Apesar do tema da globalização ser dos mais debatidos nos tempos que correm e de termos uma noção de que estamos envoltos nesse processo de completa interdependência socioeconómica com o mundo, a análise dos dados mostra-nos que a realidade é diferente.
A nós portugueses, que vivemos num pequeno país, numa pequena economia, num espaço económico e político integrado como a UE, e até com uma moeda única, o fenómeno da globalização ainda parece mais evidente e inexorável.
Porém, um pouco à semelhança do que acontece com o fenómeno da criminalidade, em que há uma percepção sistematicamente sobreavaliada face aos dados reais, muito devida à excessiva atenção mediática dada aos crimes, há também uma dissonância cognitiva entre os dados da integração económica mundial e a percepção de uma globalização hegemónica, muito construída pela ideia empírica de que tudo é feito na China, de que a energia é toda importada ou de que o capital e a informação têm proveniência internacional.
O dito acima pode ser traduzido em duas grandes ideias feitas relativamente à globalização: 1. O processo de globalização é imparável e está sempre em crescimento; 2. O peso do comércio internacional no PIB mundial, ou mais abrangentemente, a dimensão da integração económica internacional, é muito elevada.
Se olharmos para a vasta literatura sobre o assunto, ou mais directamente para os dados disponíveis, constatamos que essas duas ideias feitas estão erradas.
Primeiro, o processo de globalização não esteve sempre em crescimento, nem é imparável. Olhando para a história milenar dos processos de integração económica internacional, percebe-se que a globalização é um processo dinâmico, sujeito a movimentos de aceleração, desaceleração, avanços e recuos, e até de estancamentos. Basta olharmos para a história do séc. XX para reconhecermos fases em que a globalização ia de vento em popa – antes das grandes guerras – para períodos em que recuou – entre e durante as guerras.
Actualmente, as atitudes que Donald Trump está a tomar no sentido de aumentar as tarifas alfandegárias, que levam a retaliações internacionais, não são nada inovadoras. Desde o início do pensamento económico estruturado no Ocidente – séc. XVIII – que se tem discutido as vantagens e desvantagens da abertura ao comércio internacional. E as opiniões nunca serão unânimes, principalmente se estivermos a analisar as consequências do comércio internacional para a felicidade das nações, não apenas relativamente ao impacto no PIB das mesmas.
Quanto à segunda ideia feita, de que a globalização é gigantesca, é também um mito.
O mundo está longe de estar visceralmente interligado. Apesar de estar mais interligado do que alguma vez já esteve, a esmagadora maioria das pessoas não emigra – nasce, trabalha e morre no seu país; muito do comércio é nacional – e quando é internacional dá-se, primordialmente, com os vizinhos mais próximos – veja-se Portugal com Espanha; o peso do comércio internacional no PIB depende muito da dimensão dos países – pequenos tendem a ter um elevado grau de abertura, grandes tendem a ter um pequeno grau de abertura. Curiosamente, dois dos países mais ricos do mundo, os EUA e o Japão, têm dos menores graus de abertura do mundo – 27% e 31%, respectivamente (dados do Banco Mundial para 2016, sendo a média mundial 56%).
Enfim, o mundo está longe de ser a Pangeia que muitos imaginam e, mais importante, a globalização não é um processo irreversível.
Se é verdade que a diminuição dos custos de transporte e a facilitação das trocas de informação e de capitais têm conduzido ao aumento da dita, a distância, a língua, as proximidades culturais e os acordos políticos têm uma importância superior na determinação do sentido da integração económica mundial.
Basta a confiança internacional quebrar-se, os choques culturais acentuarem-se ou os acordos políticos destruírem-se para que, rapidamente, a Internet fique local, os capitais não flutuem internacionalmente e o comércio se torne ainda mais nacional.
E quanto aos benefícios da globalização, estamos num patamar de discussão semelhante ao dos benefícios do PIB – só é boa se aumentar a felicidade global dos povos. E isso está ainda por provar, ou melhor, depende dos resultados que produz – se aumentar as desigualdades, criar ansiedades e instabilidades, degradar o ambiente, a paz e apartar famílias, mesmo que aumente o PIB mundial, a grande probabilidade é que esteja a diminuir a felicidade. Nesse caso, ou se redesenha a dita globalização, ou mais vale estancá-la.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 7 de Junho de 2018