Thursday, January 14, 2021

NAS REDES SOCIAIS COMO NA VIDA

Depois da tentativa de golpe de Estado ocorrida no dia 6 de Janeiro nos EUA, o ainda presidente Donald Trump foi banido de meios de comunicação digitais como o Twitter, Facebook, Instagram, Snapchat ou Youtube.

O argumento usado pelos gestores desses canais digitais teve a ver com a violação das políticas de utilização, nomeadamente o incitamento à violência e a difusão de mentiras, práticas reiteradas de Donald Trump nesses meios, mas que agora atingiram o seu apogeu com o incitamento à invasão do Capitólio, e posterior discurso desculpabilizante desse incidente sem precedentes na história moderna dos EUA.

Após esta proibição, levantaram-se vozes críticas, dizendo que não pode ficar ao critério dos gestores das redes sociais o que pode ou não ser dito nessas mesmas redes.

A verdade é que esta é já uma discussão antiga, relativa ao problema da força (muito consequência da estrutura oligopolista deste mercado) que as redes sociais podem ter na manipulação das percepções e comportamentos das pessoas.

Mais, discute-se porque hão-de ser as redes sociais uma espécie de realidade paralela sem lei, onde todos podem dizer tudo, mesmo o que não podem dizer noutros meios de comunicação social ou em público.

Sejamos claros: os gestores das redes sociais sempre impuseram as suas vontades e desenharam as suas leis. Nas redes sociais, que mais não são do que serviços digitais prestados por empresas privadas, com o objectivo do lucro, manda a vontade dos donos.

No Instagram, no Facebook ou no Youtube, há políticas muito claras relativas à nudez: aplicando um critério puritano altamente discutível, desde órgãos genitais até simples mamilos femininos (porque os masculinos ninguém censura) são completamente banidos, mesmo que seja a reprodução de uma pintura, de uma fotografia artística ou de uma fotografia de lazer de uma família nudista.

Nunca vi nenhuma comoção especial por tal censura à liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, muitas imagens de violência são toleradas, e toda a espécie de discurso insultuoso vai sendo permitido.

Acho muito bem que se discutam estas políticas e que se questione o poder que estas redes têm para alimentar mentiras ou teorias da conspiração. Porém, no fim do dia, não passam de empresas privadas, com a liberdade de definirem as regras dos seus serviços.

Sou contrário às normas puritanas já referidas. Mas não defendo que as empresas tenham que mudar as suas regras ao meu gosto (o Twitter, por exemplo, já não bane a nudez).

Ao mesmo tempo, sou favorável à criação de regras de combate à violência, ao insulto e às mentiras. Mas, entretanto, só uso as redes sociais se quiser. Eu, e toda a gente.

A única coisa que está acima das políticas de utilização das redes é a lei das nações. E essa tem que se aplicar nas redes como se aplica na vida: punir a calúnia, punir o discurso de ódio, punir a propaganda nazi e fascista, punir o incitamento à violência ou ao suicídio, o bullying e toda e qualquer espécie de crimes que possam ocorrer via redes sociais, como podiam ocorrer via telefone, por exemplo.

Agora, uma rede social tem todo o direito de receber e recusar quem quiser, como o dono de um restaurante tem o direito de não aceitar quem se faça acompanhar por um cão, quem esteja bêbado ou quem esteja a perturbar a ordem do estabelecimento. Nas discotecas, por exemplo, muita gente fica alegremente em filas ao frio à espera de poder entrar e, muitas vezes, não entra. Porque não há-de ser assim numa rede social?

Já há redes de encontros para católicos, para homossexuais ou para pessoas de esquerda. Nessas redes sociais, os que não cumprem o critério inicial, não são bem-vindos. No início, o Facebook era só para estudantes de uma dada universidade.

Esta ideia peregrina de que o Twitter há-de ser o canal oficial de comunicação política é um absurdo. Os políticos, nomeadamente os que estão no poder, têm os seus canais de comunicação próprios e oficiais, não podem depender de canais de terceiros, nomeadamente das redes sociais privadas. Quanto muito, crie-se uma rede social pública (como há os órgãos públicos de comunicação social), onde os políticos tivessem livre acesso, desde que cumprissem as regras da nação.

Curiosamente, no caso de Donald Trump, ele só conseguiu ganhar a Presidência em 2016 graças à utilização maquiavélica e científica dessas redes sociais, percebendo o que tinha que dizer aos diferentes públicos e alimentando a circulação das mentiras que mais lhe conviessem, tudo com a cobertura compassiva dos gestores dessas redes, que tudo lhe foram sempre permitindo (na campanha e durante a presidência).

Costuma dizer-se que quem vive pela espada, morre pela espada. Trump, um monstro que viveu através das redes sociais, é bom que morra através delas.

No resto, não se dê demasiada importância às redes, mas fiscalizemo-las bem, para que o que não é permitido na rua também não seja permitido no mundo digital.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 14 de Janeiro de 2021




Monday, January 11, 2021

EUA: UMA NAÇÃO SUBDESENVOLVIDA

A tentativa de golpe de Estado que aconteceu no dia 6 de Janeiro de 2021 nos EUA, protagonizada por arruaceiros incitados pelo presidente derrotado Donald Trump, é, nas palavras do anterior presidente George W. Bush, própria de uma “república das bananas”.

Parece paradoxal que tal atentado à democracia, e ao regular funcionamento das instituições, aconteça naquela que tem sido a maior potencial mundial. Mas, uma análise cuidada mostra que tal não é surpreendente: na verdade, os EUA são uma nação subdesenvolvida e uma democracia debilitada.

Se é certo que os EUA são a maior economia do mundo, a maior potência militar mundial, a pátria de 1/3 de todos os bilionários (segundo a revista Forbes) e o país com mais bilionários em todo o mundo, a sua grandeza fica-se por aí.

É verdade que os EUA são sede de muitas multinacionais, dispõem de muitas patentes (logo, inovação tecnológica) e até empregam (nas suas universidades de topo) muitos prémios Nobel. Mas isso é a causa e consequência do seu foco na criação de riqueza material.

De resto, os EUA são uma nação subdesenvolvida ou, pelo menos, ultra-ineficiente na utilização da riqueza produzida para a criação de um país sustentável, equilibrado e feliz.

As estatísticas são claras:

- na esperança média de vida (EMV), os EUA estavam, em 2018, na 47ª posição no ranking mundial, imediatamente acima da Albânia (48º) e atrás de Cuba (45º), da Costa Rica (36º) ou de Portugal (30º). Os EUA são, também, o país que mais gasta, per capita, em despesas de saúde em % do PIB (16,89% em 2018), com os fracos resultados atestados pela relativamente baixa EMV, o que comprova a sua gritante ineficiência na produção de saúde.

- ainda na saúde, os EUA estão na posição 47 na taxa de moralidade de crianças até aos 5 anos, com 6,5 mortes por mil nascimentos, atrás de Portugal (na posição 28, com 3,7) ou da Islândia (no segundo lugar, com apenas 2 mortes por mil nascimentos); é ainda, na OCDE, dos únicos países que não tem 100% da população coberta por serviços de saúde, com apenas 91,2% da população protegida dos riscos de saúde devido à inexistência de um serviço nacional de saúde universal.

- na educação, estão na posição 66 (numa lista de 191 países) no que respeita a gastos em educação em % do PIB, gastando apenas 5% do PIB, contra os 8% da Noruega (na posição 8) ou os 12,9% de Cuba, que lidera a lista.

- por outro lado, é um país em constante guerra consigo próprio e com os outros, sendo dos países com mais despesas militares per capita, estando na 3ª posição (atrás de Israel e da Arábia Saudita, numa lista de 172 países); é o país do mundo onde existem mais armas na posse de civis (uma média de 1,2 armas por civil, mais do dobro do segundo mais armado, a Arábia Saudita, com 0,5 armas por civil); o país do mundo com mais encarcerados por cem mil habitantes, 655 (contra 125 em Portugal, 120 na China e 39 no Japão); é um país onde morrem, por ano, cerca de 5 pessoas por cada cem mil habitantes vítimas de homicídio, o pior registo entre os países ricos (só ultrapassado pelas 8,21 da Rússia), contra uns muito mais civilizados 0,79 de Portugal.

- é um país muito poluidor, emitindo 16,1 toneladas de CO2 per capita, por ano, quando outras potências económicas, como o Japão ou a China, emitem cerca de metade, 9,4 e 8 toneladas per capita, respectivamente; ao nível da pegada ecológica, ocupa a quinta aposição mundial como mais gastador dos recursos naturais do planeta, com 8,22 hectares globais por pessoa, enquanto que Portugal gasta apenas 3,88 hectares globais por pessoa (posição 60) e o Japão 5 hectares globais por pessoa (posição 42).

- é o país rico com maior desigualdade na distribuição do rendimento, com os 10% mais ricos a terem um rendimento 18,5 vezes maior do que o dos 10% mais pobres (tão desigual como o Ruanda com 18,6 ou a Venezuela com 18,8), contra umas muito menores 5,6 vezes na Finlândia e 4,5 vezes no Japão (modelos neste indicador); é ainda uma nação em que as pessoas são completamente desprotegidas face a situações de carência no rendimento, uma vez que o rendimento mínimo garantido nos EUA apenas garante 6% do rendimento disponível mediano da nação, enquanto que no Japão esse valor é de 64%, na Dinamarca 62% e na Irlanda 59% (os líderes da tabela).

- é um país com uma elevada taxa de suicídios, com 13,7 suicídios por cem mil habitantes, o quarto maior número de entre os países ricos (pior só a Bélgica com 15,7, o Japão com 14,3 e a Suécia com 13,8), muito longe de Portugal que tem 8,6 ou da Itália com 5,5; Ao mesmo tempo, é o país do mundo com a mais alta prevalência de consumo de cocaína, com 2,7% da população entre os 15 e os 65 anos a terem, num dado ano, consumido pelo menos uma vez cocaína, contra os apenas 0,2% de Portugal ou 0,03% do Japão.

- é um país que tem uma posição muito abaixo do que devia, face à riqueza produzida, no ranking mundial da felicidade, ocupando a 18ª posição, ultrapassado pela Costa Rica (15ª posição) e seguido pela República Checa (19ª posição).

É uma nação confessional, que tem escrito nas suas notas “Acreditamos em Deus”, pátria de múltiplas confissões religiosas como os Mórmons, a Cientologia ou múltiplos credos evangélicos, que permite o ensino do criacionismo ou do terra-planismo, o que facilita a criação de gente dogmática que acredita em tudo que vê nas redes sociais, ou o que é dito por vigaristas carismáticos (como Trump), alimentado teorias da conspiração e a propagação de mentiras.

É uma democracia muito dependente do poder do dinheiro, apenas com dois partidos, com um sistema não proporcional com círculos uninominais, o que facilita a ascensão de loucos ao poder (e que alguns querem importar para Portugal não falando deste grave risco), mesmo contra a vontade da maioria (como na eleição de Trump).

É um país que tem um modelo de sociedade baseado no risco e no medo (de perder o emprego, de ir preso, de levar um tiro) e que gasta imensos recursos em litigância e seguros. Funciona para criar empresas dinâmicas e domínio militar à escala global, mas não para gerar sustentabilidade mundial nem felicidade interna.

Os fanáticos alucinados que invadiram o Capitólio foram atrás de Trump, mas podem ir atrás de qualquer manipulador do mesmo tipo que consiga chegar ao poder. E, da próxima vez, pode não haver volta, e criar-se uma ditadura nos EUA (como previu Margaret Atwood, em 1985, no seu romance Handmaid’s Tale).

Há, nos EUA, uma base assustadoramente grande de insanos (alguns mesmo no sentido clínico do termo) que não tem paralelo nas ouras nações desenvolvidas (veja-se o vizinho Canadá) e que se manifesta nos tiroteios nas escolas, na violência nos bairros pobres ou nas organizações ou movimentos dementes como o KKK ou o QAnon. Numa nação civilizada essa base seria clinicamente tratada e atacadas as condições que a deixam crescer: nomeadamente a pobreza, a desigualdade, o fanatismo e a anomia social.

É uma nação não humanista em que ainda existe a pena de morte.

Uma nação assim, não pode ser o farol do mundo.

É tempo da Europa assumir esse papel.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 11 de Janeiro de 2021


Wednesday, December 30, 2020

THE ECONOMICS OF HAPPINESS, OF FRANCESCO AND THE PATH OF TRANSFORMATION

“Mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo”, lá diz o provérbio.

No caso dos economistas, é muito fácil perceber quando estão a mentir: 1. quando se põem a prever o futuro; 2. quando dizem que não fazem, nem se metem em, política.

Thursday, December 17, 2020

POPULISM IS SAYING PORTUGAL IS A SOCIALSIT COUNTRY

Portugal é uma República, uma democracia liberal pluripartidária, com um sistema económico de mercado. É assim desde 1974. É o que se designa por social-democracia. Não há como fugir desta verdade. Todas as classificações alternativas são, pura e simplesmente, mentiras.

Thursday, December 3, 2020

LEFTIST, AGAISNT ALL DICTATORSHIPS

I consider my self a left-winger because I believe humans are more equal that different (those who do not agree with this definition might stop reading this text, as this definition will be used by default for all arguments).

Thursday, November 19, 2020

COMMUNISM NEVER EXISTED, FASCISM AND NAZISM DID

Tem sido motivo de aceso debate o acordo de governo que CDS, PPM, PSD, Chega e IL fizeram no Açores. Nesse acordo, ficou estabelecido que PSD, CDS e PPM governam em coligação, com o beneplácito parlamentar de Chega e IL.

Wednesday, November 11, 2020

OS EUA NÃO SÃO (NEM NUNCA FORAM) TRUMPISTAS

A recente derrota eleitoral de Donald Trump veio consolidar uma realidade sobre os EUA: Trump não é, nem nunca foi, o preferido pela maioria dos estadunidenses.

Se, em 2016, quando Trump foi eleito, ele já tinha perdido no voto popular por cerca de 3 milhões de diferença, agora, com a derrota face a Joe Biden, essa distância aumentou para 5 milhões.

Não fosse arcaico o sistema eleitoral dos EUA, protector dos Estados rurais pouco populosos e com a regra do “winner takes it all”, há muito que os republicanos não conseguiriam estar no poder.

A verdade é que, das últimas 8 eleições presidenciais nos EUA, 7 foram vencidas, no voto popular, pelos democratas: com métodos proporcionais, G. W. Bush não teria sido eleito em 2000, nem Trump em 2016 (só G. W. Bush em 2004, aquando da sua reeleição, ganhou o voto popular). De resto, Al Gore e Hillary Clinton teriam sido eleitos.

Também ao nível das duas câmaras do Congresso, os métodos eleitorais não proporcionais protegem os republicanos, que tudo têm feito para bloquear qualquer mudança.

Ou seja, só as regras desvirtuadoras da proporcionalidade têm permitido uma governação dos EUA tão à direita. Mas, mesmo com essas regras, as dinâmicas demográficas dos EUA estão a minar as possibilidades do poder republicano.

Olhando para a composição demográfica dos votos, aquilo que se percebe é que as mulheres, os não brancos, os jovens e os habitantes das áreas com alta densidade populacional votam massivamente nos democratas (também assim os mais qualificados, mas de forma menos notória).

Ora, acontece que o progresso faz com que as mulheres tenham cada vez mais voz (votem mais e se libertem do machismo republicano), que os não brancos estejam cada vez mais integrados e participativos (e têm aumentado a sua proporção no país) e que as pessoas se desloquem para a cidade, desertificando o campo.

Mesmo aqueles de quem se disse terem sido os responsáveis pela eleição de Trump em 2016, os trabalhadores brancos, pouco qualificados e ameaçados pela globalização, da “cintura da ferrugem”, votam maioritariamente democrata (só as já referidas distorções permitiram que os republicanos ganhassem nesses Estados em 2016).

Ou seja, apesar de haver muito quem tenha votado em Trump, a maioria não votou nele, votou contra ele. Antes de serem trumpistas, os EUA são anti-Trump. Mais, os que mais o apoiaram foram os homens brancos, que vêem em Trump um protector dos seus privilégios machistas, raciais, religiosos e económicos. Assim, quantas mais mulheres e não brancos tiverem autonomia financeira e cultural, menos apoio existirá para os republicanos.

E mais, não acredito em trumpismo sem Trump: o trumpismo dependia obsessivamente da personagem histriónica Trump e da sua pornográfica ausência de sentido de Estado. Mas, agora, o povo foi claro: o trumpismo é extenuante, catalisador de violência e incompetente (como a pandemia provou).

As mulheres estadunidenses não gostam de ser “agarradas pela passarinha” sem autorização, os não brancos não gostam de ser enxovalhados, discriminados ou asfixiados pela polícia, nem as pessoas urbanas admitem que lhes castrem o modo de vida liberal, ao nível da sexualidade ou escolhas familiares e profissionais. Nem mesmo as grandes empresas aceitam que haja retrocessos ao nível da globalização e do capitalismo liberal.

Isto é, o trumpismo é uma realidade sem futuro histórico.

Gabriel Leite Mota, publicado no Público a 11 de Novembro de 2020

Por uma produção amiga da felicidade

"Desde que Adam Smith publicou “A Riqueza das Nações” que se gerou a noção de que a ciência económica havia de ser a disciplina que nos...