A Suíça é um dos países mais desenvolvidos do mundo. É verdade que é, também, dos mais ricos. Mas o que lhe confere o desenvolvimento é a forma como aplica a riqueza nacional, que é muito mais inteligente e consequente do que em outras paragens.
O efeito dessa boa aplicação manifesta-se nos elevados índices de desenvolvimento humano (o que significa altos índices de escolaridade e de esperança média de vida à nascença) que a Suíça apresenta. Para além disso, é um país com um apuradíssimo sistema democrático (que estrutura a federação helvética em torno da descentralização e da democracia directa). O resultado de tudo isto é claro: os suíços são dos povos mais felizes do mundo.
Até aqui, tudo bem. Parece uma bonita história de como se pode bem organizar e gerir um povo, mesmo tendo como constrangimento a pouca sorte geográfica: não é fácil construir uma nação encravada no meio dos Alpes, com péssimas condições para a agricultura, sem ligações marítimas e a ter que enfrentar Invernos rigorosos e os perigos montanheses.
Os suíços, conhecidos pelo seu fabrico minucioso de relógios e chocolates, não devem, no entanto, a sua boa sorte a essas indústrias “gourmet”. Se pensarmos bem, a verdadeira especialização da Suíça tem sido a neutralidade e a amoralidade, materializada no seu sistema bancário, que absorveu dinheiro de todo o mundo, viesse ele de onde viesse.
Se olharmos para o período das guerras mundiais que devastaram a Europa, o “slogan” da Suíça parecia ser: Senhores do mundo e da guerra, não nos bombardeiem pois que aqui guardamos o vosso dinheiro (é sabido que aceitaram ouro nazi roubado aos judeus mas também dinheiro dos próprios judeus). Entretanto, as regulamentações bancárias da Suíça têm evoluído e, hoje, já não se vive o clima de impunidade e facilitismo de outrora. Mas foi esse dinheiro acumulado, e a inteligência de o aplicar em ciência e em indústrias de ponta (muitas delas farmacêuticas e de biotecnologia, curiosamente outro sector problemático ao nível da ética e da moral), que permitiu à Suíça chegar onde chegou. A pergunta será então: estarão os suíços a roubar felicidade alheia?
Recentemente, os suíços foram chamados a participar em dois referendos que tiveram eco internacional: um a propósito da limitação da disparidade de ordenados nas empresas; outro sobre o fenómeno da imigração. Em ambos os casos a maioria dos suíços optou pelas soluções conservadoras: nada de limitar os ordenados dos grandes gestores (com medo de perder algumas das grandes empresas e as gordas migalhas que espalham pelo país) e basta de imigrantes (lembrem-se que, apesar de ter uma grande população imigrante, já era muito complicado obter a nacionalidade suíça e, como tal, poucos imigrantes conseguiam participar na democracia).
Que os suíços protejam os seus interesses, parece-me normal. O problema está na comunidade internacional continuar a permitir que os suíços vivam num certo estado de excepção e privilégio. A União Europeia já veio dizer que o resultado do referendo sobre a imigração iria ter consequências ao nível das relações económicas entre a Suíça e a Europa. Espero para ver.
Entretanto, a grande lição é esta: conseguir a felicidade pode não ser fácil mas os suíços mostram que é possível construir uma nação feliz. Porém, tudo se complica quando introduzimos a ética e passamos a ter que ter em conta a felicidade dos outros. É que a única verdadeira felicidade sustentável é aquela que não está assente (ainda que inconscientemente) na infelicidade dos outros.
Gabriel leite mota, publicado no P3 a 18 de Fevereiro de 2014