Thursday, November 9, 2017

PARAÍSOS PRIVADOS, INFERNO SOCIAL

De cada vez que são tornados públicos nomes de indivíduos (desde jogadores de futebol, passando por estrelas de cinema até membros da realeza), que têm parte dos seus rendimentos e riquezas em paraísos fiscais, gera-se uma onda mediática de discussão e alguma indignação pública.

Porém, passado o sururu inicial, tudo fica na mesma.

Apesar de se escreverem editoriais de jornais, artigos de opinião, publicarem estudos académicos ou se elaborarem relatórios e se gerarem debates políticos, ninguém tem capacidade de pôr cobro à existência desses paraísos fiscais.

De facto, é muito difícil a um país, ou um conjunto de países, proibirem que um terceiro país independente escolha como política fiscal converter-se num “paraíso” para quem não quer pagar impostos.

De tal maneira isto é verdade que, mesmo dentro da União Europeia – onde existem regras apertadas e comuns para muitas políticas, encontramos situações de pseudo-paraísos fiscais (como a Holanda, Irlanda, Luxemburgo ou Londres), que permitem uma deslocalização de sedes fiscais e de capitias dentro da U.E. altamente injustas para os demais e claramente prejudicais da coesão europeia.

A mobilidade internacional dos capitais que está consagrada no nosso modelo de globalização torna o combate a esta situação muito difícil.

Mais ainda, os decisores políticos que podiam ter uma intervenção decisiva para acabar com, ou pelo menos minorar significativamente, esta situação estão todos comprometidos com o sistema (ex. Juncker, ex-primeiro ministro do Luxemburgo, agora presidente da Comissão Europeia; Durão Barroso, ex- presidente da Comissão, agora alto funcionário da Goldman Sachs; Trump, que vai baixar os impostos dos muito ricos nos EUA; ou a jovem promessa Macron que, depois de sair da banca, vai fazer o mesmo que Trump, mas na França).

Enfim, este esquema de fuga aos impostos, que faz com que os muito ricos beneficiem desproporcionadamente mais da sociedade do que o que contribuem, a expensas do cidadão comum que contribui muito (com o seu trabalho e os seus impostos) e recebe pouco (dada a continuada degradação dos serviços públicos por falta de financiamento), é injusto e insustentável.

É um caso típico de conflito entre o bem individual (dos muito ricos) e o interesse público ou o bem social (da classe média e dos pobres, que são a esmagadora maioria da população).

Não creio que este seja um prolema eminentemente de moral individual – as pessoas que acumulam fortunas entregam-nas a gestores que, para maximizarem a rentabilidade das mesmas, utilizam esses paraísos. Muitas vezes, de formas completamente legais.

Não podemos ficar à espera que os muito ricos decidam pagar mais impostos. Temos é que, enquanto sociedade, criar regras e sistemas que impeçam que esses indivíduos consigam contribuir tão pouco.

E isso só se consegue com uma mudança substancial nas regras da globalização e da movimentação dos capitias. Só um conjunto vasto de actores políticos corajosos e incorruptíveis, suportados por um massivo apoio popular, conseguirão fazer tal mudança estrutural.

Ao cidadão comum, resta agir civicamente e votar naqueles que lhe pareçam estar à altura de tão hercúlea empreitada.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 9 de Novembro de 2017

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