Aquilo que tem estado a acontecer à União Europeia, desde o fim do século XX, é uma progressiva destruição do modelo de sociedade que tornou a Europa a civilização mais avançada do mundo.
Sejamos claros, os EUA são a maior potência mundial – são ainda “o império” –, mas não são a civilização mais avançada. Logo à cabeça, uma sociedade que não tem um sistema de saúde universal nunca pode ser o modelo a seguir.
Por contraste, na Europa, depois dos dislates das guerras e das ditaduras, e a meio caminho entre o socialismo opressivo de leste e os excessos liberais do oeste transatlântico, conseguiu-se criar um modelo de sociedade que foi um verdadeiro cume civilizacional: prosperidade económica, coesão e mobilidade social, democracia e liberdade, enfim, a maior felicidade possível para o maior número de pessoas (o velho sonho Benthamiano).
Mais eis que os europeus ficaram entorpecidos pelo sucesso e deixaram que o seu sistema fosse corrompido. De fora, através dos acordos na OMC, que legitimaram o dumping social e ambiental, e pela multiplicação dos paraísos fiscais. Por dentro, através dos tratados que foram sendo firmados e que incorporaram na lógica de funcionamento da União uma visão radicalmente liberal, do ponto de vista económico e financeiro, que torna inevitável a destruição do modelo de sociedade que nos fazia ser um exemplo global.
As tensões populistas que têm crescido nos diversos países europeus são um reflexo da incapacidade que a União está a ter em conseguir ser um local de prosperidade e esperança. A UE é um projecto, potencialmente, admirável e podia ser um pólo fulcral para a manutenção do humanismo no mundo. Para isso, porém, tem que ter coesão interna e a clara percepção de que cabe a si ser um dos determinantes das regras de funcionamento do mundo, e não um mero servo que se adapta às regras que outros (EUA, Rússia e China) estão a ditar.
Nesse ponto, para além do poder económico, conta a geopolítica e o poderio militar. Por isso a união é fundamental: juntos somos mais fortes. Mas temos que ter bem presente o que queremos defender. Se for para revitalizar o modelo social-democrata, uma união dos povos europeus é fundamental. Caso contrário, passa a não servir para nada.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 11 de Maio de 2017