Quando olhamos para as estatísticas sobre a percepção que os cidadãos têm da segurança individual e colectiva, tendencialmente, verificamos uma discrepância relativamente aos dados objectivos.
Isto significa que quando inquirimos as pessoas sobre se se sentem seguras ou inseguras, e quais as fontes da sua insegurança, é fácil encontrarmos diferenças significativas face à quantidade real de fenómenos de insegurança, e também distorções face às causas mais importantes dos perigos.
É típico que as pessoas sintam que existem muitos assaltos, assassinatos ou burlas, quando na realidade esses eventos são escassos, e não se apercebem do perigo de certas actividades, desde tarefas domésticas a banhos nas piscinas.
As agressões às mulheres, por exemplo, são muito mais prováveis de acontecer dentro do agregado familiar do que na rua, por bandidos desconhecidos.
Os abusos sexuais a crianças seguem o mesmo padrão: é muito mais comum serem os familiares/amigos/conhecidos os abusadores do que os mediáticos e monstruosos predadores sexuais.
No roubo, assassinatos ou tráfico de droga, são muitos mais os locais, pertencentes à maioria étnica, a praticá-lo do que os emigrantes ou outras minorias (ex. em Portugal existem muitos mais criminosos brancos do que ciganos ou negros).
Toda esta dissonância cognitiva tem sido estudada e sabe-se que, pelo menos dois factores entram em jogo: a relevância mediática dada a certos eventos extraordinários e o preconceito normal das pessoas que faz com que temam mais o estranho do que o conhecido.
A relevância de tudo isto é muito grande: é que todos tomamos as nossas decisões com base nas nossas percepções da realidade, não nas estatísticas. Assim, todos estamos sujeitos a manipulações de empolamento de certos problemas e de encobrimento de outros, o que nos faz tomar certas atitudes, nomeadamente no momento da votação.
Os políticos populistas que têm vindo a obter vitórias eleitorais, um pouco por todo o mundo, são hábeis a cavalgar estas dissonâncias cognitivas, aproveitando-se dos media tradicionais e das redes sociais para distorcer a nossa percepção da realidade. Não penso que este problema se resolva com censura ou proibições. Tem é que existir uma contra-ofensiva mediática com os factos.
Alguns exemplos: no referendo do Brexit não se devia ter atacado os defensores da saída da UE como sendo estúpidos, e ameaçado com o caos económico duma Grã-Bretanha isolada, antes demonstrar-se que as bandeiras do Brexit estavam suportadas por ilusões e distorções da realidade (os emigrantes não estavam a roubar empregos que os britânicos quisessem, os montantes que o Reino Unido pagava para a UE não eram tão grandes como propalado, os perigos do terrorismo não vinham, essencialmente, dos acordos de Schengen, etc.).
Mais, nos EUA, devia-se ter tido a capacidade para mostrar que os mexicanos não eram os principais responsáveis pelo mal da América ou que não se combate a violência com violência civil, não se acaba com os massacres nas escolas armando professores e alunos. De referir que na Hungria e na Itália também o problema da emigração foi empolado (apesar de existir e ser necessário encontrar soluções).
Falando agora de Portugal, um dos países mais seguros do mundo (as estatísticas são insofismáveis), as pessoas sentem-se muito mais inseguras do que deviam. A causa é simples, o bombardeamento mediático diário dos poucos crimes que vão ocorrendo (e principalmente dos mais graves e hediondos, como pedofilia, assassinatos ou roubos de larga escala) que cria nas pessoas a sensação de que vivem num país inseguro, quando isso é mentira.
Esta sensação subjectiva de insegurança só se combate com um bombardeamento mediático de sentido oposto. Seja na televisão, seja nas redes sociais, é necessário que se faça alarido dos feitos conseguidos pela polícia e se vá demonstrando o quão pacífico Portugal é face a outros países.
Seja o Ministério da Administração Interna, sejam as polícias, seja, pelo menos, a televisão do Estado, deviam ter políticas comunicacionais que servissem de antídoto ao viés informativo de que somos vítimas.
Por isso, não me choca um pouco de dramatismo visual para que a mensagem passe (sim, mostrar fotos de bandidos capturados pode ser importante). É que só assim as pessoas ficam marcadas pela impressão de que as polícias estão a trabalhar bem e que devem sentir-se seguras no seu dia-a-dia.
Os feitos das polícias deviam ser mais publicitados do que os crimes dos bandidos. Senão, qualquer dia, aparece por aí um tonto qualquer a dizer que temos que exterminar as minorias, capar os pedófilos e prender meio mundo e as pessoas podem ir na cantiga se se sentirem inseguras (o que seria um paradoxo num dos países mais seguros do mundo). Deixemo-nos de pruridos existenciais e saibamos construir uma política de comunicação dos sucessos e da realidade, para que não vençam aqueles que a distorcem.
Gabriel Leite Mota, publicado a 25 de Outubro de 2018