Friday, December 12, 2014

A FELICIDADE COMO PROBLEMA ECONÓMICO

Apesar da economia se ter assumido como a mais “hard” das ciências sociais durante o século XX, e de se ter afastado de tudo o que pudesse acarretar subjectividade e ideologia, a verdade é que a felicidade sempre foi um problema económico.

Os criadores do pensamento económico ocidental estruturado, a partir do séc. XVIII, estavam bem cientes de que a felicidade era o desígnio último da economia. 

A própria utilização do utilitarismo como a filosofia moral que esteve, implícita ou explicitamente, sempre ligada ao pensamento económico dominante, obriga a que assim seja. Jeremy Bentham, o criador de tal filosofia, apregoava que o bem último de tudo era a máxima felicidade para o maior número possível de seres humanos.

A verdade é que a revolução ordinalista ocorrida na economia no início do séc. XX fez com que a felicidade passasse a ser utilidade, só ordinal, e que a observação do comportamento de escolha dos agentes fosse suficiente para se inferirem as preferências. Tudo isso eliminou o verdadeiro conceito de felicidade do discurso económico.

Porém, o séc. XXI trouxe, de novo, a felicidade para o centro da economia. Com raízes que se podem identificar em algumas publicações dos anos 70 do séc. XX (nomeadamente de R. Easterlin, R. Layard ou T. Scitovsky), muitos economistas utilizam, agora, o termo felicidade nas suas análises económicas. 

A partir dos anos 90 do séc. XX deu-se uma explosão na investigação numa área que se passou a denominar de Economia da Felicidade. Desde análises econométricas onde a felicidade é a variável a explicar, passando por ilações de política, discussões de filosofia moral, a reconstrução de pontes interdisciplinares ou a criação de revistas e conferências especializadas, hoje a felicidade é um “hot topic” na ciência económica.

Também a nível político o assunto ganhou grande relevo, com diversos organismos a estudarem o assunto. Nas universidades, think-tanks, governos ou comissões especializadas, um pouco por todo o mundo, a felicidade deixou de ser tabu e passou a ser tema obrigatório de análise para discussões de política económica e medição do progresso e do desenvolvimento.

Não acredito que existam muitos seres humanos que não queiram ser felizes. A ciência, enquanto a ferramenta mais eficaz do pensamento humano, tem a obrigação de contribuir para essa busca de felicidade. 

O que está a acontecer na economia, já estava a acontecer na psicologia e acontece na neurologia, na sociologia, na filosofia ou na ciência política. 

Para a economia, a introdução explícita da felicidade como realidade subjectiva, cardinal, mensurável e comparável interpessoalmente é uma revolução de que esta ciência muito estava a precisar (dados os maus resultados que a aplicação das teorias neoclássicas produziu ao longo do séc. XX). 

A economia da felicidade encaixa bem com a economia experimental, comportamental e com a neuroeconomia e obriga a uma revisão profunda do “welfare economics”, da Economia Pública e da Economia Política. 

O facto de investigadores da economia da felicidade estarem a publicar nas melhores revistas científicas e o facto de D. Kahneman, J. Stiglitz ou A. Sen serem prémios Nobel e estarem envolvidos neste movimento de trazer de volta a felicidade à economia dá uma solidez a esta transformação que penso ser difícil de reverter. 

Aliás, o facto da OCDE, da ONU, da Comissão Europeia e de muitos governos nacionais e institutos de estatística (inclusivamente o nosso) estarem a produzir trabalho relativo à construção de melhores indicadores de desenvolvimento, que suplantem o PIB e que incluam a sensação de bem-estar explicitamente, é mais um sinal forte de que a mudança está a acontecer.

A guinada positivista do início do séc. XX na economia deu credibilidade à disciplina mas destruiu-lhe muita da sua utilidade. A introdução da felicidade como tema indispensável para a ciência económica pode bem ser o ingrediente que faltava para a economia caminhar na direcção da grande responsabilidade social que tem que ter.

Texto publicado no semanário Vida Económica, suplemento Ordem dos Economistas, a 12 de Dezembro de 2014

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