Wednesday, March 28, 2018

A DIREITA QUE GOSTAVA DE SÓCRATES

José Sócrates tem sido, de há uns tempos para cá, tanto o bombo da festa em que a direita gosta de bater, como a imagem que esta gosta de usar para definir a esquerda.

Esse facto é muito curioso, por dois motivos: 1) Sócrates nunca foi um político verdadeiramente de esquerda; 2) Sócrates só conseguiu uma maioria absoluta para o PS – a única na história desse partido – porque muita gente da direita votou nele.

Fazendo uma brevíssima resenha histórica, lembramo-nos de que quando Durão Barroso decidiu fugir de Portugal, rumo à sua felicidade eterna, deixou o país entregue ao não eleito Santana Lopes.

Na altura, o Presidente Sampaio deixou o primeiro-ministro interino Santana em período experimental. A verdade é que quando Durão Barroso ganhou o “prémio” da Cimeira das Lages, o secretário-geral do PS era Ferro Rodrigues, tido por muitos como demasiado à esquerda. Por isso, as discretas forças mandantes do país conseguiram envolver Ferro Rodrigues no escândalo da Casa Pia – acusações que se vieram a demonstrar infundadas – fazendo cair o então líder do PS.

Com a queda de Ferro Rodrigues, surgiu Sócrates – que tinha tido muita visibilidade num programa televisivo de debates semanais com Santana Lopes – como o homem certo na altura certa. Porquê? Porque Sócrates era visto como um centrista que agradava à direita, logo, com possibilidades de maioria absoluta. Mais, Sócrates tinha todo um perfil autoritário e amigo dos negócios, que a direita via com muito bons olhos.

Lembro-me bem da confiança que muita gente do sector empresarial depositava nesse potencial primeiro-ministro. O seu perfil autoritário dava jeito para enfrentar os funcionários públicos e fazer as reformas estruturais defendidas pelo Partido Popular Europeu, que dominava – e ainda domina – a União Europeia.

A sua tendência centrista e amiga dos negócios (e, veio a perceber-se, das negociatas) calhava bem com certos interesses empresariais portugueses, que vivem encostados ao Estado, sempre à espera deste para lhes encomendar obras, fazer ligações internacionais, privatizações e PPPs – muito apetitosas para os privados, ruinosas para o Estado – ou suportar monopólios e oligopólios.

A verdade é que, mal Ferro Rodrigues sai da liderança do PS, logo Santana é declarado inepto para continuar como primeiro-ministro e Sampaio dissolve o parlamento. E o desiderato foi cumprido – Sócrates consegue a maioria absoluta.

Da noite das eleições, ficaram-me dois momentos – o discurso de vitória de Sócrates em que, a páginas tantas, ele diz “consegui” e não “conseguimos”; na televisão, Maria João Avillez demonstrava sentimentos mistos, mas regozijava dizendo que, com a maioria absoluta, o BE e o PCP tornavam-se despiciendos, o que era o fundamental para a direita.

Depois, foi o que se viu – Sócrates privatiza, Sócrates combate os professores, Sócrates congela carreiras, Sócrates é um aliado da PT, da EDP, dos bancos, do Grupo Lena, da Mota-Engil, do Governo angolano, de Kadhafi e suas tendas e haréns e até fez de ponte de ligação – qual Magalhães navegador – entre a J. P. Sá Couto e Hugo Chaves (a Venezuela era tão boa quando tinha dinheiro…). Sócrates foi também o alegre anfitrião do Tratado de Lisboa – que porreiro, pá, é ter Mr. Barroso outra vez por cá.

No parlamento, Sócrates tem como arqui-inimigo Louçã, muito mais do que os líderes do PSD e do CDS. De tal forma foi assim que, no segundo mandato, Sócrates perde a maioria absoluta porque a esquerda do PS foge-lhe toda para o BE, que duplica o número de deputados. Este segundo mandato tem um Sócrates superagressivo, a ver a vida andar para trás – agora entende-se melhor esse nervosismo.

Ainda assim, foram o PSD e o CDS que, com a sua abstenção, permitiram esse segundo mandato, ao qual põem fim quando acharam que conseguiriam ter uma maioria para serem o novo Governo.

Compreende-se que Sócrates se sinta injustiçado…. Afinal, ele só jogou as regras do jogo do poder e acabou atropelado. Talvez fosse melhor ter tido aulas com Durão Barroso em vez de ir “estudar” para Paris. É que o verdadeiro jogo do poder não se joga em Portugal. Quanto à direita que gosta de malhar em Sócrates, talvez devesse pensar que é muito culpa sua tudo o que se queixam que Sócrates fez.

Já agora, uma nota final: o PS só terá maioria absoluta em 2019 se alguma direita voltar a votar no PS, com medo de nova geringonça – como o que João Miguel Tavares diz que pode vir a fazer. Depois, não se venham queixar se novos Sócrates florescerem.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 28 de Março de 2018

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