Wednesday, July 24, 2013

O INTELECTUAL FELIZ

Fala-se de tantos preconceitos, e tenta-se combatê-los, ao mesmo tempo que se esquecem outros, preconceitos nos preconceitos… Um deles é aceitar a normalidade de alguns génios: sim, os génios não têm que ser loucos, apenas há alguns loucos que são génios e, ainda assim, conseguem criar; outro, mais profundo, aceitar que os intelectuais podem (devem?) ser felizes.

A grande maioria dos intelectuais exibe um irritante preconceito contra a palavra, contra a ideia de felicidade. Oh! Porque é tão difícil definir. Oh! Porque é própria dos idiotas, dos que não sabem, dos que não pensam e não vêem as agruras do mundo, não percebem o drama da existência, a morte (como o gato que brinca na rua como se fosse na cama…). Em suma, a felicidade é para os pouco inteligentes.

Por isso alguns até fazem gala em ostentar a sua miséria, a sua depressão, o seu descontentamento com o mundo, onde a sua irritação e desprezo pelo mundano aumentam a pose sobranceira de quem sabe muito e, portanto, não pode ser feliz. Eis um grande preconceito! E perdoem-me esses intelectuais, mas ser infeliz não é um pré-requisito, nem uma consequência, nem sequer uma inevitabilidade do pensar. Saber, pensar, sonhar, criticar, raciocinar e ser feliz é possível!

Acima de tudo, é possível desejar ser feliz e não ter vergonha disso, nem se regozijar num atavismo depressivo onde o azedume se toma por sabedoria. É possível ver um pôr-do-sol e sorrir, dar um abraço e sentir, é possível criar, partilhar, amar...

Talvez seja mais difícil ser intelectual e feliz. Mas desistir e abdicar é que seguramente não são sinais de inteligência. Até porque, talvez a verdadeira inteligência seja mesmo a capacidade de se ser feliz.

A verdade é que tudo é subjectivo e a nossa percepção do mundo é mutável (“Vê moinhos? São moinhos! Vê gigantes? São gigantes!”). Ser intelectual (cientista, filósofo ou poeta) obriga a pensar tudo: a vida, a morte, a dor, a relatividade do ser humano, a pequenez da terra, a questionar a nossa sensação de verdade e de segurança no universo. Mas nada disso é incompatível com felicidade.

Procurar o bem-estar psicológico não é incompatível com o conhecimento, a reflexão e o pensamento crítico. Saber mais não tira a beleza às coisas, nem o seu encanto (Damásio diz que quanto mais compreende a bioquímica da consciência mais beleza lhe encontra).

O preconceito sim, é incompatível com a intelectualidade! Ter preconceitos com a ideia de felicidade é especialmente idiota…

Todos os seres humanos estão preparados para serem felizes: basta estarem em harmonia com as circunstâncias. Mas é aqui que entra a crítica: porque o intelectual não se adapta, não se conforma: critica, questiona e procura um mundo diferente! E é aqui que entra a fractura ontológica: muitos dos intelectuais consideram a felicidade quase como que um paraíso perdido, uma qualidade metafísica que, por ser uma utopia, não é alcançável pelos mortais (ou só pelos amorfos, que não têm verdadeira consciência dessa condição e do sofrimento que grassa no mundo).

Eu penso o contrário: a felicidade é muito concreta, terrena, e alcançável por todos os seres humanos. Não que possibilidade signifique facilidade, mas tão só possibilidade. E é essa possibilidade que nos deve guiar, que nos deve permitir sonhar como os poetas e perceber que se é possível “inventar flores com asas de lume, donde, em vez de perfume, saiam sons de violoncelo” também é possível (e desejável) tentar a felicidade.

Gabriel Leite mota, publicado no Jornal de Letras  a 24 de Julho de 2013

Por uma produção amiga da felicidade

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