Numa frase muito citada, Einstein disse que só existiam duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. Só não tinha a certeza quanto ao universo… Penso que se hoje Einstein estivesse vivo encontraria na crise financeira de 2008 mais uma evidência da infinidade da estupidez humana. Aquilo que aconteceu no sistema financeiro global é o resultado do comportamento humano na sua vertente estúpida: fazer algo só porque outros também fazem, sem perguntar porquê, e acreditar que tudo vai correr bem…
Quando alguns operadores financeiros decidiram criar produtos complexos envolvendo créditos a pessoas de fracos rendimentos misturados com créditos de alta qualidade e os conseguiram vender no mercado como produtos altamente seguros e rentáveis, a miopia dos restantes agentes (o só pensarem no curto prazo) fez com que toda uma bolha especulativa se gerasse, dando mais tarde origem à chamada crise do “subprime”. Na base de todo este sistema piramidal de engenharia financeira de última geração estava um pressuposto basilar: os preços das habitações iriam subir indefinidamente! Não, não estou a exagerar, era mesmo este pressuposto que esteva na base de toda a especulação. Se o preço das casas, por um qualquer motivo, começasse a descer, todo o edifício construído ruiria (qual baralho de cartas).
Bancos, seguradoras, “hedge funds”, fundos de pensões, agências de “rating”, todos embarcaram no bote da estupidez: o preço das casas iria sempre aumentar! O facto é que, durante algum tempo, assistiu-se àquilo que em inglês se chama “self-fulfilling prophecies”: porque mais e mais agentes começaram a acreditar na estupidez, o mercado premiava esse comportamento. Durante algum tempo, os diversos investimentos nos produtos financeiros, depois chamados de tóxicos, geraram resultados altamente positivos para todos os intervenientes no processo: directamente as instituições, os gestores, os accionistas e os investidores, que tinham lucros astronómicos com as transacções sucessivas desses produtos a preços sempre crescentes e, indirectamente, os consumidores que beneficiavam de créditos fáceis que lhes permitiam suportar níveis de consumo doutra forma inatingíveis.
Assim, todos se sentiam reconfortados e confiantes de que estávamos no melhor dos mundos... E mais, o investir “contra o mercado"(apostando na quebra do valor dos títulos do “subprime”) era altamente penalizador (em termos de lucro). Porém, quando alguns investidores começaram a ter dúvidas quanto aos produtos que estavam a ser trocados e começaram a questionar os fundamentos da sua qualidade, e o mercado imobiliário norte-americano começou a dar sinais de quebra, a caixa de pandora abriu-se, o pânico instalou-se, a bolha rebentou e a crise começou! Afinal, ó iluminação divina, o preço das casas não subiria para sempre…
Hoje ainda vivemos sob o signo de uma crise financeira mundial que teve origem no ano de 2008! Um dia acordámos (investidores, consumidores, empresários e intelectuais) e, sem que ninguém nos tivesse avisado, estávamos submersos numa crise financeira como não se via desde os anos 30 do séc. XX. Afinal, o melhor dos mundos, rapidamente, tinha-se desvanecido… Passados quatro anos ainda perduram as ondas de choque do rebentamento da bolha e a estabilidade financeira global ainda não está assegurada. Pior, a desregulamentação do sistema financeiro global que permitiu a criação dos produtos tóxicos e a sua alavancagem não foi ainda combatida. Apenas se tirou dinheiro aos Estados e aos contribuintes para se injectar no sistema financeiro, na esperança de que tudo volte à normalidade. Mas aí é que reside o problema! A normalidade de um sistema financeiro desregulado são as bolhas especulativas, as flutuações acentuadas, a instabilidade permanente. Enquanto escrevo estas palavras, mais lixo tóxico financeiro está a ser criado e transaccionado sob a capa de novos eldorados da alta finança ao mesmo tempo que os Estados entram em dificuldades financeiras e os cidadãos em agonia (as filas para os Bancos, supermercados e farmácias na Grécia são já uma realidade!).
Vão por mim, enquanto os mercados financeiros não forem seriamente regulados iremos de estupidez em estupidez até uma potencialmente trágica estupidez final… Resta-nos permanecer atentos, acordar os que têm andado adormecidos (para que não mais sejamos surpreendidos) e clamar por mudanças que, finalmente, combatam esta infinita estupidez humana!
Gabriel Leite Mota, publicado no P3 a 19 de Junho de 2012
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