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Wednesday, May 5, 2021

EXTREMISMOS

Um dos temas que mais tem estado em discussão nos últimos tempos tem sido o suposto incremento do extremismo na política, com o ganho de preponderância dos partidos ou líderes que defendem propostas mais distantes dos tradicionais centros políticos. Em particular, tem-se verificado o crescimento, nas democracias, dos partidos de extrema-direita e da direita populista (que também é extremada). Ao mesmo tempo, há quem identifique movimentos simétricos à esquerda, como a extrema-esquerda e a esquerda populista (ex: Podemos em Espanha).

Em Portugal, este fenómeno materializou-se através do surgimento do Chega, mas também através de alguns políticos ou candidatos do PSD (vide Suzana Garcia) e do CDS (a Tendência Esperança em Movimento). Por outro lado, há a acusação de que o PS sucumbiu ao extremismo, ao ter aceitado o PCP e o Bloco de Esquerda como partidos de suporte ao seu governo, aquando da geringonça.

À escala internacional temos Bolsonaro, Marine Le Pen, Erdogan ou Orbán (e tivemos Trump) como exemplos paradigmáticos da força desse extremismo. No Parlamento Europeu, até já há um grupo político que congrega estes extremistas, o grupo “Identidade e Democracia”.

Para muitos analistas, este é um problema, uma malignidade democrática que urge eliminar. Mas vejamos com mais atenção: a classificação de alguém, ou de algum partido, como extremista não pode ser vista, de imediato, como um atestado de aberração ou indigência moral. Na verdade, extremismo é sempre uma medida da distância face ao centro, não um qualificativo de mal. Aliás, se o centro for a barbárie, num extremismo oposto estará a virtude. Se no centro for a violência, no extremo oposto está o pacifismo.

Ao longo da história, são inúmeros os exemplos de extremistas que, hoje, seriam classificados de heróis morais. Desde Galileu a Gandhi, passando pelo Padre António Vieira, Francisco de Assis, Hypátia ou Olympe de Gouges, são inúmeros os exemplos daqueles que tinham ideias extremadas à época e que, hoje, são consideradas as ideias certas.

Não penso, portanto, que a discussão política deva ser feita no maniqueísmo “extremos mal”, “centros bem”. O que tem que ser feito é, cada um, estabelecer os seus padrões morais e encontrar os representantes políticos que mais se enquadrem nesses padrões.

Inevitavelmente, teremos pessoas com diferentes padrões morais. Em democracia, impor-se-á o padrão moral maioritário, o que não quer dizer que seja um bom padrão moral. Por isso, pouco importa o classificativo extremista.

Ao avaliarmos um partido como o Chega é irrelevante o classificativo “extremista”. O que temos que fazer é avaliar as suas propostas concretas e a ideologia subjacente. Se o Chega tivesse uma maioria absoluta, deixaria de ser um partido extremista e passaria a ser um partido do centro, um novo centro é certo, mas centro, porque teria havido uma inflexão moral no povo português.

Quem é contra as propostas anti-humanistas do Chega, pouco importa se o Chega é extremista ou representa o centro, será sempre contra essas propostas. É o conteúdo das políticas que tem que ser discutido, sendo irrelevante o adjectivo extremista (seja de esquerda ou de direita). Curiosamente, até já há aqueles que se querem apelidar de radicais do centro…

Entendamo-nos: em democracia, há lugar para todas as opiniões, estejam elas mais próximas ou mais afastadas do centro circunstancial. E o combate ideológico tem que ser feito no campo das ideias, não no campo dos adjectivos ou dos epítetos.

Alguém que, por exemplo, entenda que o capitalismo actual está a ser nocivo à sociedade e ao planeta, e defenda um outro sistema económico, será classificado de extremista. Acontece que até pode estar cheio de razão. Ou seja, classificar alguém de extremista nada diz sobre a pessoa classificada, mas diz muito sobre quem qualifica: quer rotular e não quer debater os méritos das ideias.

Eu não me importo nada que me chamem extremista na minha defesa do humanismo (que impede a pena de morte, ou qualquer tipo de castração física penal) ou na minha intransigência para com todas as formas de ditadura e de subjugação (pondo a democracia sempre à frente das ditaduras) ou ainda na defesa de um Estado Social “à países nórdicos” que muitos, hoje, consideram um extremismo socialista…

Uma democracia só é forte quando sabemos debater ideias sem insultar ou tentar diminuir os outros. Façamos esse processo de maturação.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 5 de Maio de 2021


Wednesday, April 21, 2021

O FIM DO FUTEBOL?

O debate que se gerou à volta do anúncio da criação de uma Superliga no futebol europeu (que, entretanto, já se percebeu que não vai ter condições para avançar, pelo menos para já), levantou questões interessantes relativamente à natureza do desporto, à sua relação com o mundo empresarial e aos desafios do futuro.

No programa “É ou não é?” da RTP, o director do gabinete de scouting do Shakhtar Donetsk, o português José Boto, fez uma leitura mais abrangente do problema do futebol, em que punha como principal desafio a sustentação da prática infantil e juvenil, e não tanto a criação desta ou de qualquer outra Superliga. Segundo Boto, um dos principais problemas para o futebol foi a paragem dos escalões de formação (por causa da pandemia), sem que se saibam ainda quais os impactos futuros: será esse tempo perdido recuperável, quer para jovens que estavam em formação, quer para novas entradas? Este é um problema que já existia (a produção de talentos), mas que a pandemia veio agravar.

Ao mesmo tempo, Florentino Pérez, numa entrevista à televisão, em que explicava o porquê de ter aderido ao projecto da Superliga, aludia às transformações geracionais e à desmotivação que muitos jovens têm hoje para ver jogos de futebol, nomeadamente para ver um jogo de futebol do princípio ao fim.

De facto, a geração tik-tok tem um tempo de atenção muito curto e está cada vez mais ligada ao mundo virtual. Ora, isso é incompatível com a dedicação ao treino de futebol ou, simplesmente, à assistência, quer ao vivo, quer através da televisão, a jogos completos.

A verdade é que o futebol, por ser muito agarrado às regras originais, tem mantido uma forma de jogo que é pouco espectacular. Se pensarmos bem, não tem cabimento um jogo, cujo objectivo é marcar golos, em que esse evento ocorre apenas uma, duas ou três vezes, em média, por jogo. Mais, no futebol é possível um jogo terminar com o resultado de 0 a 0, mostrando que, durante os 90 minutos, nenhuma das equipas foi capaz de concretizar o objectivo. Não há nenhum outro jogo, individual ou colectivo, onde tal suceda. Mesmo os remates enquadrados com a baliza são poucos durante um jogo típico. Costuma até acontecerem mais remates desenquadrados. Se fizéssemos a comparação com o basquete, um remate desenquadrado seria um “airball”, que é considerado um lance inadmissível num profissional. Já no futebol profissional de mais alto nível, o que mais se vê são remates que nem na baliza acertam. De facto, o futebol é um jogo muito táctico, onde as defesas têm muito maior preponderância do que os ataques, o que tira espectacularidade.

Mas a verdade é que as pessoas gostam do futebol mais pela clubite do que pelo espectáculo. As pessoas querem é que o seu clube ganhe, mesmo se jogar “feio”, mais do que assistirem a um espectáculo de elevada qualidade. O mesmo se diga das competições entre nações, em que as pessoas querem é que o seu país vença, ficando agarradas aos ecrãs a torcer pela vitória, não por um bom espectáculo.

Acontece que, com as mudanças geracionais, há, de facto, o risco de um progressivo afastamento das camadas mais jovens, quer da prática desportiva, quer da visualização dos jogos, o que compromete tanto a qualidade dos futuros futebolistas, como a sobrevivência do negócio (porque sem audiências não há receitas).

O futebol, que é uma actividade centenária, passou por muitas transformações ao longo do tempo, desde o momento em que era um desporto praticado só por amadores, até ao momento em que se profissionalizou e, mais recentemente, sofreu a transformação empresarial.

É verdade que estas transformações, nomeadamente o processo de empresarialização, ainda estão incompletas. E esse ficar no meio da ponte, em que os clubes amadores de formação fornecem as superestrelas para as empresas detentoras dos clubes de maior prestígio, e não recebem a compensação justa por tal, torna o processo iníquo e insustentável. Isso e a mudança geracional são os principais desafios de futebol.

Os mais jovens estão a canalizar a sua atenção muito mais para os videojogos do que para os espectáculos desportivos. Aliás, o mercado fluorescente é o dos e-sports, onde os jovens passam a querer ser atletas de comando na mão e as audiências passam a estar na visualização desses e-sports, que já têm enorme implantação nos países asiáticos.

Acredito, portanto, que o futebol tem que fazer uma reflexão profunda se quiser sobreviver: por um lado, não pode tornar-se uma mera actividade empresarial, descurando todo o histórico dos cubes, a sua paixão e implantação de origem regional, ou a natureza amadora do futebol de formação. Por outro, tem que se tornar mais espectacular (com eventuais mudanças nas regras do jogo) e mais competitivo (não pode suceder, com sucede, que os ganhadores da Liga dos Campeões e das Ligas Nacionais sejam sempre os mesmos).

Assim, este anúncio gorado da Superliga deve ser visto com precaução e como uma oportunidade de transformação. Caso contrário, o futebol corre o risco de desaparecer.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 21 de Abril de 2021

Wednesday, April 7, 2021

EM NOME DE CRISTO, DO COMUNISMO E DA CIVILIZAÇÃO

Nota prévia: debater ideologia só faz sentido usando a racionalidade e a lógica. Infelizmente, o que mais se vê são discursos fanáticos a propósito de política. Acredito que, no espaço público, temos a obrigação de desconstruir as argumentações falaciosas e inflamadas. Como defensor da social-democracia, escrevo este texto sem nenhum viés “clubístico”.

Recentemente foi tema de debate uma intervenção da deputada municipal de Lisboa do PPM, Aline Beuvink, em 2019, acerca das fomes que aconteceram na Ucrânia entre 1932 e 1933 do século passado. Nessa intervenção, que veio a terreiro no programa “O tabu” de Francisco Louçã, no seu “momento zen”, a deputada diz que, durante essas fomes, houve canibalismo, e que crianças teriam desaparecido por terem sido comidas pelas próprias famílias. Seria, até, por causa disso que teria nascido o mito de que os comunistas comiam criancinhas.

Por ter entendido que Francisco Louçã gozou com o Holodomor e menosprezou as atrocidades cometidas pelos regimes comunistas, a tribo lusa direitista caiu em cima dele.

É já antiga a disputa histórica sobre quem matou mais: o capitalismo, o comunismo, o nazismo, o colonialismo, o cristianismo ou o islamismo, numa patética “comparação de pilinhas” da mortandade. Há uns anos, até se publicaram os “Livros Negros”, um atrás do outro, do comunismo e do capitalismo, cada um reivindicando o respectivo regime como o mais nefasto da história.

Essas investigações, se forem feitas com rigor histórico, são muito úteis para percebermos as consequências negativas de qualquer construção social ou económica. Mas perdem todo o interesse se forem utilizadas apenas como armas de arremesso contra uma determinada ideologia. Logo à cabeça, porque fica muito difícil fazer-se uma avaliação de causa e efeito entre um determinado sistema económico e social complexo (como comunismo ou capitalismo) e as mortes ocorridas durante a vigência desses sistemas. E, também, porque há o risco de cegueira intelectual, tomando-se as mortes do outro sistema como uma verdade insofismável, e rejeitando qualquer morte como sendo causa directa do sistema que defendemos.

Infelizmente, foi muito isso que vimos nos textos de opinião da direita publicados a propósito desse “momento zen”, acusando Louçã de ser um branqueador do comunismo ou um negacionista do Holodomor. Acontece que Louçã não fez nenhuma negação do Holodomor, apenas criticou as pessoas que acreditam que os comunistas comem criancinhas ou justificam essa mitologia. É que usar este episódio histórico como prova insofismável de que o comunismo é diabólico, é o horror, é de uma indigência intelectual insuportável. Até o silogismo: Premissa 1. Houve uma fome na Ucrânia onde os ucranianos comeram crianças por desespero; Premissa 2. Estaline foi o responsável; Conclusão: “por isso se diz que os comunistas comem crianças ao pequeno-almoço”, falha todas as regras da lógica. Aliás, a respeito da história do comunismo, o que mais se vê é uma confusão entre o discutir a ideologia e a análise das suas tentativas de implementação.

Já aqui escrevi que o comunismo ainda não existiu. Apenas existiram sistemas político-económicos que, usando a palavra comunismo, criaram realidades, muitas vezes, opostas ao ideal comunista. Aquilo que falhou nos ditos países comunistas não foi a aplicação do comunismo. O que falhou foram os sistemas de planificação central da economia (que tendem a funcionar muito mal), assim como os regimes políticos de partido único, autoritários, que esmagaram muitas liberdades individuais.

Mais, o comunismo nem sequer precisa de ser marxista: a ideia comunista é mais antiga do que Marx (vejam-se os socialismos utópicos). Também aqui já falei de Agostinho da Silva e de como ele invoca os religiosos portugueses do século XIII que anteviam um tempo da gratuidade da vida em que, usando uma linguagem comunista, “cada um faz o que pode e recebe o que precisa”.

É, assim, imbecil achar-se que o comunismo leva, inevitavelmente, a fomes, a canibalismo, a polícias políticas, a ditaduras ou quejandas barbáries. Aliás, é muito interessante verificar como alguns países da Europa de Leste, que hoje são capitalistas, mantêm uma estrutura política pouco democrática, demonstrando que essas nações parecem, culturalmente, gostar do autoritarismo (quando eram monarquias, repúblicas socialistas, ou agora, que são capitalistas), sendo a Rússia o paradigma máximo.

Para se ter uma conversa séria acerca destes temas é fundamental fazer uma distinção clara entre o que é um programa ideológico e o que são os aproveitamentos práticos dessas ideologias. A história das ideias está cheia de distorções daquilo que alguém, ou alguns, idealizaram e o que outros executaram.

O cristianismo como ideário exposto no Novo Testamento (que é muito mais antigo do que o capitalismo ou o comunismo), é uma pregação da bondade, do perdão, da fraternidade e da igualdade. Na prática, são milhões os mortos em nome de Deus, em nome de Cristo. Que culpa tem Cristo de seguidores que usaram as suas palavras para perpetrar o mal? Cristo nunca disse para queimar mulheres em fogueiras, nunca disse para violar crianças, nunca disse para se começarem guerras sangrentas (ditas santas), nem para criar uma Inquisição.

Mas alguns, ditos seguidores de Cristo (e até líderes de igrejas cristãs), especializaram-se nessas bestialidades. A culpa não é do Novo Testamento, nem do ideário cristão. A culpa é das aplicações abusivas, contranatura, desses ideais.

Com o comunismo passa-se, exactamente, o mesmo. Um ideal de busca da comunhão e da libertação da exploração dos seres humanos, uns sobre os outros, que foi transformado, na prática, em ditaduras militares absolutistas que cometeram todo o tipo de violências.

O comunismo, enquanto ideal, não tem culpa nenhuma disso, nem há nada no comunismo que obrigue a que a prática seja como foi. E as experiências que existiram não chegam como invalidação da teoria: primeiro, porque desrespeitaram a teoria; segundo, porque nem sequer foram assim tantas experiências, durante tanto tempo. O cristianismo, por exemplo, leva 2000 anos de experiências e ainda se continuam a cometer muitas atrocidades em seu nome e ainda não se conseguiu criar a “fraternidade entre humanos” prometida.

Igual raciocínio se pode fazer relativamente à Civilização. As concepções europeias de progresso foram espalhadas pelo mundo à lei da espada e da bala. Sob pretexto da civilização, dizimaram-se povos e culturas, escravizaram-se pessoas, destruíram-se patrimónios históricos e deu-se origem a inúmeras guerras.

Mais uma vez, a ideia de progresso e de civilização é boa. Nomeadamente, os ideais iluministas, utilitaristas e humanistas que emanaram da Europa têm mérito para serem globalizados. Só que não podem ser espalhados à força. E se, no passado, era a Europa, na sua vertente imperial e colonialista, que se encarregava de “espalhar o progresso”, o século XX marcou a transição desse poder para os Estados Unidos da América, que se intrometem em todo o lado, supostamente na defesa da liberdade e da democracia. Quantos têm morrido em nome disso?

Não podemos desacreditar as ideias por más concretizações. No caso do comunismo, uma crítica legítima é a que se faz à centralização estatal da economia. Mas, mesmo aí, é preciso ser cuidadoso. É que se a planificação central do século XX não resultou, foi por questões de gestão de informação, nomeadamente pela vertente tácita, contextual e subjectiva das preferências individuais, que tornam essa centralização pouco fiável. Mas nada impede que futuros sistemas de planificação central, baseados em inteligência artificial, não venham a ser mais eficazes do que os actuais sistemas de mercado (como também já aqui aludi).

Acima de tudo, tem que ficar claro que, para se discutirem ideias, não podemos recorrer a caricaturas. E justificar que se diga que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço porque houve uma fome nos anos 1930 na Ucrânia, na qual Estaline tem responsabilidades, é uma falácia argumentativa indefensável.

Quem quiser ser sério numa discussão sobre estes temas tem que se ater às ideias, não às suas concretizações deturpadas. Uma pessoa pode, do ponto de vista ideológico, ser cristã, comunista e defensora da civilização ocidental e, ao mesmo tempo, tecer as mais duras críticas às igrejas cristãs, aos partidos e governos comunistas ou aos males que a imposição da civilização tem causado. Uma coisa não contraria a outra, bem pelo contrário. Se estivermos atentos e formos críticos quanto às más utilizações das ideias, mais seremos capazes de nos bater por transformações que façam uma aplicação justa e fiel dos ideais.

Um bom cristão será o primeiro a condenar a pedofilia no sacerdócio ou os negócios escuros na Santa Sé, assim como um bom comunista terá que ser o primeiro a denunciar o regime norte-coreano como um despotismo absolutista anticomunista, ou, ainda, um bom ocidental capitalista deverá insurgir-se contra a ingerência militar em países pobres (para controlar activos estratégicos) sob a capa da defesa da liberdade dos povos invadidos.

O lema deve ser: não invoques o nome de Cristo, do Comunismo ou da Civilização em vão.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 7 de Abril de 2021

Thursday, March 25, 2021

O COMUNISMO AGOSTINIANO DO ESPÍRITO SANTO

Um dos grandes pensadores portugueses do século XX foi Agostinho da Silva.

Nos anos 90 desse século, regressado a Portugal depois de longa estadia no Brasil, onde teve grande impacto académico e público, Agostinho da Silva surpreendeu os portugueses com a sua filosofia na ponta da língua, particularmente durante uma série de entrevistas que deu para a RTP com o título de “Conversas vadias”, em que diferentes entrevistadores iam tentar decifrar e explorar o pensamento do filósofo. Estas entrevistas (disponíveis para visualização na internet) são um testemunho brilhante do seu pensamento, ao mesmo tempo profundo e provocador.

À época, muitos criticavam-no por entenderem que ele se contradizia, por ter o hábito de não ser absolutamente definitivo ou categórico nas suas respostas e, muitas vezes, responder com perguntas às perguntas (aí, o que Agostinho da Silva estava a fazer era, tão-só, querer ser preciso e clarificar o que realmente estava a ser perguntado). Na prática, notou-se nestas entrevistas, muitas vezes, uma décalage de profundidade filosófica entre os perguntadores e o respondente, e a perplexidade dos entrevistadores tinha muito a ver com isso.

Muitas pessoas, por preguiça mental, gostam de encaixotar a realidade de uma forma simples, compartimentada. Aquilo que Agostinho da Silva fazia era desafiar esse encaixotamento, romper as regras estabelecidas e pensar mais além. As pessoas queriam catalogá-lo, ora de religioso, ora de agnóstico/ateu e Agostinho da Silva desconstruía este dualismo, falando do misticismo como algo a que, na verdade, não devíamos dar nome nenhum. Depois, uns queriam que ele se pronunciasse a favor da monarquia ou da república e, mais uma vez, as respostas desconcertavam, ao falar dos méritos da história de Portugal (monárquica), mas também exibindo pensamentos de pendor anarquista.

Uma das temáticas que mais confundia tantos os entrevistadores como os espectadores tinha a ver com o papel das escolas e das crianças.

Agostinho da Silva, um académico de profissão, defendia que as escolas deviam ser um espaço de liberdade, um espaço de criação e de encontro do ser humano com a sua própria natureza, não uma espécie de fábrica da produção de saberes. Já nessa altura, Agostinho da Silva defendia uma escola onde os alunos decidissem o que queriam aprender, e falava da escola contemporânea como uma instituição militar ao serviço da produção e da luta económica.

Por outro lado, Agostinho da Silva antevia para Portugal, e para a cultura portuguesa, um papel decisivo no futuro: o de ensinar os outros como brincar. Aliás, dizia que achava fantástico que povos como os japoneses, os americanos ou os alemães tivessem tanto foco no trabalho, quisessem tanto trabalhar. É que Agostinho da Silva previa que chegaria o tempo da gratuidade da vida, em que as máquinas já produziriam tudo o que o ser humano precisava para viver, tornando-o livre para ser o poema que estava destinado a ser.

Este tipo de linguagem, ora filosófica, ora poética, desconcertava muito os ouvintes, que não conseguiam encaixotá-lo nas tais ideias pré-concebidas: esquerda/direita, monarquia/república, conservadorismo/progressismo ou, até, estoicismo/hedonismo.

A verdade é que Agostinho da Silva dizia que ainda não tinha chegado o tempo de se conseguir essa liberdade total, mas que esse tinha que ser o caminho, e que esse seria o caminho. Invocava, inclusivamente, o pensamento de certos religiosos portugueses e italianos do século XIII que, nessa altura, escreveram sobre a “idade do Espírito Santo”.

Nas palavras do próprio: “… primeiro que as crianças crescessem tão livremente que sua imaginação, sua espontaneidade, sua capacidade de sonhar nunca se extinguisse e, um dia, fossem capazes de dirigir o mundo; segundo lugar, que a vida ficasse a ser gratuita para toda a gente. Estamos caminhando para isso, para essa capacidade de tornar a vida gratuita para toda a gente. Como consequência disso, diziam os portugueses, porque a criança cresce livremente, ninguém a impede de ser naturalmente o quê é e, por outro lado, a vida não lança sobre nós todas as durezas de combate que costuma lançar no quotidiano, então, aí, o crime desaparecerá do mundo. Acho que caminhamos para aí, podemos caminhar para isso. Não é alguma coisa utópica, senão no sentido de que ainda não existe actualmente.”

Provocatoriamente, dizia, depois, que ser progressista, hoje, era ser um conservador do século XIII, pois que, nessa altura, já esses religiosos aventavam que o bom futuro seria esse tempo pueril de liberdade. Muitos encarniçavam-se com estas ideias e diziam que esse tempo jamais ocorreria, que era impossível a gratuidade da vida, que era impossível uma escola em que se vai aprender o que se quer (e não o que se tem que aprender).

A verdade é que há cada vez mais condições para se pôr em prática esta espécie de “comunismo Agostiniano do Espírito Santo”, esta sociedade onde cada um nasce para ser o seu próprio poema, essa sociedade em que cada vez que morre um ser humano se diz “morreu um poema”.

Quando, hoje, se fala da substituição do trabalho humano pelas máquinas e pelas inteligências artificiais, se antevê um mundo onde seja cada vez mais difícil ter trabalho e da consequente necessidade de Rendimentos Básicos Incondicionais, estamos a falar exactamente do mesmo que Agostinho da Silva prognosticava: esse tempo onde as pessoas já nasciam reformadas e tinham que aprender a ocupar esse seu tempo com o lúdico.

É óbvio que tal transição nunca se fará da noite para o dia, mas está cada vez mais claro que caminhamos nessa direcção.

Agostinho da Silva fazia, até, referência à Ilha dos Amores de Camões como sendo uma metáfora para esse tempo, e não esquecia que, enquanto essa substituição do ser humano pela máquina não ocorresse, o ser humano estava condenado a ter que trabalhar, a ter que produzir e a ter que ser educado nesse sentido. Mas não confundia uma etapa com a meta. E sabia, perfeitamente, que a meta era a Ilha dos Amores, a meta era cada um ser o poema que nasceu para ser.

Hoje, na política, no tempo em que se fala da crise das ideologias, na ascensão dos populismos e na falta de motivos de esperança, este caminho Agostiniano devia ser um claro guia da acção – caminharmos para uma sociedade gratuita e livre.

Nas palavras do próprio: “é preciso, para que essa Ilha dos Amores possa existir, que o homem possa entender que o capitalismo existe, não para ficar continuamente, tendo mais lucro, e descontando mais juros, e pagando mais dívidas ou pedido mais dinheiro emprestado, mas para terminar num ponto em que a economia desapareça completamente, em que haja tudo para todos. Primeiro ponto. Segundo ponto, que, aí, o homem possa passar à sua verdadeira vida, que é a de contemplar o mundo, ser poeta do mundo e o mundo poeta para ele, de tal maneira que nunca mais ninguém se preocupe por fazer tal ou tal obra, mas por ser tal ou tal objecto no mundo: a identidade dele, a única, o ser único que existe no mundo entre os tais biliões de seres que pelo mundo existem”.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 25 de Março de 2021

Thursday, March 11, 2021

A INEFICIÊNCIA ECONÓMICA DO LUCRO NA SAÚDE

A economia mainstream explica que quando os mercados não são perfeitamente concorrenciais os consumidores perdem bem-estar, a economia perde eficiência e as empresas obtêm lucros extraordinários, também chamados de rendas económicas.

Segundo as teses da economia mainstream, o óptimo social só se dá quando os mercados são perfeitamente competitivos, existe informação perfeita, os produtos são homogéneos, os bens são privados e não existem externalidades. Enfim, o óptimo social só se atingiria num mundo impossível. Ainda assim, esse mundo ficcional é utilizado como benchmark para comparação com a realidade: quanto mais nos afastarmos dessas condições ideais, pior fica a situação para os consumidores e para a sociedade.

Seja qual for o sector da economia real em que pensarmos, vamos descobrir que estamos sempre longe dessas situações ideais. Isso significa que os mercados, que a economia de mercado, é sempre, em parte, ineficiente e não produz o bem-estar desejável para os consumidores.

Mas se esse afastamento pode ser pequeno, quando lidamos com mercados bastante concorrenciais, como, por exemplo, o mercado dos restaurantes ou das padarias e confeitarias, em que há muita concorrência, em que os consumidores sabem bem o que estão a consumir (e se gostam ou não), em que não existem barreiras à entrada ou à saída das empresas no mercado, em que os bens não têm especiais efeitos externos e são de natureza privada (são para o consumo de quem os adquire), há outros sectores onde estamos muito distantes dessa realidade, desse ponto ideal.

O caso dos cuidados de saúde é paradigmático. A saúde tem dimensões de bem público, apresenta muitas externalidades, a informação é assimétrica, existem fortes barreiras à entrada e economias de escala que potenciam a concentração do mercado. Isto significa, na prática, que entregar ao mercado a produção e distribuição dos serviços de saúde vai gerar altíssimas ineficiências económicas, atirando os utentes de saúde para uma situação de baixo bem-estar, com serviços de pouca qualidade relativa face ao preço. Por outro lado, os produtores de saúde gozarão de altas rendas económicas, lucros extraordinários, que só são obtidos pela perda nos excedentes dos consumidores.

Os EUA são a prova empírica deste resultado teórico. Nos EUA há um gasto em saúde exorbitante: gastavam 16,89% do seu PIB em saúde (em 2018), obtendo resultados medíocres. Por exemplo, a esperança média de vida nos EUA (78,9 anos em 2019) é mais baixa do que em Portugal (82 anos em 2019), e muito mais baixa do que nos países com melhores índices de saúde (como o Japão, com 84,6 anos em 2019), países esses que gastam significativamente menos que o EUA (Portugal 9,41% do PIB, Japão 10,95%, ambos em 2018).

Ou seja, os EUA são o país mais ineficiente do mundo na produção de saúde para a população. Isso, porque entregou aos privados e aos mercados a produção e distribuição dos serviços de saúde. Inclusivamente, juntou a questão dos seguros que, mais uma vez, é um mercado que se depara com muitas ineficiências, desta vez a propósito das altas assimetrias de informação, que fazem com que nem toda a gente consiga ter um seguro, e as pessoas que conseguem têm que pagar muito para ter as coberturas que o seguro dá. Ao mesmo tempo, a falta de centralização de informação, de cooperação e coordenação entre hospitais faz com que, no global, os serviços prestados sejam altamente ineficientes. Há vasta literatura científica na economia da saúde que demonstra como o mercado funciona mal neste sector.

Em Portugal também se percebe esta ineficiência quando constatamos que, praticamente, não há concorrência entre os prestadores privados de saúde (temos dois ou três grupos que detêm quase todos hospitais privados, o mesmo no que diz respeito aos laboratórios de análises e exames). Assim, a abrangência e a relação qualidade/preço dos serviços fica posta em causa.

Sejamos claros: um mercado bem funcionante, em concorrência perfeita, funciona melhor que qualquer alternativa na produção de bens e serviços. Mas a análise concreta não pode ser feita usando esse mercado ficcional, antes, temos que ter em conta a realidade sectorial e, em particular, as características dos bens e serviços que queremos produzir.

O caso da saúde está cheio de características que tornam a provisão através dos mercados altamente ineficiente. As decisões que um toma para a sua saúde têm impacto sobre terceiros (veja-se o caso da pandemia e a decisão de tomar ou não tomar uma vacina, ou de se proteger ou não se proteger). Isso chama-se de externalidade, algo que o mercado ignora. Também por isso, há uma dimensão de bem público, uma dimensão que diz respeito a todos e não só ao indivíduo que toma a decisão no mercado. Assim, o mercado erra.

Depois, há uma elevadíssima assimetria de informação, porque nós não sabemos o que é melhor para nós em termos de saúde, são os médicos que sabem. Também nos seguros, como as empresas de seguros não sabem o nosso verdadeiro estado de saúde, protegem-se dessa assimetria criando um sem-número de exclusões e limitações, que tornam o próprio seguro ineficaz na protecção sustentada da saúde das pessoas.

Não se trata aqui de nenhuma questão ideológica. Trata-se de uma constatação de facto: os serviços de saúde só funcionam bem se tiverem mecanismos de coordenação central, de forma a que seja possível cobrir toda a população, durante todo o seu tempo de vida e independentemente de estarem a trabalhar, no desemprego, na reforma ou a estudar. Independentemente de serem saudáveis ou de serem doentes crónicos.

Os serviços de saúde só funcionam bem se as pessoas não tiverem medo do custo do serviço para acorrerem ao dito. A saúde não é como um iogurte que compramos no supermercado. É um elemento central da nossa vida, da nossa dignidade humana.

Obviamente que a produção centralizada, seja directamente através no Estado, seja através de serviços privados contratualizados com o Estado, vai ter sempre dificuldades e falhas. Mas não se pode argumentar que a privatização da saúde é que é boa, é que faria com que tivéssemos um muito melhor sistema de saúde.

Se queremos melhorar algumas das lacunas do nosso Serviço Nacional de Saúde devemos, sim, apostar numa gestão de maior qualidade. Essa gestão deve ter em conta indicadores de produtividade, evolução das listas de espera, qualidade dos serviços prestados, satisfação dos utentes, e deve contratar e premiar os recursos humanos em função das suas capacidades efectivas, não de jogos políticos internos ou corporativos.

Na prática, nenhum sistema é perfeito. Mas, no caso da saúde, a privatização é um erro perigoso.

Portugal tem um bom Serviço Nacional de Saúde que importa preservar e melhorar. A participação dos privados pode ser bem-vinda, desde que cumpram as regras exigidas pelo sistema, exigidas pelo organismo central, e não se apropriem dos lucros extraordinários que o mercado permite.

Quanto às falhas que o Estado vai tendo na produção dos serviços de saúde, têm que ser combatidas através de melhor gestão e incentivos mais apropriados. O segredo está na boa gestão, não na privatização dos serviços que existem.

Nota final para as farmacêuticas: as dificuldades que o mundo está a ter em conseguir vacinar atempadamente toda a população mundial contra a Covid-19 (nomeadamente nos países pobres) é também uma decorrência da ineficiência na produção e distribuição privada de medicamentos, neste caso de vacinas protegidas por patentes, que permitem a obtenção de lucros extraordinários por parte das farmacêuticas.

Gabriel Leite Mota, publicado a 11 de Março de 2021


Thursday, February 25, 2021

O PÂNTANO DA PROSTITUIÇÃO

Diz-se que a prostituição é a profissão mais antiga do mundo. Embora não seja um facto histórico, é verdade que é muito antiga esta prática de uns venderem o seu corpo para que outros, através dele, se satisfaçam sexualmente.

Essa prática foi tendo expressões diferentes ao longo do tempo, em função das sociedades, das culturas e das leis. Hoje, é um dos mais lucrativos negócios do mundo: a exploração de seres humanos para fins sexuais é uma indústria ilícita, mas multimilionária.

Em Portugal, a prostituição não é crime, ou seja, não é criminalizado quem vender o seu corpo para actos sexuais, mas é crime o lenocínio, isto é, o aproveitamento da venda do corpo de terceiros para esses mesmos fins. Também assim, não é crime ser-se comprador de serviços de prostituição.

O enquadramento legal da prostituição tem sido tema de debate, havendo quem venha, agora, defender a descriminalização do negócio da prostituição de maiores, argumentando que tal legalização permitiria um funcionamento mais normal deste mercado, uma melhoria das condições profissionais dos prostituídos e, até, um enquadramento laboral, fiscal e de segurança social.

Argumentam também que, no passado, chegaram a existir casas dedicadas à prostituição, muitas vezes exploradas por mulheres que tinham sob seu comando outras que se prostituíam, aquilo que hoje se considera o crime de lenocínio.

A verdade é que este é um assunto pantanoso. Pantanoso na medida em que não é claro qual o enquadramento legal que produz melhores resultados, entendendo-se por melhores resultados o fomento de uma situação respeitadora dos direitos humanos e protectora das pessoas na prostituição.

À cabeça, cumpre salientar que a prostituição é, na esmagadora maioria dos casos, um acto de sujeição, e não de livre escolha individual. Há uma minoria de pessoas que, em liberdade, escolhe o caminho da prostituição. Mas a maioria fá-lo por extrema necessidade e ausência de alternativas. Na verdade, a prostituição é uma profissão da pobreza, da privação e da sujeição.

Não por acaso é muito mais uma profissão de mulheres do que de homens, é mal paga e é muito arriscada, quer em termos de saúde (doenças sexualmente transmissíveis), quer em termos de violência (roubos, violações, espancamentos).

Não é coincidência que nos países mais ricos a prostituição seja toda feita por imigrantes de países pobres. Basicamente, não há prostitutos/as suecos/as ou noruegueses/as. Ao contrário, a imensa maioria das pessoas prostituídas tem origem africana, latino-americana, de países do leste da Europa ou das zonas mais pobres da Ásia.

Mais, a prostituição sempre esteve, e continua a estar, organizada segundo uma lógica de domínio, tantas vezes de estrutura esclavagista, com seres humanos a serem traficados e entregues a criminosos que lucram com a exploração do corpo dessas pessoas.

Obviamente que não há liberdade para essas pessoas. Mas também não há liberdade para um viciado em droga que acaba por ter que recorrer à venda do seu corpo para suportar os custos da sua adição. E também não há liberdade naquelas pessoas que tiveram infâncias miseráveis, tantas vezes abusadas sexualmente, e que acabam por se enredar nas teias da prostituição.

Como pode alguém achar que a entrada na prostituição é o feliz resultado de uma escolha livre, que outras opções estavam disponíveis e podiam ter sido escolhidas? Fossem dadas oportunidades e suporte na infância dessas pessoas e nunca elas escolheriam a prostituição como rumo de vida.

Legalizar o lenocínio, sem se perceber este problema estrutural, e sem se debelarem as causas que alimentam a oferta de pessoas para a prostituição, não me parece uma boa solução. Seria dar uma cobertura legal a uma realidade intrincadamente ilegal e desrespeitadora dos direitos humanos.

Nada me choca em alguém receber dinheiro em troca de serviços sexuais (alguns até o fazem no contexto do casamento, quando só se casam por dinheiro). Mas só num contexto de liberdade e de verdadeiras opções. No caso da prostituição, só uma ínfima minoria o faz em liberdade. Todas as outras, fazem-no porque são vítimas de redes tráfico de seres humanos ou porque são vítimas da sua pobreza. Passar a enquadrar a prostituição numa realidade empresarial não resolve esses problemas, e apenas beneficia quem vive da sua exploração.

Aquilo que deve ser feito é dar todo o apoio às pessoas que são vítimas da prostituição. Penso até que se devia criminalizar quem recorre à prostituição não tendo garantias de que a pessoa que se está a prostituir o esteja a fazer por contra própria e de livre vontade.

Não me parece admissível que uma empresa tenha como objecto económico a exploração sexual de pessoas pobres. A exploração sexual é atentatória dos direitos humanos e, nesse sentido, nunca pode ser legalmente mercantilizada.

Aceito uma prostituição levada a cabo por pessoas a trabalharem por conta própria e que não estejam em nenhuma condição de privação humana.

Não aceito que se legalize a exploração do corpo alheio, sob a capa duma suposta maior protecção a essas pessoas. Aquilo que tem que ser feito é um combate profundo a quem trafica os seres humanos e à pobreza que fornece os corpos para este mercado.

A prostituição é uma profissão da pobreza. Se acabarmos com a pobreza, acabamos com a prostituição. O que restaria, seriam trocas livres entre adultos, que nunca criariam o negócio milionário hoje existe. E não é por legalizarmos o lenocínio que vamos conseguir acabar com a pobreza, nem ajudar as pessoas prostituídas.

Isto não é uma questão de pudor ou de moralidade sexual. É mesmo uma questão de direitos humanos.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 25 de Fevereiro de 2021


Thursday, February 11, 2021

UM IMPOSTO PARA A MENTIRA E SENSACIONALISMO

Uma ideia muito bem estabelecida na ciência económica diz respeito à importância da intervenção estatal quando nos deparamos com problemas de externalidades.

As externalidades dizem respeito aos efeitos que ocorrem na sociedade, ou em terceiros, e que não estão reflectidos nos preços nem nas decisões individuais de mercado. Nessas situações, as quantidades produzidas e transaccionados no mercado não representam bem os efeitos sociais, nem a satisfação das pessoas.
A difusão de mentiras e a abordagem sensacionalista aos conteúdos é um caso típico de externalidades. Isto é, quer os órgãos de comunicação social tradicional, quer as redes sociais, têm como modelo de negócio captar a atenção das pessoas para os seus conteúdos, nomeadamente para a publicidade que projectam.
A partir daí, com a utilização de conhecimentos da psicologia, do marketing e através de processos de tentativa e erro, estas empresas privadas vão adaptando os seus conteúdos e os seus modelos de negócio de forma a maximizar a atenção das pessoas. Quanto mais utilizadores “agarrados” tiverem, mais são as suas possibilidades de gerar receita.

Ora, acontece que os seres humanos são muito susceptíveis à novidade e ao extraordinário. Mais, são mais sensíveis às surpresas negativas do que às surpresas positivas.

Juntando tudo isto, é natural que os conteúdos disponibilizados nestas plataformas assumam uma natureza sensacionalista e/ou mentirosa. O sensacionalismo existe ao se dar atenção desmesurada ao excepcional, ao mal, à desgraça, à violência, ao medo, ao acidente, à morte. A mentira surge porque se quer enganar as pessoas, por causa de agendas próprias, ou porque as ideias passam melhor distorcendo a realidade, nomeadamente simplificando-a.

Estas empresas, na busca do seu lucro, calibram cada vez mais os seus conteúdos para essas dimensões. Os órgãos de comunicação social, avaliando as suas audiências. As redes sociais, ajustando os seus algoritmos de forma a viciar as pessoas no seu produto.

O problema surge quando se percebe que esta interacção livre de mercado – as pessoas não são obrigadas a ver certos programas, nem a estar nas redes sociais – acaba por ter efeitos perniciosos a nível colectivo, nomeadamente criando percepções distorcidas da realidade (que geram ansiedade, inveja, raiva, medo ou depressão) e incentivando comportamentos nocivos (violência e incivilidades).

Ao nível do sensacionalismo, temos as pessoas que vêem os programas sensacionalistas a passarem a acreditar, por exemplo, que Portugal é um país extremamente violento, cheio de pedófilos ou com graus inimagináveis de corrupção, quando os dados mostram o contrário: Portugal é um dos cinco países mais seguros do mundo, tem menos pedofilia que muitos outros e tem uma corrupção menor do que a percepção que as pessoas têm.

Ao nível das redes sociais, temos a propagação de informações falsas, com factos inventados ou manipulados, que tem consequências perigosas, tanto ao nível das percepções, como dos comportamentos, com pessoas a mudarem o seu sentido de voto ou a terem determinadas atitudes sociais, como não usar máscara durante uma pandemia, porque leram nas redes sociais que as máscaras não funcionam.

O fenómeno Trump pode até ser estudado como uma experiência natural dos efeitos perniciosos da circulação de mentiras nas redes sociais e do sensacionalismo televisivo (onde ele nasceu): a eleição de um presidente inepto na democracia mais rica do mundo.

Como vivemos numa economia de mercado, não podemos ficar à espera que as empresas tenham outro comportamento que não a busca incessante do lucro. E, como as regulamentações proibicionistas costumam ser mal acatadas pelas populações e acusadas de serem censura, acredito que se deve combater este fenómeno com outras ferramentas.

Assim, e seguindo a lógica standard da economia para correcção de externalidades, aquilo que deve suceder é a imposição de incentivos negativos à divulgação das mentiras e à utilização do sensacionalismo.

Em particular, sugiro a criação de impostos para esses conteúdos.

Com isso, as empresas que gerem as plataformas de difusão terão a liberdade de escolher o que fazem: deixar circular mentiras e/ou adoptarem uma abordagem sensacionalista, mas ficarem sujeitas a altos impostos, ou fazerem uma regulação daquilo que deixam passar, livrando-se, assim, dessas cargas tributárias.

Os algoritmos, no caso das redes sociais, e os directores, no caso dos órgãos de comunicação social, conseguiriam muito facilmente fazer esse filtro.

Seja no futebol, na política, no crime ou na sociedade, o enquadramento tablóide deveria pagar imposto. Nas redes sociais, as teorias da conspiração e todas as outras mentiras que pululam, deviam ser castigadas monetariamente.

As pressões públicas que têm sido feitas sobre as empresas das redes, para controlarem alguns destes problemas, começam a dar frutos – veja-se a recente decisão do Facebook de banir do Facebook e Instagram as mentiras acerca das vacinas contra a Covid-19, e outras relacionadas com a pandemia, assim como de encerrar os grupos que propagandeiam esses mentiras.

Também o jornalismo de investigação – como a exposição que Miguel Carvalho fez das ligações dos “médicos pela verdade” ao Chega – ou de fact-checking (como o “Polígrafo”), ajudam no combate a esta poluição informativa e à eliminação de algumas teias da mentira. Mas não é suficiente. Já para não falar da inépcia das entidades reguladoras, que não têm sido capazes de
controlar este problema.

Acreditem, só no dia em que se começar a ir aos lucros destas empresas é que elas tomarão atitudes definitivas, e serão as primeiras a acabar com a selvajaria e com o lixo comunicacional.

Gabriel Leite Mota, publicado a 11 de Fevereiro de 2021




Thursday, January 28, 2021

COMPETÊNCIA

Se queremos políticos de excelência, então, temos todos que começar por ser de excelência. Na verdade, os portugueses têm, apenas, direito à competência que são. E, hoje, temos os políticos que merecemos.

Sempre que há um acto eleitoral, surge o discurso da incompetência dos políticos. Muitos usam os números da abstenção como ilustrativo dessa mesma incompetência e do descontentamento que, supostamente, esses abstencionistas expressam dessa forma.

Agora, que temos um partido que se arroga anti-sistema, assim como o seu líder, temos tido muitas análises que dizem que os votos aí colocados são votos de protesto. Protesto contra a incompetência e a corrupção dos políticos.

Mesmo fora dos períodos eleitorais, os portugueses gostam muito de dizer mal dos políticos e de os culparem pelo atraso do país em termos económicos, culturais ou educacionais.

Segundo essa tese, o povo português é um povo competente (até porque se “safa” bem quando emigra) que está esmagado e oprimido por uma classe política muito incompetente que castra os seus sonhos, as suas ambições e as possibilidades de concretização dessas mesmas competências.

Acontece que essa narrativa é mentirosa.

Aliás, é uma narrativa típica de um povo pouco exigente consigo próprio e incapaz de assumir as suas responsabilidades.

A verdade é que o povo português é tão, ou menos, competente que os seus políticos.

Uma análise objectiva da realidade mostra-nos o quão precária é a competência do português médio.

O português médio é pouco qualificado, é pouco letrado, tem poucas competências matemáticas e tem pouca literacia. O português médio vive mais do “desenrasque” do que com planificação.

O empresário típico português tem uma microempresa que não dá lucro ou, se dá lucro, é pouco, e não o declara para fugir aos impostos.

O português médio é machista, descrente na competência profissional das mulheres.

O português médio acredita pouco nas qualificações académicas alheias e nos jovens.

O português médio é pouco cívico, deixa os cocós dos cães no passeio, atira as beatas para o chão ou para a areia nas praias, despeja os cinzeiros do automóvel na estrada e até é capaz de atirar objectos pela janela do carro em movimento.

O português típico não puxa o autoclismo quando usa um quarto de banho público.

O português típico maltrata os bens públicos porque “o que é de todos não é de ninguém”.

O português típico nunca tem culpa de nada quando algo corre mal. A culpa é sempre dos outros, ou do Estado, ou dos políticos, ou dos patrões, ou dos funcionários, ou dos colegas, ou do outro em abstracto. É que, para o português típico, ele é competente, ele é cumpridor. Os outros portugueses é que são muito incompetentes e muito irresponsáveis.

Um profissional típico português tem competências e qualificações abaixo das médias europeias. E o mesmo se diga dos nossos gestores. Aliás, essa é uma das grandes pechas de Portugal: a fraca qualidade dos nossos gestores e empresários.

Na verdade, Portugal quase só se consegue destacar em termos internacionais a nível do futebol: os futebolistas portugueses, e mesmo agora os treinadores portugueses, são de qualidade elevada, mesmo em contexto internacional. Curiosamente, no futebol doméstico, quando um clube perde um jogo, a culpa é sempre do árbitro, ou do sistema, nunca do próprio clube.

Esta infantilização, em que as asneiras dos próprios serão sempre culpa dos “pais”, é uma característica típica dos povos latinos, como o português.

Há inquéritos curiosos em que se pergunta aos portugueses como avaliam, por exemplo, a competência de condução dos outros. Os resultados são fascinantes: em média, os portugueses consideram-se excelentes condutores, ao mesmo tempo que consideram que os outros condutores são maus. O mesmo se diga dos empresários, que se consideram competentes e esforçados, ao mesmo tempo que se dizem cercados por empresários incompetentes, em quem não se pode confiar. Ora, se cada um é muito competente, e os outros todos é que são incompetentes, então, deve ser por Portugal estar cheio de “aliens”, que são os incompetentes…

As pessoas que dizem muito mal dos políticos não fazem ideia de qual o efectivo trabalho desses políticos, as responsabilidades que têm, as pressões que sofrem e o verdadeiro rendimento que auferem. E dizer mal dos políticos é a forma mais fácil de alijar responsabilidades e aliviar a consciência. E pior, de nada fazer para resolver os problemas.

Votar num partido que se diz anti-sistema, mas que na verdade é uma espécie de agregador dos restos do pior do sistema, também nunca será a solução.

No fim do dia, os portugueses têm que perceber que a sua vida depende muito mais doutras coisas, para além do que os políticos fazem ou deixam de fazer. E mais, não faz sentido exigir-se civismo e competência aos políticos, se cada um de nós é não cívico e incompetente.

Se queremos políticos de excelência, então, temos todos que começar por ser de excelência. Na verdade, os portugueses têm, apenas, direito à competência que são. E, hoje, temos os políticos que merecemos.

É facto que os nossos políticos não são extraordinários e que há casos de corrupção e incompetência em excesso. Mas isso só mudará quando todos formos competentes o suficiente para exigirmos e fiscalizarmos a competência alheia. E não só no âmbito da política, mas na sociedade civil, na família e no trabalho.

Bem vistas as coisas, o político português não deixa de ser uma imagem, e um espelho, do típico português.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 28 de Janeiro de 2021


Thursday, January 14, 2021

NAS REDES SOCIAIS COMO NA VIDA

Depois da tentativa de golpe de Estado ocorrida no dia 6 de Janeiro nos EUA, o ainda presidente Donald Trump foi banido de meios de comunicação digitais como o Twitter, Facebook, Instagram, Snapchat ou Youtube.

O argumento usado pelos gestores desses canais digitais teve a ver com a violação das políticas de utilização, nomeadamente o incitamento à violência e a difusão de mentiras, práticas reiteradas de Donald Trump nesses meios, mas que agora atingiram o seu apogeu com o incitamento à invasão do Capitólio, e posterior discurso desculpabilizante desse incidente sem precedentes na história moderna dos EUA.

Após esta proibição, levantaram-se vozes críticas, dizendo que não pode ficar ao critério dos gestores das redes sociais o que pode ou não ser dito nessas mesmas redes.

A verdade é que esta é já uma discussão antiga, relativa ao problema da força (muito consequência da estrutura oligopolista deste mercado) que as redes sociais podem ter na manipulação das percepções e comportamentos das pessoas.

Mais, discute-se porque hão-de ser as redes sociais uma espécie de realidade paralela sem lei, onde todos podem dizer tudo, mesmo o que não podem dizer noutros meios de comunicação social ou em público.

Sejamos claros: os gestores das redes sociais sempre impuseram as suas vontades e desenharam as suas leis. Nas redes sociais, que mais não são do que serviços digitais prestados por empresas privadas, com o objectivo do lucro, manda a vontade dos donos.

No Instagram, no Facebook ou no Youtube, há políticas muito claras relativas à nudez: aplicando um critério puritano altamente discutível, desde órgãos genitais até simples mamilos femininos (porque os masculinos ninguém censura) são completamente banidos, mesmo que seja a reprodução de uma pintura, de uma fotografia artística ou de uma fotografia de lazer de uma família nudista.

Nunca vi nenhuma comoção especial por tal censura à liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, muitas imagens de violência são toleradas, e toda a espécie de discurso insultuoso vai sendo permitido.

Acho muito bem que se discutam estas políticas e que se questione o poder que estas redes têm para alimentar mentiras ou teorias da conspiração. Porém, no fim do dia, não passam de empresas privadas, com a liberdade de definirem as regras dos seus serviços.

Sou contrário às normas puritanas já referidas. Mas não defendo que as empresas tenham que mudar as suas regras ao meu gosto (o Twitter, por exemplo, já não bane a nudez).

Ao mesmo tempo, sou favorável à criação de regras de combate à violência, ao insulto e às mentiras. Mas, entretanto, só uso as redes sociais se quiser. Eu, e toda a gente.

A única coisa que está acima das políticas de utilização das redes é a lei das nações. E essa tem que se aplicar nas redes como se aplica na vida: punir a calúnia, punir o discurso de ódio, punir a propaganda nazi e fascista, punir o incitamento à violência ou ao suicídio, o bullying e toda e qualquer espécie de crimes que possam ocorrer via redes sociais, como podiam ocorrer via telefone, por exemplo.

Agora, uma rede social tem todo o direito de receber e recusar quem quiser, como o dono de um restaurante tem o direito de não aceitar quem se faça acompanhar por um cão, quem esteja bêbado ou quem esteja a perturbar a ordem do estabelecimento. Nas discotecas, por exemplo, muita gente fica alegremente em filas ao frio à espera de poder entrar e, muitas vezes, não entra. Porque não há-de ser assim numa rede social?

Já há redes de encontros para católicos, para homossexuais ou para pessoas de esquerda. Nessas redes sociais, os que não cumprem o critério inicial, não são bem-vindos. No início, o Facebook era só para estudantes de uma dada universidade.

Esta ideia peregrina de que o Twitter há-de ser o canal oficial de comunicação política é um absurdo. Os políticos, nomeadamente os que estão no poder, têm os seus canais de comunicação próprios e oficiais, não podem depender de canais de terceiros, nomeadamente das redes sociais privadas. Quanto muito, crie-se uma rede social pública (como há os órgãos públicos de comunicação social), onde os políticos tivessem livre acesso, desde que cumprissem as regras da nação.

Curiosamente, no caso de Donald Trump, ele só conseguiu ganhar a Presidência em 2016 graças à utilização maquiavélica e científica dessas redes sociais, percebendo o que tinha que dizer aos diferentes públicos e alimentando a circulação das mentiras que mais lhe conviessem, tudo com a cobertura compassiva dos gestores dessas redes, que tudo lhe foram sempre permitindo (na campanha e durante a presidência).

Costuma dizer-se que quem vive pela espada, morre pela espada. Trump, um monstro que viveu através das redes sociais, é bom que morra através delas.

No resto, não se dê demasiada importância às redes, mas fiscalizemo-las bem, para que o que não é permitido na rua também não seja permitido no mundo digital.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 14 de Janeiro de 2021




Thursday, December 17, 2020

POPULISM IS SAYING PORTUGAL IS A SOCIALSIT COUNTRY

Portugal é uma República, uma democracia liberal pluripartidária, com um sistema económico de mercado. É assim desde 1974. É o que se designa por social-democracia. Não há como fugir desta verdade. Todas as classificações alternativas são, pura e simplesmente, mentiras.

Thursday, December 3, 2020

LEFTIST, AGAISNT ALL DICTATORSHIPS

I consider my self a left-winger because I believe humans are more equal that different (those who do not agree with this definition might stop reading this text, as this definition will be used by default for all arguments).

Thursday, November 19, 2020

COMMUNISM NEVER EXISTED, FASCISM AND NAZISM DID

Tem sido motivo de aceso debate o acordo de governo que CDS, PPM, PSD, Chega e IL fizeram no Açores. Nesse acordo, ficou estabelecido que PSD, CDS e PPM governam em coligação, com o beneplácito parlamentar de Chega e IL.

Thursday, November 5, 2020

TIME TO DRAIN SHIT SPEACH

À hora a que escrevo este texto ainda não estão contados todos os votos das eleições presidenciais dos EUA de 2020 e ainda não se sabe quem ganhou a eleição.

Thursday, October 22, 2020

THE LESSER EVIL

Desde que começou a pandemia que tem sido aceso o debate acerca de quais as melhores estratégias para combatê-la e, em particular, se devemos proteger mais a saúde, com o confinamento, ou não deixar morrer a economia, mantendo, ao máximo, a vida normal.

Thursday, October 8, 2020

HAPPINESS SCIENCE AS A SOLUTION

A ciência no século XXI tem três principais caminhos: a biotecnologia, as novas fontes energéticas e o estudo da felicidade.

Se a biotecnologia e os problemas energéticos têm tido atenção mediática, o estudo científico da felicidade tem passado mais despercebido.

Por uma produção amiga da felicidade

"Desde que Adam Smith publicou “A Riqueza das Nações” que se gerou a noção de que a ciência económica havia de ser a disciplina que nos...