Foi notícia, outra vez, o caso de dois estudantes cujos pais os impedem de frequentar as aulas de cidadania, com o argumento de que questões de sexualidade e de moral não são da competência da escola, apenas da família.
Acontece que, num Estado democrático, com sistema de ensino obrigatório, os conteúdos leccionados não se restringem à ciência: passam pela história, pela cultura, pela filosofia, pelo direito, ou seja, passam pelos valores morais.
Se pegarmos no caso da homossexualidade, podemos, inclusivamente, constatar que, quer a ciência, quer a história, quer o direito, têm muito a dizer sobre ela. A ciência, porque já a considerou uma doença, e hoje não considera, antes a estuda e tenta compreender os seus determinantes genéticos, epigenéticos e sociais; historicamente, é um tema de grande relevância, face às oscilações de frequência e aceitação que a homossexualidade foi tendo ao longo da história – lembremo-nos dos gregos e romanos, que a aceitavam tranquilamente; do ponto de vista do direito, é também um tema fundamental, pois que o enquadramento da homossexualidade no quadro jurídico tem vindo a variar, desde os tempos em que era criminalizada e penalizada, até à actualidade, em que os homossexuais se podem casar, podem adotar crianças ou, recorrendo a inseminação artificial ou barrigas de aluguer, terem filhos próprios (ex: pode gerar-se uma criança no ventre de uma mulher, com óvulos da companheira, numa relação lésbica); na filosofia, importa discutir o papel da sexualidade na vida, mostrando as várias visões possíveis, desde aquelas que concebem a sexualidade apenas como um meio para a reprodução, até outras que a concebem, essencialmente, como um meio para o prazer.
É, assim, completamente errada a posição daqueles que acham que à escola não cabe a discussão de certos temas porque têm cargas valorativas e morais.
Aliás, o texto fundamental da nossa democracia, a Constituição da República Portuguesa, é um sumário desses mesmos valores. E a consideração dos direitos humanos nesse documento significa que, para Portugal, a homossexualidade é moral (o amor recíproco entre seres humanos é sempre moral), e isso tem que ser ensinado.
Certo é que há pessoas que pensam diferente, porque assim vem escrito em livros com mais de 2000 anos. Mas essa não é a posição de Portugal. As famílias têm todo o direito de ensinar a moral que quiserem às suas crianças, não podem é impedir que o país, através do seu sistema de ensino obrigatório, transmita aos estudantes a moral da nação, e as diferentes visões científicas e filosóficas sobre os problemas.
Quem se incomodar muito com isso, sempre pode emigrar para nações que tenham uma visão moral mais perto da sua, nomeadamente países como a Arábia Saudita ou o Irão.
Na Europa, o padrão é o respeito pelos direitos humanos, pelo que se tende a impedir essas visões fanáticas, apesar dos maus exemplos como a Hungria ou a Polónia.
Esta problemática está, também, a ser discutida em Itália, com o parlamento a querer aprovar uma lei que penaliza o discurso de ódio e discriminatório, nomeadamente a homofobia, tendo o Vaticano ficado preocupado por temer que a sua doutrina possa ser considerada homofóbica e impedida de ser ensinada. Se é certo que não se pode impedir que as famílias ensinem o que quiserem às suas crianças, já fica difícil aceitar que as instituições de ensino acreditadas pelo Estado possam propagar valores contrários à moral nacional. Caso contrário, teríamos que aceitar escolas que ensinassem o assassinato como moral (e tantas vezes a homofobia leva a assassinatos).
Portanto, sim, se uma nação decidir que a homofobia é um crime, todas as escolas deverão ficar impedidos de transmitir uma visão que olha para homossexualidade como uma imoralidade.
Não há, no mundo, nenhum Estado neutro em valores, nem nenhuma escola neutra em valores.
Portugal é uma República democrática laica, por muito que custe a pessoas que sejam monárquicas, religiosas ou antidemocráticas. Os valores fundamentais são transmitidos nas escolas e a normalidade moral da homossexualidade é um deles. Quem quiser pregar o contrário, pode fazê-lo, mas fora do ambiente escolar.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Público a 6 de Julho de 2021