Thursday, December 22, 2016

O EURO NÃO É A DOENÇA, É UM SINTOMA

A Europa do séc. XXI é uma Europa de crescimento anémico. Mesmo antes da crise do sub-prime de 2007/2008, o crescimento económico da União Europeia era modesto. Depois, com a crise subsequente das dívidas soberanas, o crescimento tem sido ainda pior, com países a entrarem em recessão, enquanto que os que continuam a crescer (como a Alemanha) estão longe de exibir crescimentos fulgurantes.

Uma vez que aconteceu uma sincronia entre esta debilidade de crescimento económico e o advento do Euro, muitos suspeitam que a fonte do problema, nomeadamente nos países do sul das Europa, é o Euro.

A verdade é que uma União Monetária é um projecto difícil e muito questionável: primeiro, porque se trata de abdicar de parte da soberania nacional (a perda da política monetária); depois, porque a estruturação de uma moeda única deve obedecer aos critérios daquilo a que em economia se designa por zonas monetárias óptimas, que têm critérios de construção muito exigentes e que, no caso do Euro, não foram todos garantidos: o Euro engloba países com estruturas económicas demasiado diversas e nem sequer existe uma língua comum.

Assim, têm sido muitos os que começam a questionar se não será mesmo a moeda única a principal razão para o falhanço europeu ao nível do crescimento económico e do emprego (alguns já eram dessa opinião mesmo antes da sua criação).

É fácil perceber que o Euro está mal desenhado e que tem que ser restruturado para poder servir a felicidade dos povos europeus. Mas também os tratados têm que ser alterados, em particular o Pacto Orçamental, para que sejam possíveis o investimento (nomeadamente público) e o crescimento. Contudo, a verdadeira origem das dificuldades, a doença que afecta a Europa e que está a pôr em causa a sustentabilidade do seu modelo de Estado Social, não é o Euro mas sim a deriva liberalizante que o mundo encetou a partir dos anos 80 do séc. XX.

A forma excessivamente desregulada como hoje se processa a circulação de bens, serviços e capitais permite o dumping social e ambiental e fomenta uma insustentável concorrência fiscal entre as nações, que tentam captar os capitais internacionais baixando a sua tributação.

Sabendo-se que as condições de trabalho e de respeito pelas normas ambientais vão demorar muito a estabelecerem-se nos países em desenvolvimento e que, por mais competitivos que os países sejam fiscalmente, têm a concorrência dos offshore – alguns, imoralmente, dentro da própria Europa –, logo, o resultado é sempre o mesmo: deslocalizações de empregos (que causam desemprego na Europa) e deslocalizações de sedes de empresas (que causam a diminuição das receitas fiscais dos países europeus).

Sem se enfrentar verdadeiramente esta excessiva liberdade de circulação dos capitais e dos bens e serviços, bem pode a Europa mudar as regras do Euro, ou mesmo acabar de vez com a moeda única, que os problemas de crescimento e de sustentabilidade do Estado Social permanecerão.

O Euro como está não ajuda, pois obedece a uma ideologia e a uma lógica liberal. Mas o Euro é apenas um sintoma. A doença é outra e chama-se “excessiva liberalização da actividade económica mundial”. É isso que temos que combater, para que a globalização possa ser, efectivamente, um bem para a Europa e para o mundo.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 22 de Dezembro de 2016

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