Diz-se que a prostituição é a profissão mais antiga do mundo. Embora não seja um facto histórico, é verdade que é muito antiga esta prática de uns venderem o seu corpo para que outros, através dele, se satisfaçam sexualmente.
Essa prática foi tendo expressões diferentes ao longo do tempo, em função das sociedades, das culturas e das leis. Hoje, é um dos mais lucrativos negócios do mundo: a exploração de seres humanos para fins sexuais é uma indústria ilícita, mas multimilionária.
Em Portugal, a prostituição não é crime, ou seja, não é criminalizado quem vender o seu corpo para actos sexuais, mas é crime o lenocínio, isto é, o aproveitamento da venda do corpo de terceiros para esses mesmos fins. Também assim, não é crime ser-se comprador de serviços de prostituição.
O enquadramento legal da prostituição tem sido tema de debate, havendo quem venha, agora, defender a descriminalização do negócio da prostituição de maiores, argumentando que tal legalização permitiria um funcionamento mais normal deste mercado, uma melhoria das condições profissionais dos prostituídos e, até, um enquadramento laboral, fiscal e de segurança social.
Argumentam também que, no passado, chegaram a existir casas dedicadas à prostituição, muitas vezes exploradas por mulheres que tinham sob seu comando outras que se prostituíam, aquilo que hoje se considera o crime de lenocínio.
A verdade é que este é um assunto pantanoso. Pantanoso na medida em que não é claro qual o enquadramento legal que produz melhores resultados, entendendo-se por melhores resultados o fomento de uma situação respeitadora dos direitos humanos e protectora das pessoas na prostituição.
À cabeça, cumpre salientar que a prostituição é, na esmagadora maioria dos casos, um acto de sujeição, e não de livre escolha individual. Há uma minoria de pessoas que, em liberdade, escolhe o caminho da prostituição. Mas a maioria fá-lo por extrema necessidade e ausência de alternativas. Na verdade, a prostituição é uma profissão da pobreza, da privação e da sujeição.
Não por acaso é muito mais uma profissão de mulheres do que de homens, é mal paga e é muito arriscada, quer em termos de saúde (doenças sexualmente transmissíveis), quer em termos de violência (roubos, violações, espancamentos).
Não é coincidência que nos países mais ricos a prostituição seja toda feita por imigrantes de países pobres. Basicamente, não há prostitutos/as suecos/as ou noruegueses/as. Ao contrário, a imensa maioria das pessoas prostituídas tem origem africana, latino-americana, de países do leste da Europa ou das zonas mais pobres da Ásia.
Mais, a prostituição sempre esteve, e continua a estar, organizada segundo uma lógica de domínio, tantas vezes de estrutura esclavagista, com seres humanos a serem traficados e entregues a criminosos que lucram com a exploração do corpo dessas pessoas.
Obviamente que não há liberdade para essas pessoas. Mas também não há liberdade para um viciado em droga que acaba por ter que recorrer à venda do seu corpo para suportar os custos da sua adição. E também não há liberdade naquelas pessoas que tiveram infâncias miseráveis, tantas vezes abusadas sexualmente, e que acabam por se enredar nas teias da prostituição.
Como pode alguém achar que a entrada na prostituição é o feliz resultado de uma escolha livre, que outras opções estavam disponíveis e podiam ter sido escolhidas? Fossem dadas oportunidades e suporte na infância dessas pessoas e nunca elas escolheriam a prostituição como rumo de vida.
Legalizar o lenocínio, sem se perceber este problema estrutural, e sem se debelarem as causas que alimentam a oferta de pessoas para a prostituição, não me parece uma boa solução. Seria dar uma cobertura legal a uma realidade intrincadamente ilegal e desrespeitadora dos direitos humanos.
Nada me choca em alguém receber dinheiro em troca de serviços sexuais (alguns até o fazem no contexto do casamento, quando só se casam por dinheiro). Mas só num contexto de liberdade e de verdadeiras opções. No caso da prostituição, só uma ínfima minoria o faz em liberdade. Todas as outras, fazem-no porque são vítimas de redes tráfico de seres humanos ou porque são vítimas da sua pobreza. Passar a enquadrar a prostituição numa realidade empresarial não resolve esses problemas, e apenas beneficia quem vive da sua exploração.
Aquilo que deve ser feito é dar todo o apoio às pessoas que são vítimas da prostituição. Penso até que se devia criminalizar quem recorre à prostituição não tendo garantias de que a pessoa que se está a prostituir o esteja a fazer por contra própria e de livre vontade.
Não me parece admissível que uma empresa tenha como objecto económico a exploração sexual de pessoas pobres. A exploração sexual é atentatória dos direitos humanos e, nesse sentido, nunca pode ser legalmente mercantilizada.
Aceito uma prostituição levada a cabo por pessoas a trabalharem por conta própria e que não estejam em nenhuma condição de privação humana.
Não aceito que se legalize a exploração do corpo alheio, sob a capa duma suposta maior protecção a essas pessoas. Aquilo que tem que ser feito é um combate profundo a quem trafica os seres humanos e à pobreza que fornece os corpos para este mercado.
A prostituição é uma profissão da pobreza. Se acabarmos com a pobreza, acabamos com a prostituição. O que restaria, seriam trocas livres entre adultos, que nunca criariam o negócio milionário hoje existe. E não é por legalizarmos o lenocínio que vamos conseguir acabar com a pobreza, nem ajudar as pessoas prostituídas.
Isto não é uma questão de pudor ou de moralidade sexual. É mesmo uma questão de direitos humanos.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 25 de Fevereiro de 2021