINHOS

Desde que os fenómenos populistas começaram a ter mais protagonismo político, nomeadamente com as vitórias eleitorais de Donald Trump, nos EUA, e Jair Bolsonaro, no Brasil, que se têm desmultiplicado as análises em busca das explicações para tal fenómeno. Se é certo que o populismo é uma velha estratégia eleitoral, desde a antiga Roma até à Europa do entre guerras, a capacidade que alguns políticos estão a ter para, repetindo técnicas antigas, conquistarem o poder no séc. XXI é, de facto, merecedor de reflexão.

É que, nunca como agora, as pessoas estão instruídas (academicamente) e com acesso à informação. Nunca, também, esteve o mundo tão rico ou com tantas pessoas com tanta saúde. Ainda assim, as retóricas inflamadas e demagógicas, baseadas em falsidades, mantêm o seu poder de penetração na mente de muitas pessoas, que querem promessas de soluções simples e locais para problemas complexos e globais. Mesmo antes de Trump e Bolsonaro, a Europa já lidava com os Le Pen, com Salvini (e ainda antes com Berlusconi), com Orbán, com Erdogan, com o UKIP ou com a AfD.

Enfim, a cobertura eleitoral que está a ser dada a estes populistas tem que ter uma explicação. E é na busca dessa explicação que alguns estão a cometer o mesmo delito que tentam explicar: apresentar como verdadeiras, causas erradas.

Para muitos, a origem do populismo está numa espécie de abandono a que algumas pessoas teriam sido votadas, ora pelos Estados, ora pelo funcionamento da globalização. Pessoas menos instruídas, que se estariam a tornar cada vez mais substituíveis por máquinas, ou por trabalhadores doutras paragens, que estariam a sentir-se em piores condições que os seus pais e que, por isso, estavam a “ser do contra”: votar naqueles que prometessem destruir o sistema actual e construir um admirável mundo novo, onde essas pessoas recuperassem o controlo e a esperança.

Curiosamente, este mesmo argumento pode ser usado pela direita e pela esquerda: a esquerda, culpando a globalização neoliberal; a direita, acusando o Estado de proteger uns e desproteger outros e minar a liberdade individual.

Os eleitores dos populistas não são inimputáveis (caso fossem, não poderiam votar). São adultos que, perante um enorme leque de escolhas (veja-se o número de partido políticos que existem em Portugal, e em tantos outros países, e as múltiplas e diferentes ideologias propostas), optam por votar nos demagogos boçais

Em todo o caso, os votantes nos populistas seriam os filhos enjeitados da sociedade, uns coitadinhos que se compreende que votem pela desconstrução, quais crianças birrentas.

Ora, acontece, que tal é uma desqualificação insuportável dos eleitores e das suas vontades. Dizer que os eleitores votam sem pensar direito em quem estão a votar, independentemente das suas preferências e interesses, apenas porque estão chateados com a vida, é desacreditar a democracia e infantilizar os indivíduos.

Sejamos sérios: quem vota nos populistas gosta deles, do que eles dizem, pensam e fazem. Pelo menos, gosta mais desses populistas do que de todos os outros políticos em quem podia votar. Não por acaso, as mulheres, ou os negros, votaram muito mais Biden do que Trump, enquanto que os homens brancos votaram mais em Trump do que em Biden. E muito mais pobres e discriminados votaram em Biden do que em Trump.

O voto é sempre sério, e quem dá o seu voto deve ser responsabilizado por ele.

Os incitamentos insanos que Trump fez só têm impacto porque muitos pensam como ele, muitos votaram nele.

Por cá, as alarvidades medievais e anti-humanistas que Ventura propala, só têm impacto porque há muitos que pensam como ele.

Os eleitores dos populistas não são inimputáveis (caso fossem, não poderiam votar). São adultos que, perante um enorme leque de escolhas (veja-se o número de partido políticos que existem em Portugal, e em tantos outros países, e as múltiplas e diferentes ideologias propostas), optam por votar nos demagogos boçais. Porque se identificam.

Em artigo neste jornal, António Barreto fez a caracterização dos eleitores coitadinhos: coitadinhos que o Estado é mau, cobra impostos, só protege os funcionários públicos e impede o nosso tecido empresarial de prosperar e os políticos, esses, são todos uns corruptos que só pensam em si e nos seus amigos. Que alternativa tem o povo senão votar no populismo, para que o mundo, finalmente, se concerte.

Na mesma bitola, João Miguel Tavares, diz-nos que o povo é bom e sereno, só está a votar nos populistas para fazer barulho e acordar esta cambada de políticos ordinários que só mal lhe faz. É tudo boa gente, a votar mal para criar o bem…

Não me identifico com esta postura fatalista e desculpabilizante.

As pessoas que votam nos populistas estão mais próximas do pensamento por eles verbalizado, do que de todas as outras alternativas. E sim, em Portugal, muitas dessas são machistas, racistas, homofóbicas, fundamentalistas religiosas, punitivas, violentas, ressabiadas, desrespeitadoras da ciência, más cidadãs (fogem aos impostos e abusam dos recursos públicos) e, caso tivessem poder político, melhor comportamento moral não teriam do que os que lá estão (como a realidade do Chega já comprova).

A democracia é um sistema para adultos. Para as crianças, impõe-se o paternalismo.

Em democracia, somos responsáveis pelo poder que damos aos políticos em quem votamos e co-responsáveis pelas suas acções (boas ou más).

Na verdade, o populismo só existe porque há muitas pessoas que se identificam com os valores e discursos defendidos pelos seus protagonistas. Hoje, como ontem, o populismo existe, e continuará a existir.

Não nego que as condições da sociedade e da economia influem na forma como as pessoas votam. Mas o principal problema é mesmo ao nível das percepções e da mobilização.

Quem está contra o argumentário populista tem a difícil tarefa de ser mobilizador mostrando que a realidade é complexa, e que não há soluções milagrosas. Que a globalização é, em certo sentido, irreversível (embora transformável), mas que a democracia e o humanismo são as estruturas indispensáveis a uma vida civilizada, e que as devemos consolidar, nunca abandonar.

De resto, a democracia é, também, um sistema de tentativa e erro. E os americanos (na sua maioria) já perceberam que pôr um populista no poder, no fim do dia, dá trampa.

Sejamos inteligentes, e evitemos essa estrumeira por cá.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 14 de Janeiro de 2021

Monday, January 11, 2021

EUA: UMA NAÇÃO SUBDESENVOLVIDA

A tentativa de golpe de Estado que aconteceu no dia 6 de Janeiro de 2021 nos EUA, protagonizada por arruaceiros incitados pelo presidente derrotado Donald Trump, é, nas palavras do anterior presidente George W. Bush, própria de uma “república das bananas”.

Parece paradoxal que tal atentado à democracia, e ao regular funcionamento das instituições, aconteça naquela que tem sido a maior potencial mundial. Mas, uma análise cuidada mostra que tal não é surpreendente: na verdade, os EUA são uma nação subdesenvolvida e uma democracia debilitada.

Se é certo que os EUA são a maior economia do mundo, a maior potência militar mundial, a pátria de 1/3 de todos os bilionários (segundo a revista Forbes) e o país com mais bilionários em todo o mundo, a sua grandeza fica-se por aí.

É verdade que os EUA são sede de muitas multinacionais, dispõem de muitas patentes (logo, inovação tecnológica) e até empregam (nas suas universidades de topo) muitos prémios Nobel. Mas isso é a causa e consequência do seu foco na criação de riqueza material.

De resto, os EUA são uma nação subdesenvolvida ou, pelo menos, ultra-ineficiente na utilização da riqueza produzida para a criação de um país sustentável, equilibrado e feliz.

As estatísticas são claras:

- na esperança média de vida (EMV), os EUA estavam, em 2018, na 47ª posição no ranking mundial, imediatamente acima da Albânia (48º) e atrás de Cuba (45º), da Costa Rica (36º) ou de Portugal (30º). Os EUA são, também, o país que mais gasta, per capita, em despesas de saúde em % do PIB (16,89% em 2018), com os fracos resultados atestados pela relativamente baixa EMV, o que comprova a sua gritante ineficiência na produção de saúde.

- ainda na saúde, os EUA estão na posição 47 na taxa de moralidade de crianças até aos 5 anos, com 6,5 mortes por mil nascimentos, atrás de Portugal (na posição 28, com 3,7) ou da Islândia (no segundo lugar, com apenas 2 mortes por mil nascimentos); é ainda, na OCDE, dos únicos países que não tem 100% da população coberta por serviços de saúde, com apenas 91,2% da população protegida dos riscos de saúde devido à inexistência de um serviço nacional de saúde universal.

- na educação, estão na posição 66 (numa lista de 191 países) no que respeita a gastos em educação em % do PIB, gastando apenas 5% do PIB, contra os 8% da Noruega (na posição 8) ou os 12,9% de Cuba, que lidera a lista.

- por outro lado, é um país em constante guerra consigo próprio e com os outros, sendo dos países com mais despesas militares per capita, estando na 3ª posição (atrás de Israel e da Arábia Saudita, numa lista de 172 países); é o país do mundo onde existem mais armas na posse de civis (uma média de 1,2 armas por civil, mais do dobro do segundo mais armado, a Arábia Saudita, com 0,5 armas por civil); o país do mundo com mais encarcerados por cem mil habitantes, 655 (contra 125 em Portugal, 120 na China e 39 no Japão); é um país onde morrem, por ano, cerca de 5 pessoas por cada cem mil habitantes vítimas de homicídio, o pior registo entre os países ricos (só ultrapassado pelas 8,21 da Rússia), contra uns muito mais civilizados 0,79 de Portugal.

- é um país muito poluidor, emitindo 16,1 toneladas de CO2 per capita, por ano, quando outras potências económicas, como o Japão ou a China, emitem cerca de metade, 9,4 e 8 toneladas per capita, respectivamente; ao nível da pegada ecológica, ocupa a quinta aposição mundial como mais gastador dos recursos naturais do planeta, com 8,22 hectares globais por pessoa, enquanto que Portugal gasta apenas 3,88 hectares globais por pessoa (posição 60) e o Japão 5 hectares globais por pessoa (posição 42).

- é o país rico com maior desigualdade na distribuição do rendimento, com os 10% mais ricos a terem um rendimento 18,5 vezes maior do que o dos 10% mais pobres (tão desigual como o Ruanda com 18,6 ou a Venezuela com 18,8), contra umas muito menores 5,6 vezes na Finlândia e 4,5 vezes no Japão (modelos neste indicador); é ainda uma nação em que as pessoas são completamente desprotegidas face a situações de carência no rendimento, uma vez que o rendimento mínimo garantido nos EUA apenas garante 6% do rendimento disponível mediano da nação, enquanto que no Japão esse valor é de 64%, na Dinamarca 62% e na Irlanda 59% (os líderes da tabela).

- é um país com uma elevada taxa de suicídios, com 13,7 suicídios por cem mil habitantes, o quarto maior número de entre os países ricos (pior só a Bélgica com 15,7, o Japão com 14,3 e a Suécia com 13,8), muito longe de Portugal que tem 8,6 ou da Itália com 5,5; Ao mesmo tempo, é o país do mundo com a mais alta prevalência de consumo de cocaína, com 2,7% da população entre os 15 e os 65 anos a terem, num dado ano, consumido pelo menos uma vez cocaína, contra os apenas 0,2% de Portugal ou 0,03% do Japão.

- é um país que tem uma posição muito abaixo do que devia, face à riqueza produzida, no ranking mundial da felicidade, ocupando a 18ª posição, ultrapassado pela Costa Rica (15ª posição) e seguido pela República Checa (19ª posição).

É uma nação confessional, que tem escrito nas suas notas “Acreditamos em Deus”, pátria de múltiplas confissões religiosas como os Mórmons, a Cientologia ou múltiplos credos evangélicos, que permite o ensino do criacionismo ou do terra-planismo, o que facilita a criação de gente dogmática que acredita em tudo que vê nas redes sociais, ou o que é dito por vigaristas carismáticos (como Trump), alimentado teorias da conspiração e a propagação de mentiras.

É uma democracia muito dependente do poder do dinheiro, apenas com dois partidos, com um sistema não proporcional com círculos uninominais, o que facilita a ascensão de loucos ao poder (e que alguns querem importar para Portugal não falando deste grave risco), mesmo contra a vontade da maioria (como na eleição de Trump).

É um país que tem um modelo de sociedade baseado no risco e no medo (de perder o emprego, de ir preso, de levar um tiro) e que gasta imensos recursos em litigância e seguros. Funciona para criar empresas dinâmicas e domínio militar à escala global, mas não para gerar sustentabilidade mundial nem felicidade interna.

Os fanáticos alucinados que invadiram o Capitólio foram atrás de Trump, mas podem ir atrás de qualquer manipulador do mesmo tipo que consiga chegar ao poder. E, da próxima vez, pode não haver volta, e criar-se uma ditadura nos EUA (como previu Margaret Atwood, em 1985, no seu romance Handmaid’s Tale).

Há, nos EUA, uma base assustadoramente grande de insanos (alguns mesmo no sentido clínico do termo) que não tem paralelo nas ouras nações desenvolvidas (veja-se o vizinho Canadá) e que se manifesta nos tiroteios nas escolas, na violência nos bairros pobres ou nas organizações ou movimentos dementes como o KKK ou o QAnon. Numa nação civilizada essa base seria clinicamente tratada e atacadas as condições que a deixam crescer: nomeadamente a pobreza, a desigualdade, o fanatismo e a anomia social.

É uma nação não humanista em que ainda existe a pena de morte.

Uma nação assim, não pode ser o farol do mundo.

É tempo da Europa assumir esse papel.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 11 de Janeiro de 2021


Wednesday, November 11, 2020

OS EUA NÃO SÃO (NEM NUNCA FORAM) TRUMPISTAS

A recente derrota eleitoral de Donald Trump veio consolidar uma realidade sobre os EUA: Trump não é, nem nunca foi, o preferido pela maioria dos estadunidenses.

Se, em 2016, quando Trump foi eleito, ele já tinha perdido no voto popular por cerca de 3 milhões de diferença, agora, com a derrota face a Joe Biden, essa distância aumentou para 5 milhões.

Não fosse arcaico o sistema eleitoral dos EUA, protector dos Estados rurais pouco populosos e com a regra do “winner takes it all”, há muito que os republicanos não conseguiriam estar no poder.

A verdade é que, das últimas 8 eleições presidenciais nos EUA, 7 foram vencidas, no voto popular, pelos democratas: com métodos proporcionais, G. W. Bush não teria sido eleito em 2000, nem Trump em 2016 (só G. W. Bush em 2004, aquando da sua reeleição, ganhou o voto popular). De resto, Al Gore e Hillary Clinton teriam sido eleitos.

Também ao nível das duas câmaras do Congresso, os métodos eleitorais não proporcionais protegem os republicanos, que tudo têm feito para bloquear qualquer mudança.

Ou seja, só as regras desvirtuadoras da proporcionalidade têm permitido uma governação dos EUA tão à direita. Mas, mesmo com essas regras, as dinâmicas demográficas dos EUA estão a minar as possibilidades do poder republicano.

Olhando para a composição demográfica dos votos, aquilo que se percebe é que as mulheres, os não brancos, os jovens e os habitantes das áreas com alta densidade populacional votam massivamente nos democratas (também assim os mais qualificados, mas de forma menos notória).

Ora, acontece que o progresso faz com que as mulheres tenham cada vez mais voz (votem mais e se libertem do machismo republicano), que os não brancos estejam cada vez mais integrados e participativos (e têm aumentado a sua proporção no país) e que as pessoas se desloquem para a cidade, desertificando o campo.

Mesmo aqueles de quem se disse terem sido os responsáveis pela eleição de Trump em 2016, os trabalhadores brancos, pouco qualificados e ameaçados pela globalização, da “cintura da ferrugem”, votam maioritariamente democrata (só as já referidas distorções permitiram que os republicanos ganhassem nesses Estados em 2016).

Ou seja, apesar de haver muito quem tenha votado em Trump, a maioria não votou nele, votou contra ele. Antes de serem trumpistas, os EUA são anti-Trump. Mais, os que mais o apoiaram foram os homens brancos, que vêem em Trump um protector dos seus privilégios machistas, raciais, religiosos e económicos. Assim, quantas mais mulheres e não brancos tiverem autonomia financeira e cultural, menos apoio existirá para os republicanos.

E mais, não acredito em trumpismo sem Trump: o trumpismo dependia obsessivamente da personagem histriónica Trump e da sua pornográfica ausência de sentido de Estado. Mas, agora, o povo foi claro: o trumpismo é extenuante, catalisador de violência e incompetente (como a pandemia provou).

As mulheres estadunidenses não gostam de ser “agarradas pela passarinha” sem autorização, os não brancos não gostam de ser enxovalhados, discriminados ou asfixiados pela polícia, nem as pessoas urbanas admitem que lhes castrem o modo de vida liberal, ao nível da sexualidade ou escolhas familiares e profissionais. Nem mesmo as grandes empresas aceitam que haja retrocessos ao nível da globalização e do capitalismo liberal.

Isto é, o trumpismo é uma realidade sem futuro histórico.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 11 de Novembro de 2020

Thursday, January 24, 2019

A DEMOCRACIA NÃO PODE DEPENDER DE SANTOS

Vivemos tempos complexos para as democracias: desde políticos corruptos a incompetentes, passando pela falta de capacidade de acção sobre matérias decisivas para o bem-estar (como a regulação da globalização, que foge ao controlo das democracias nacionais), somando-se a desinformação que viraliza nas redes sociais, hoje é cada vez mais difícil ao cidadão comum acreditar nos políticos, fazer escolhas partidárias conscientes e aceitar a democracia como sendo o melhor sistema político possível.

Porém, e isso devia ser ensinado nas escolas desde cedo às crianças, todas as alternativas são piores. Isto é, quanto mais caminharmos para sistemas autocráticos, de decisão individual e pouco escrutinada, mesmo que na mão de pseudo-salvadores das pátrias, pior estaremos. Quer a história do séc. XX, quer os exemplos actuais de sociedades não democráticas, ou pseudo-democráticas, demonstram bem como esses sistemas são muito piores do que as democracias ocidentais.

Assim, temos é que apostar no aprofundamento dos sistemas democráticos actuais, aumentando a transparência na tomada de decisões, a penalização da gestão danosa dos bens públicos, o aumento da rotatividade nos cargos públicos (através da limitação de mandatos em todos os cargos políticos e de gestão pública), e a criação de regras que empurrem os agentes políticos para o bom caminho.

São as regras, não apenas a bondade das pessoas, que nos podem valer para termos um melhor funcionamento das democracias e da gestão pública (o mesmo se pode dizer do funcionamento dos mercados ou das organizações). Obviamente que tudo é mais fácil, e funciona melhor, se os actores políticos e os gestores públicos forem bem-intencionados e honestos. Mas haverá sempre aquele que não o é.

É impossível que o sistema democrático os consiga filtrar todos à partida. Assim, tem é que ser capaz de os filtrar durante. Ou seja, enquanto exercem cargos políticos ou públicos, os indivíduos desonestos, cobardes, incompetentes ou corruptos têm que ser detectados, afastados e punidos. E mais, todo o sistema deve estar construído com base em regras inteligentes que não favoreçam a incompetência ou a corrupção. Isso não passa apenas por molduras penais pesadas para crimes desse tipo, passa, primeiro, por tornar tão difícil, arriscada e não proveitosa a corrupção que os próprios agentes decidem não enveredar por aí.

Exemplo: se exigirmos a um dirigente governativo (desde ministros a presidentes de câmara) uma total transparência bancária durante x anos, desde que iniciou as suas funções, muito dificilmente ele aceitará subornos. Obviamente que tal eliminação da privacidade financeira deve ser compensada. Aos políticos deve-se pagar mais, mas ser muito mais duro na sua fiscalização.

Aqueles que forem incompetentes e desonestos, e que queiram usar a política para fins meramente pessoais, sentir-se-ão dissuadidos a entrarem nestas funções. Por seu turno, os que gostarem da causa pública e se pautarem por comportamentos sérios, não temerão essa transparência. Se pensarmos nos ganhos públicos de termos gente competente e honesta a gerir o Estado, em vez de corruptos desonestos, seguramente que se pouparia muito dinheiro, mesmo aumentando substancialmente as remunerações dos dirigentes políticos.

A caça às bruxas que hoje em dia se faz aos agentes políticos, indo atrás de todas as falhas em que incorrem (mesmo as pequenas) e metendo tudo dentro do mesmo saco (desde aquele que marcou uma falsa presença, ao que contratou o primo por ajuste directo, até àquele que roubou 10 milhões), favorece a conclusão de que os políticos são todos iguais.

Essa é uma atitude errada, falsificadora da realidade e perigosa. Leva ao engano e favorece o aparecimento dos líderes messiânicos (como Bruno de Carvalho, Donald Trump, Jair Bolsonaro, Nicolas Maduro, entre outros) que chegam ao poder apenas vendendo um discurso de honestidade e salvação do povo, para nada ou pouco cumprirem depois. Mais grave ainda, essas soluções messiânicas tendem a ser mais autocráticas, logo mais corruptas, ineficientes, menos transparentes e a atraírem os piores.

O que a política precisa é de boas regras. Com boas regras, os melhores apareceram e os piores tenderão a desaparecer. Isso faz-se com mais democracia, não com menos. Faz-se com mais debate informado, com mais acesso à informação verdadeira, com a obrigatoriedade de uma maior participação e escrutínio cívico de todos e com um sistema jurídico claro e eficiente. Não erremos o caminho.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 24 de Janeiro de 2019

DEMOCRACY MUST NOT RELY ON SAINTS

We live  in complex times for democracy: corrupt and incompetent politicians abound, there is lack of capacity for action on matters decisive for well-being (such as the regulation of globalization) and misinformation goes viral on social networks. With all that, it is increasingly difficult for ordinary citizens to believe in politicians, to choose consciously their political party or to believe democracy is the best possible political system.

Nevertheless, in fact, all alternatives are worse (something all children should be taught at school): the more we move towards autocratic systems, the less political decisions are scrutinized, and worse the outcomes will be. The story of the XXI and XX centuries clearly demonstrates how non-democratic or pseudo-democratic societies are much worse than the Western democracies.

With that in mind, we must focus on deepening current democratic systems, increasing transparency in decision-making, penalizing bad management of public goods, increasing turnover in public office (by limiting mandates in all political and public management positions), and creating rules that push political actors on the right track.

We should use the law, and not just rely on the kindness of people, to have a better functioning democracy and public management (the same can be said for the functioning of markets and organizations). Obviously, everything is easier, and works better, if political actors and public managers are well-intentioned and honest. But there will always be those who are not. And there is no way that the democratic system can filter them all out from the start. So, we must be able to filter them throughout the process. That is, while holding political or public office, dishonest, cowardly, incompetent, or corrupt individuals must be detected, removed, and punished. The whole system must be built on clever rules that do not favor ineptitude or corruption. That is achieved not only through the existence of heavy criminal consequences, but by making corruption so difficult, risky and non-profitable that the agents decide not to go that way.

For example, if we demand full bank transparency from governors for a given number of years, since they began their duties, they will hardly accept bribes. Obviously, such an elimination of financial privacy should be compensated. Politicians should earn more but be much more scrutinized.

Those who are incompetent and dishonest, and who wish to use the policy for purely personal purposes, will feel deterred from entering these functions. On the other hand, those who are committed to the public cause and are guided by serious behavior, will not fear this transparency. If we think about the public gains of having competent and honest people running the state, rather than corrupt and dishonest, surely a lot of money would be saved, even by substantially increasing the salaries of political leaders.

The witch hunt that is currently being made of political agents, going after all the failures they incur (even the small ones) and getting everything into the same bag (from the one who forged a presence, to the one who hired the cousin by direct adjustment, to the one who stole 10 million), favors the conclusion that politicians are all the same.

That is a wrong attitude, forgery of reality and dangerous. It leads to deception and helps the appearance of messianic leaders (such as Donald Trump, Jair Bolsonaro, Nicolas Maduro, among others) who come to power only by selling a discourse of salvation of the people, for nothing or little to fulfill later. These messianic solutions tend to be more autocratic, therefore more corrupt, inefficient, less transparent and to attract the worst to power.

What politics needs is good rules. With good rules, the best will appear and the worst will tend to disappear. This is done with more democracy, not less. Also, we should promote more informed debate, more access to true information, the greater participation and civic scrutiny by all and a clear and efficient legal system. Let’s walk that path.

Also published on Público newspapper at January the 24th of 2019



Thursday, January 3, 2019

2019 E O FUTURO: IDEIAS PARA UM PORTUGAL MAIS FELIZ

No passado mês de Dezembro realizou-se o primeiro webinar do ManifestoX dedicado ao tema da felicidade, intitulado “Ideias para um Portugal mais feliz”.

Coube-me a dupla tarefa de coordenação e participação no debate que contou com os contributos de Catarina Rivero (Psicóloga Clínica), Jorge Humberto Dias (Filósofo), Kieza Santos (activista da felicidade) e Vasco Gaspar (formador nas áreas de mindfulness e human flourishing) tendo havido ainda espaço para comentários online.

Este webinar teve o intuito de trazer para o cerne da política a questão da felicidade, que, afinal, é só o mais desejado dos fins da humanidade, mas que tem sido sistematicamente marginalizado pela política.

Ao longo do debate, que pode ser visto aqui, conseguiu-se passar da teoria à prática, sem unanimismos, mas com respostas realistas para o problema de tornar Portugal um sítio mais feliz (nos rankings internacionais de felicidade ocupamos lugares modestos, logo, temos muito por onde melhorar).

Na discussão ficou claro que a felicidade é plural, complexa, subjectiva, mas que há instrumentos que podemos utilizar para fazer as pessoas e a sociedade mais felizes.

Os mais de 30 anos de investigação científica que leva o estudo da felicidade permitem-nos chegar a conclusões sólidas e objectivas, que não dependem dos “achismos” políticos ou ideológicos.

Na Economia, sabemos que o crescimento económico não basta para aumentar a felicidade. Antes, é a qualidade desse crescimento que importa: o aumento do emprego, a redução das desigualdades, o combate à pobreza e o desincentivo ao consumismo e ao consumo conspícuo é que verdadeiramente podem fazer as sociedades mais felizes. Algo básico que os economistas ortodoxos teimam em esquecer-se: o crescimento económico não é um fim, é apenas um meio para a felicidade, que tantas vezes falha nesse propósito. Por isso, as políticas económicas têm que ser redesenhadas.

Mais, a qualidade da democracia, a confiança nas instituições e nos outros (nos desconhecidos), a diminuição da corrupção e a confiança nos políticos, a descentralização e o aumento da democraticidade ou a transparência na tomada das decisões políticas, são fortes determinantes do bem-estar de uma nação.

Pensando nas dimensões mais individuais, a prevenção das doenças mentais, o aumento dos cuidados psicológicos no SNS, ou o ensino da higiene emocional nas crianças, são óptimos caminhos para se gerarem pessoas mais resilientes e felizes.

Como pano de fundo, surgiu sempre o tempo, a variável mais escassa das nossas vidas, que precisa de ser gerida com cuidado, bem repartida entre trabalho, lazer, família, amigos e sono.

Da reflexão produzida durante o webinar e do cruzamento dos conhecimentos dos participantes, fomos capazes de adiantar as seguintes medidas para um Portugal mais feliz:

Criação de um Conselho Nacional de Felicidade, um Plano Nacional da Felicidade, um Observatório da Felicidade ou até um Ministério da Felicidade como instituições que teriam como função pensar, acompanhar e avaliar a implementação de políticas para a felicidade; criar a disciplina de felicidade em diferentes graus de ensino; ensinar a higiene emocional na criança, nomeadamente através de práticas de meditação; promover o mérito, a competência e a justiça nas organizações (onde, afinal, passamos grande parte das nossas vidas); combater as desigualdades, a pobreza e o desemprego (fortes geradores de infelicidade); utilizar o nudging como contrapeso à pressão do marketing empresarial (tão patente na publicidade ou na gestão das redes sociais); criar dinâmicas de discussão dentro dos sistemas, para promover a auto-aprendizagem, a auto compreensão e a capacidade de transformação, integrando e responsabilizando todos os intervenientes no sistema (ex. escolas); criar esquemas de avaliação que premeiem a cooperação, não só a competição; estudar a possibilidade das 35 horas de trabalho para todos como forma de promover um bom balanço família-lazer-trabalho e uma parentalidade saudável; aumentar a transparência e a responsabilização dos políticos.

No fim do dia, temos que entender que a felicidade não é totalmente aleatória ou pré-determinada – trabalha-se e constrói-se e há uma dialéctica constante entre o social e o individual, entre o macro (regras sociais), o meso (realidade das organizações) e o micro (a vida de cada um). Mais, não pensar na felicidade é deixar que outros determinem os supostos caminhos para se lá chegar.

O que temos que fazer é entender a felicidade como causa e consequência da democracia. Por isso precisamos de toda a gente para trazer este debate para o centro da nossa vida colectiva. Esperamos pelos vossos contributos.

O ManifestoX é um movimento da sociedade civil que visa a criação de políticas com o objectivo de, num prazo de dez anos, transformar Portugal no melhor país do mundo para se viver.

O ManifestoX surgiu da iniciativa de Pedro Duarte através de uma carta de princípios e convite a pessoas de diferentes áreas profissionais e de pensamento, visando captar para o debate político cidadãos que tipicamente ficam à margem, por não estarem integrados nas engrenagens partidárias.

A natureza deste manifesto reside na colaboração e na participação alargadas, tentando trazer o máximo de contributos possíveis para essa reflexão difícil e ambiciosa, mas que se quer concreta e concretizável. Será produzido um documento com propostas políticas, sumário dessas reflexões.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Público a 3 de Janeiro de 2019

Saturday, May 26, 2018

AS TERCEIRAS VIAS "BLARISTAS" SÃO POUCO SOCIAIS E POUCO DEMOCRÁTICAS

A discussão, que tem sido intensa nos últimos dias neste jornal, entre diversas personalidades do Partido Socialista, sobre o que representa a social-democracia, quais as suas possibilidades de futuro, a definição de vias (desde a terceira em diante) até à adjectivação da mesma, reflectem uma fractura ideológica dentro desse partido, que mimetiza a fractura ideológica que se verifica noutros partidos socialistas europeus (vide o Labour Party na Inglaterra).

Friday, January 20, 2017

TRUMP E OS INIMIGOS DO ESTADO SOCIAL: UM DESGRAÇADO PROCESSO DE ACELERÇÃO


A eleição de Donald Trump para presidente dos E.U.A. configura, para os defensores do Estado Social, uma tempestade perfeita: é que não foi só Trump a ser eleito, o Partido Republicano (dominado por Wall-Street, evangélicos e pelo Tea Party) passou também a dominar todas as Câmaras (Senado e Câmara dos Representantes), tornando-se uma força com total liberdade de acção. 

Tuesday, November 3, 2015

OS PERIGOSOS EXTREMISTAS SOCIAIS-DEMOCRATAS (OU O MUNDO AO CONTRÁRIO)

De tal forma mudou o mundo, que é caso para se dizer que, hoje, até os sociais-democratas (pelo menos os verdadeiros) comem criancinhas ao pequeno-almoço.

Sunday, August 31, 2014

A SOCIAL-DEMOCRACIA NÃO MORREU

O movimento político, económico e social que tem dominado o mundo ocidental desde a década de oitenta do século passado é o do progressivo desmantelamento do sistema político-económico denominado social-democracia (SD). Isso é um facto e muitas razões têm sido apontadas como explicativas: a falência do modelo comunista dos países de leste, a dificuldade em manter as taxas de crescimento do mundo ocidental do pós-guerra, o envelhecimento populacional desses países ou as políticas liberalizadoras do comércio internacional e da circulação de capitias que promoveram a desindustrialização do ocidente, o aumento do desemprego, o dumping social e o aumento da desigualdade na distribuição do rendimento. Porém, uma coisa é observarmos e explicarmos um determinado fenómeno, outra é fazermos julgamentos prospectivos e valorativos. Isto é, podemos fazer as seguintes perguntas: desejamos que a SD desapareça? É inevitável que isso aconteça?

Por uma produção amiga da felicidade

"Desde que Adam Smith publicou “A Riqueza das Nações” que se gerou a noção de que a ciência económica havia de ser a disciplina que nos...