Costuma dizer-se que o poder corrompe. Penso que a expressão não é muito completa. Acho, antes, que o poder amplia as características de cada um. Quando em excesso, então sim, corrompe mesmo os mais bem-intencionados.
Vem isto a propósito de diversos casos que têm vindo ao conhecimento público, de diversas personagens nacionais e internacionais que usaram o poder que tiveram para extorquir recursos alheios em proveito próprio.
Mediaticamente, dá-se muita relevância aos políticos que se deixam corromper e que manipulam os recursos públicos na direcção dos interesses de corruptores, em troca de subornos. Os casos do ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, e do ex-primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, têm sido dos mais debatidos por cá. Sócrates ainda não foi condenado, mas tem uma acusação formada, e já cumpriu prisão preventiva. Lula já foi condenado.
Outro caso diz respeito à passagem de Durão Barroso de presidente da Comissão Europeia para alto quadro da Goldman Sachs, levantando-se razoáveis dúvidas sobre a sua independência enquanto fora presidente da Comissão.
Mariano Rajoy, em Espanha, também foi notícia por ter sido implicado em alegados esquemas de corrupção no Partido Popular, ou Sarkozy, em França, acusado de corrupção activa.
Enfim, é deprimentemente longa a lista de políticos suspeitos, embora poucos condenados por participação em esquemas de corrupção, em que usaram as suas posições de poder para favorecer quem lhes pagava, e não o interesse público que tinham obrigação de servir.
Embora seja moralmente execrável a atitude desses políticos, e criminalmente punível, tende-se a esquecer o papel dos principais agentes do mal nestas histórias – os corruptores activos.
Sabemos bem que os grandes negócios que existem no mundo tendem a envolver os Estados: ora porque são os Estados que fazem as grandes encomendas – armas, medicamentos, obras públicas – ora porque os Estados são capazes de garantir posições oligo ou monopolistas em concessões de redes viárias, de telecomunicação ou de exploração de recursos naturais.
Perante isto, muitos empresários enxameiam-se à volta dos decisores políticos, pressionando-os para que estes lhes cedam essas “minas de ouro”. E exercem essa pressão ora pela prata – suborno – ora pelo chumbo – ameaça.
Os políticos têm duas saídas: ceder à pressão e ficar com os benefícios – que, diga-se, costumam ser migalhas face aos lucros dos negócios em causa – ou tentar resistir e serem honestos. Nesses casos, tendem a ser esmagados pelo poder desses empresários que, ora montam campanhas negras de difamação, ora socorrem-se doutros políticos corruptos para afastarem aqueles que não se querem corromper. E, na maioria das ocasiões, o eleitorado nunca surge como a força de apoio que o político honesto precisava para combater a pressão a que está sujeito.
Nas ditaduras, estas questões não se colocam, uma vez que a corrupção é endógena, pois existe uma sobreposição entre os detentores dos cargos políticos e os donos das grandes empresas. Nas democracias, porém, como os políticos governam temporariamente, os grandes interesses financeiros usam a corrupção para garantirem que as suas posições não são abaladas.
Esses Donos Disto Tudo (DDT) é que são os grandes criadores e catalisadores dos males na sociedade mundial. Aqueles que controlam a produção das armas, dos medicamentos, dos produtos financeiros ou a exploração dos recursos naturais, já para não falar das intersecções que tendem a existir com o tráfico de armas, droga e seres humanos.
Esses DDT detestam a democracia e perceberam rapidamente que, afinal, ela não era muito difícil de contornar – bastava gastar um pouco de dinheiro.
No fim do dia, o verdadeiro combate que a sociedade tem que fazer é contra esses DDT, e não pode confiar apenas na representatividade democrática. Tem que exigir transparência nos negócios públicos e privados, promover a fiscalização continuada, a rotatividade no poder e empoderar o sistema judicial para servir de travão à captura dos políticos pelos DDT. Finalmente, ter uma atitude cívica de denúncia e de escrutínio face aos seus representantes políticos, mas também face aos seus concidadãos, nomeadamente os mais poderosos.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 26 de Abril de 2018