Nesta época de crise em que vivemos, muitos clamam por consensos que nos possam livrar do “mal”. A verdade, porém, é que o consenso é uma impossibilidade prática e a sua exaltação um não contributo para uma eficaz resolução dos problemas.
Os teóricos das escolhas colectivas (pelo menos desde Kenneth Arrow em 1951) percebem bem que não se pode encontrar “a preferência social”. Este assunto tem ocupado pensadores e académicos ao longo dos tempos e isso já se conseguiu demonstrar: é impossível dizer, de uma forma absoluta, qual é o interesse de uma colectividade! A partir do momento em que existem três ou mais alternativas tornar-se inviável, de uma forma sistematizada e respeitadora de determinados critérios, dizer o que é que as pessoas, em conjunto, preferem. Na prática, o que temos são diferentes formas de captar as preferências sociais, sabendo, à partida, que cada método de auscultação poderá revelar uma preferência social diferente. Assim, a única coisa possível é, através de eleições, tomar-se uma decisão que será, sempre, apenas uma expressão possível da preferência social, que será favorável a uns e prejudicial a outros (ao encontro dos interesses de uns e contra os interesses de outros).
Quando se invoca o interesse nacional, o interesse do povo português, está-se a falar de uma inexistência… O que existem são os diferentes (e muitas vezes contraditórios) interesses dos diversos portugueses. A saída ou a permanência no Euro (mesmo que a saída conduzisse à falência do Estado) não pode ser analisada em função do interesse de Portugal mas sim em função do impacto que essa opção teria nos diferentes grupos de interesse: trabalhadores vs. capitalistas; aforradores vs. endividados; funcionários públicos vs. privados; reformados vs. população no activo; desempregados vs. empregados; exportadores vs. importadores; gerações presentes vs. gerações futuras. Uns vão sair beneficiados se permanecermos no Euro, outros vão sair prejudicados (e vice-versa). Uma decisão como essa, não pode dizer-se que esteja de acordo com os interesses dos portugueses (ou contra eles). Mesmo no cenário tágico da guerra, é sabido, há sempre alguns benificiários e apologistas. O mais que pode acontecer é uma decisão estar de acordo com uma preferência maioritária, revelada através de um determinado processo eleitoral.
Muitos confundem, também, decisão política com decisão técnica e pensam que as decisões, se forem bem estudadas pelos peritos e bem discutidas pela sociedade, podem ser tomadas consensualmente. Eis um erro crasso de avaliação: nenhuma decisão é estritamente técnica, tem sempre uma vertente política que diz respeito aos diferentes impactos que essa decisão tem sobre as diferentes pessoas. Os peritos só podem fornecer informação técnica/científica (e isto se forem honestos). A decisão é sempre política e prejudicará uns e beneficiará outros. Ou seja, a “iluminação” técnica dos problemas não resolve a questão política.
Em ditadura, pode-se tomar decisões sem consulta, sem auscultação dos diversos interesses da sociedade. Mas isso não significa que a decisão seja unânime. Em democracia, porque se tem que ouvir as pessoas, a própria decisão pode ficar comprometida ou, a ser tomada, percebe-se bem a falta de consenso. Em democracia, o mais que se consegue são decisões maioritárias, nunca consensuais.
A verdade profunda da vivência em sociedade (mesmo que democrática) é o permanente conflito de interesse entre os indivíduos, com as decisões políticas a serem tomadas, ora no interesse de uns, ora no interesse de outros. Nunca há a solução milagrosa que seja a melhor para todos, que seja do interesse de todos! Por isso defendo que os partidos políticos devem ser mais rigorosos nos seus discursos e falarem, sempre, não no interesse nacional, ou no interesse do povo português, mas no interesse dos seus eleitores, que são, afinal, quem eles verdadeiramente representam. Mesmo um Presidente da República não é, realmente, o presidente de todos os portugueses senão o representante das preferências daqueles que o elegeram. E note-se que isto não é um problema republicano: numa monarquia o rei começa logo por não representar as preferências do povo (porque não foi eleito) e, mesmo que defenda a soberania nacional, a perpetuação da nação, esse pode não ser o interesse de alguns cidadãos, que preferissem acabar com o Estado-Nação através integração do país numa comunidade global sem fronteiras.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Público a 23 de Agosto de 2013
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