"Desde que Adam Smith publicou “A Riqueza das Nações” que se gerou a noção de que a ciência económica havia de ser a disciplina que nos explica como fazer crescer as economias. A verdade é que os autores clássicos entendiam que essa função da Economia só fazia sentido se o crescimento económico aumentasse a felicidade dos povos. Ao longo do tempo, porém, essa importante ressalva foi esquecida, principalmente durante o séc. XX, com a deriva neoclássica e a tentativa de fazer da Economia uma ciência exacta. De tal forma foi assim que se chegou ao fim do século passado com a ideia de que o crescimento económico, inexoravelmente, trazia a felicidade dos povos. Mais, com o advento do indicador estatístico PIB e sua utilização à escala global, o crescimento económico, assim medido, passou a ser a principal variável da política: os políticos dos diferentes países passaram a aferir o sucesso das suas propostas e políticas pelo impacto que tinham no PIB. Implícita estava a ideia de que, quanto mais crescermos, mais bem-estar haverá. Paradoxalmente, e similar ao que sucedeu com os clássicos, Simon Kuznets, o criador do PIB, disse que esse não era um indicador de bem-estar nacional. Mas essas palavras foram esquecidas. De tal forma tudo isto é assim que, hoje, em Portugal, nos debates televisivos entre os candidatos às legislativas de 30 de Janeiro, um dos principais temas foi a questão do crescimento económico. Que Portugal está estagnado desde o início do milénio, e que tudo se tem que fazer para inverter essa situação. Discutem-se as culpas, segmentam-se os períodos temporais (onde se cresceu e decresceu), e argumentam-se soluções. Para a direita, a solução é simples: baixar impostos e mercantilizar os bens e serviços públicos, que o mercado põe Portugal a crescer. Para o PS, o problema foi a pandemia, caso contrário, Portugal estaria a crescer bem, graças às políticas do seu Governo. Para a esquerda, há a insistência no aumento dos salários, a importância do poder de compra e dos direitos laborais. Também se falou dos problemas ambientais, com o PAN e o Livre a demonstrarem-se focados na emergência climática. No meio de tudo isso, lá foram surgindo as palavras bem-estar e felicidade. Pela boca do PAN, surgiu mesmo o termo Economia da Felicidade (embora sem explicar o que é, e fazendo uma ligação abusiva à questão do Rendimento Básico Incondicional). O Livre falou de um “novo modelo de desenvolvimento”, mas não concretizou. A verdade é que, mais uma vez, não houve um debate profundo do tema do crescimento no quadro em que deve ser tido: em que medida pode o crescimento económico produzir felicidade? Esta é uma pergunta à qual vejo ser dada, sistematicamente, uma resposta leiga: quanto mais rico for o país, mais felizes são as pessoas. Logo, toca a pôr o país a crescer. Acontece que a resposta a esta pergunta não pode mais ficar entregue ao “achismo” dos que ignoram que há milhares de estudos científicos acerca do tema. E a resposta é clara: a relação entre crescimento e felicidade é positiva, mas não linear. Isso porque o rendimento tem utilidade marginal decrescente e porque há muitas outras variáveis, além do consumo de bens e serviços, que são determinantes da nossa felicidade e que são influenciadas (positiva e negativamente) pelos processos de crescimento económico. Logo, nem sempre é bom crescer. O único debate sério que podemos ter a este respeito é aquele que analisa que tipo de crescimento económico queremos ter, muito mais do que quanto crescimento queremos ter. Portugal viveu um dos seus mais gloriosos períodos de crescimento económico durante o Estado Novo. Porque não voltar à ditadura para crescer assim? (note-se que há muitos comentadores económicos que se queixam de como as eleições de quatro em quatro anos invalidam as transformações que eles acham fundamentais para pôr Portugal a crescer). China, Arábia Saudita ou Emirados Árabes Unidos são exemplos de nações que conseguem fortes crescimentos económicos profundamente desrespeitadores dos direitos humanos. Queremos o mesmo cá? O crescimento económico tem sempre que estar subordinado à felicidade, não o contrário. E a forma como nós o obtemos define o que é o instrumento e o que é o fim último. A neo-escravatura pode ser óptima para a produção, para o lucro e para o crescimento económico, mas é destruidora de felicidade e uma violação dos direitos humanos. A verdade é que passamos grande parte das nossas horas de vida a trabalhar, a produzir. E a forma como o fazemos é fundamental para a nossa felicidade. Aumentar a produção através da sobrecarga laboral, competitividade excessiva e precariedade, que é, hoje, tão comum, é uma forma de aumentar produto e consumo, mas de destruir felicidade (a pandemia do burnout já existia antes da Covid). Pensar seriamente sobre este tema obriga a uma quadratura do círculo: precisamos de atrair o investimento, mas precisamos de mais salários, menos horas de trabalho, mais produtividade e melhor distribuição da riqueza e do rendimento. Para isso, precisamos de técnicas de gestão de ponta nas organizações que promovam a autonomia, a participação, a criatividade e o florescimento humano. E de quadros legais que premeiem quem assim se comporta, e punam quem insiste nos produtivismos do séc. XIX e XX. Podemos começa, tudo isto, já. Não temos que ficar à espera dos “amanhãs que cantam” do crescimento económico. Tal qual Amartya Sen nos explica que a democracia tem que ser a base, e vir antes do crescimento económico, o respeito pela felicidade (na vida e no trabalho), tem que ser o ponto de partida. Depois, então, virá o crescimento económico que interessa."
Gabriel Leite Mota, PhD Economia da Felicidade, Prof. Auxiliar de Economia no ISSSP
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