Em Portugal, e em muitos outros países ocidentais, o mercado de trabalho tornou-se dual: as gerações mais velhas têm trabalho com direitos e contratos sem termo; as gerações mais novas vivem, sistematicamente, com contratos a termo ou a recibos verdes. A culpa de tal dualidade não é das gerações mais velhas (a não ser daqueles que apregoam os benefícios da precariedade alheia) nem, tão pouco, uma consequência inevitável da globalização ou das tecnologias digitais. A causa é, fundamentalmente, uma: a alteração na relação de forças e de poder entre empregados e empregadores, resultante de novos quadros legais que retiraram poder aos empregados e o deram aos empregadores.
O anquilosamento dos sindicatos, a liberdade de circulação do capital, dos bens e dos serviços, e as políticas de austeridade apenas reforçam essa redistribuição do poder, fazendo com que as relações laborais tendam a retornar à forma de trabalho sem direitos (típica dos séculos XVIII e XIX), uma velha, e comprovadamente nociva, tecnologia social. Quem defende que a tecnologia social do trabalho com direitos e garantias é um bem, tem que combater essa dualidade através do combate à precariedade, não aos direitos laborais. Na prática, isso deve fazer-se com política fiscal, remuneratória e fiscalização.
Do ponto de vista da política fiscal deve legislar-se no sentido de penalizar aqueles que empregam a prazo ou a recibos verdes (ex: pagarem mais Taxa Social Única e mais IRC) e aliviar os impostos dos que estão precários (em sede de IRS e contribuições para a Segurança Social).
Do ponto de vista remuneratório, quem está com contratos a termo, a fazer as mesmas funções e no mesmo patamar hierárquico que um efectivo, deve ganhar mais.
Finalmente, a autoridade para as condições do trabalho deve ter uma actividade consequente no sentido de descobrir quem utiliza de forma abusiva os recibos verdes, os estágios e os contratos a termo.
A lógica de tudo isto é simples: penalizar quem beneficia com a precariedade, compensar quem é prejudicado por ela. Os trabalhadores precários são penalizados porque estão sempre prestes a ficar no desemprego e, muitas vezes, ganham menos do que os efectivos. No fim do dia, são mais infelizes (os estudos da economia da felicidade comprovam-no). A sociedade deve, por isso, compensá-los.
Por outro lado, quem emprega precariamente tem um grande benefício, que é a flexibilidade na gestão daí resultante, que quem emprega de forma não precária não pode aproveitar. Assim, devemos penalizar os empregadores que têm empregados com contratos precários, por questões de equidade entre empregadores e por causa das externalidades negativas que o emprego precário traz para a sociedade – subsídios de desemprego, rendimentos mínimos de inserção, menores contribuições para a segurança social, baixo investimento na qualificação profissional, fuga de capital humano, etc..
Pôr tudo isto em prática não é fácil, até porque este é um combate que tem que ser travado conjuntamente pelo mundo desenvolvido. Ainda assim, por cá, a maioria parlamentar que sustenta o Governo tem feito propostas neste sentido e é esse o caminho que devemos prosseguir.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 24 de Novembro de 2016