Este artigo não é sobre o acordo ortográfico. É sobre algo muito mais profundo. É sobre saber se os portugueses estão dispostos a, progressivamente, abandonar a língua portuguesa, trocando-a pela língua inglesa, quando nem sequer sabemos se se tornará a língua franca do futuro. A verdade é que esse caminho, ainda que não seja verdadeiramente discutido no espaço público, já está a ser trilhado.
O facto de já existirem aulas em inglês desde a primária nas nossas escolas, e de algumas faculdades começarem a leccionar as suas licenciaturas só em inglês – isto para além de colégios privados internacionais que leccionam todo o secundário em inglês –, é um sintoma claro dessa tendência. Junte-se a isso a enorme sobreexposição aos conteúdos culturais anglo-saxónicos, e percebe-se que temos tido muito pouco cuidado com a soberania da nossa língua.
O racional subjacente a todo este comportamento é simples: somos um país pequeno, sem escala, pelo que as forças do mercado a isso nos obrigam. Toda a gente parece concordar com esta lógica comercial: a criança/jovem, para ser empregável num mundo global, tem que dominar muito bem o inglês; por outro lado, alguns estabelecimentos de ensino, nomeadamente faculdades, escolhem fornecer os seus cursos só em inglês para aumentar o seu mercado potencial, captando alunos internacionais; finalmente, a importação de produtos culturais é mais barata do que a realização de originais em português.
A questão é verificarmos quais são os custos de seguirmos este caminho. À primeira vista, e no curto prazo, parece uma senda sem custos: tornamo-nos mais competitivos e o português continua a ser a nossa língua. Porém, a médio e longo prazos, este caminho leva, inexoravelmente, ao extermínio do português (como já desapareceram o lusitano ou o latim). É isso que queremos?
O português não é uma língua residual. O português é a sexta língua mais falada no mundo inteiro, o que a torna um património, para além de cultural e afectivo, comercial. Aliás, os ingleses têm bem noção do valor comercial da sua língua e ganham muito dinheiro com a venda de diplomas, ensino da mesma ou a exportação de produtos culturais. Neste sentido, a subordinação da língua portuguesa à inglesa no espaço nacional é, então, muito questionável.
A nossa língua é um património, não o devemos desbaratar. Aliás, os grandes países não o fazem: os chineses, os russos, os espanhóis ou os japoneses não subordinam as suas línguas ao inglês. Curiosamente, os brasileiros também não.
Sei que Portugal é um país pequeno e que o grande falante da nossa língua é o Brasil. Mas isso não nos deve impedir de preservar a nossa língua, não a subestimar e tomar as rédeas da sua difusão. O castelhano é um bom exemplo: também há mais falantes fora de Espanha do que em Espanha, mas é a Espanha quem lidera a língua (e não lhes passa pela cabeça subordinar o espanhol ao inglês). Esta não é uma discussão entre fechamento ou cosmopolitismo. Trata-se de defender uma cultura, um património.
Por isso, devemos ter mais música cantada em português nas nossas rádios. Por isso, devemos ter mais produções nacionais nas nossas televisões. Por isso, devemos manter todas as licenciaturas em português (fazendo versões em inglês quando a procura assim o justifique). Caso contrário, corremos o risco de, daqui a uns tempos, só os brasileiros falarem português…
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 20 de Julho de 2017