Uma característica comum a todas as teorias da conspiração é esta ideia de falta de controlo e de liberdade do cidadão comum, face a uns, poucos, governantes tácitos do mundo que, à revelia da população mundial e da democracia, tomam todas as decisões importantes para a nossa vida.
O curioso desta teoria da conspiração das vacinas é que ela agita, da mesma forma que no passado, os fantasmas da tecnologia: provavelmente, ainda existem tribos perdidas no mundo, que consideram uma máquina fotográfica um instrumento perigoso e diabólico, porque uma fotografia rouba a alma do fotografado. Um ocidental ri-se desta ingenuidade perante a tecnologia fotográfica, mas, talvez, esse mesmo ocidental esteja a partilhar nas redes sociais as teses conspirativas em que a vacina vai ser usada para introduzir um chip… É verdade que ainda não chegamos a esse ponto tecnológico, mas havemos de chegar, e ainda bem.
Se há evidência que a história recente da humanidade nos tem revelado é que a inovação tecnológica tem tido um efeito espectacular sobre a vida humana: tem permitido que mais gente exista no planeta, que mais gente viva mais anos, que mais gente tenha bons cuidados de saúde, que mais gente tenha acesso à alimentação, à habitação, ao transporte e à comunicação. Tudo factores decisivos para o bem-estar humano, desde o controle da electricidade, passando pela energia nuclear, até à manipulação de processos quânticos que nos permitem ter comunicação à distância e serviços de geo-localização. A tecnologia tem sido uma aliada da humanidade.
É claro que, também, têm existido usos nocivos da tecnologia, com o exemplo paradigmático da bomba atómica. Mas o saldo é muito positivo. E esse saldo positivo dá-nos toda a confiança para encarar os avanços futuros com muito optimismo.
Na verdade, aproximamo-nos de uma progressiva integração e interacção ser humano/máquina e inteligência artificial, sendo que os receios que muitos têm desse passo são equiparáveis aos receios que os tribais tinham em ser fotografados.
Não estará muito longe o dia em que, de livre vontade, instalaremos chips no nosso corpo que nos permitirão ter acesso a informação na internet de uma forma continuada e supereficiente, sinalizar-nos-ão problemas da nossa saúde em tempo real (prevenindo riscos de morte como AVC, ataques cardíacos, embolias ou a detecção precoce de cancro), para além de correcções automáticas do processo de envelhecimento. Assim, dar-se-á o próximo passo na esperança média de vida, que é o do aumento forte da longevidade.
Só com esta integração com a máquina será o ser humano capaz de, sustentadamente, ultrapassar os 100 anos de vida, e vivê-los com qualidade.
Obviamente que, em tal estado de integração tecnológica, o ser humano passa a enfrentar riscos que hoje não tem, desde hacks ao sistema digital integrado no nosso corpo até possibilidades de fiscalização e discriminação que hoje são impossíveis.
Mas o processo será, em tudo, igual a alguns desafios que a tecnologia nos pôs no passado. Ou seja, os riscos acrescidos que vamos enfrentar por essa integração vão ser superados pelas vantagens dessa mesma integração. Aquilo que vamos ter que fazer é encontrar as tecnologias sociais mais adequados à minimização desses riscos tecnológicos, softwares mais resilientes à pirataria, sistemas políticos mais controlados democraticamente e fortes limitações legais às possibilidades de abuso.
A história da humanidade está cheia de guerras, de violações, de processo de escravatura, mas está, também, cheia dos momentos de ultrapassagem desses abusos. Aliás, a contemporaneidade é o mais feliz de todos os momentos da humanidade: nunca no planeta viveram tantas pessoas, durante tantos anos, com tanta qualidade de vida.
Não há grandes razões para duvidarmos da capacidade da humanidade em continuar este progresso. E, sim, esse progresso far-se-á com mais tecnologia, mais inteligências artificiais, mais integração humano/máquina, mas também com inovações sociais na direcção do maior respeito pelos direitos humanos e pela liberdade.
A escravatura não precisou de tecnologia nenhuma para existir. A inquisição usou instrumentos de tortura básicos para provocar dores inimagináveis. A culpa é da maldade, não da tecnologia.
Hoje, o mundo está muito menos dominado pelas elites: nunca na história da humanidade o cidadão comum teve tanto poder e liberdade, seja através das suas decisões de consumo, seja através do seu voto, seja através da sua capacidade de influenciar outros, nomeadamente através das redes sociais.
A tecnologia e o desenvolvimento tecnológico apontam, sim, para a utilização dos chipes no corpo humano. Mas essa utilização será muito bem-vinda e será mais um passo na direcção do aumento da felicidade. E vamos adoptá-la livremente, sem necessidades de esquemas conspirativos insidiosos.
Enfim, sejamos vigilantes, mas não tenhamos medo.
Gabriel Leite Mota, publicado a 16 de Março de 2021