De cada vez que são tornados públicos nomes de indivíduos (desde jogadores de futebol, passando por estrelas de cinema até membros da realeza), que têm parte dos seus rendimentos e riquezas em paraísos fiscais, gera-se uma onda mediática de discussão e alguma indignação pública.
Porém, passado o sururu inicial, tudo fica na mesma.
Apesar de se escreverem editoriais de jornais, artigos de opinião, publicarem estudos académicos ou se elaborarem relatórios e se gerarem debates políticos, ninguém tem capacidade de pôr cobro à existência desses paraísos fiscais.
De facto, é muito difícil a um país, ou um conjunto de países, proibirem que um terceiro país independente escolha como política fiscal converter-se num “paraíso” para quem não quer pagar impostos.
De tal maneira isto é verdade que, mesmo dentro da União Europeia – onde existem regras apertadas e comuns para muitas políticas, encontramos situações de pseudo-paraísos fiscais (como a Holanda, Irlanda, Luxemburgo ou Londres), que permitem uma deslocalização de sedes fiscais e de capitias dentro da U.E. altamente injustas para os demais e claramente prejudicais da coesão europeia.
A mobilidade internacional dos capitais que está consagrada no nosso modelo de globalização torna o combate a esta situação muito difícil.
Mais ainda, os decisores políticos que podiam ter uma intervenção decisiva para acabar com, ou pelo menos minorar significativamente, esta situação estão todos comprometidos com o sistema (ex. Juncker, ex-primeiro ministro do Luxemburgo, agora presidente da Comissão Europeia; Durão Barroso, ex- presidente da Comissão, agora alto funcionário da Goldman Sachs; Trump, que vai baixar os impostos dos muito ricos nos EUA; ou a jovem promessa Macron que, depois de sair da banca, vai fazer o mesmo que Trump, mas na França).
Enfim, este esquema de fuga aos impostos, que faz com que os muito ricos beneficiem desproporcionadamente mais da sociedade do que o que contribuem, a expensas do cidadão comum que contribui muito (com o seu trabalho e os seus impostos) e recebe pouco (dada a continuada degradação dos serviços públicos por falta de financiamento), é injusto e insustentável.
É um caso típico de conflito entre o bem individual (dos muito ricos) e o interesse público ou o bem social (da classe média e dos pobres, que são a esmagadora maioria da população).
Não creio que este seja um prolema eminentemente de moral individual – as pessoas que acumulam fortunas entregam-nas a gestores que, para maximizarem a rentabilidade das mesmas, utilizam esses paraísos. Muitas vezes, de formas completamente legais.
Não podemos ficar à espera que os muito ricos decidam pagar mais impostos. Temos é que, enquanto sociedade, criar regras e sistemas que impeçam que esses indivíduos consigam contribuir tão pouco.
E isso só se consegue com uma mudança substancial nas regras da globalização e da movimentação dos capitias. Só um conjunto vasto de actores políticos corajosos e incorruptíveis, suportados por um massivo apoio popular, conseguirão fazer tal mudança estrutural.
Ao cidadão comum, resta agir civicamente e votar naqueles que lhe pareçam estar à altura de tão hercúlea empreitada.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 9 de Novembro de 2017