A ciência económica contemporânea ainda está eivada de equívocos e incongruências, nascidas na transição do séc. XIX para o séc. XX, pela aplicação da metodologia da Física à Economia, uma ciência social e humana, com conexões umbilicais à política.
Muito influenciada por engenheiros e matemáticos que se dedicaram ao estudo da economia e que não entenderam as diferenças estruturais entre a realidade física e a complexidade do estudo do ser humano e das suas dinâmicas colectivas, a ciência económica andou à deriva durante grande parte do séc. XX. Esse legado é o que ainda hoje é ensinado nas licenciaturas, mestrados e doutoramentos em economia, um pouco por todo o mundo.
Porém, a transição do séc. XX para o séc. XXI trouxe mudanças assinaláveis, nomeadamente a ligação da economia à biologia (economia evolucionista), à psicologia (economia comportamental e experimental) ou à neurologia (neuroeconomia), que produziram resultados inequívocos: a ciência económica dita neoclássica está, basicamente, errada no que diz respeito aos seus pressupostos, aos seus modelos e às suas previsões.
A Economia da Felicidade surge neste paradigma de mudança. Aproveitando inputs da economia comportamental, experimental, da psicologia, das neurociências, da filosofia ou da ciência política, a Economia da Felicidade tem sido capaz de produzir resultados consistentes, demonstrando o que faz realmente as pessoas e as sociedades sentirem-se bem, ou seja, felizes.
Estes resultados científicos são de especial relevância para a política, uma vez que se demonstra que as políticas económicas ortodoxas não são as melhores para produzir bem-estar.
De nada serve o crescimento económico se não se traduzir em felicidade. E isso só acontece quando o crescimento ocorre em democracia, com o mínimo de desigualdade possível na distribuição do produto e quando não se deterioram outras áreas da nossa vida que são decisivas para a felicidade: a família, as amizades, o bom relacionamento com os colegas, a saúde, a paz, o tempo livre e a sustentabilidade ambiental (ex. o crescimento que aumenta a desigualdade e a insegurança laboral e familiar traz infelicidade).
São hoje inúmeros os cientistas envolvidos no estudo da felicidade e muitos os economistas que abraçaram esta linha de investigação. Muitos têm conseguido criar impacto nos indicadores de progresso/desenvolvimento, nas políticas de governos nacionais ou de instituições supranacionais e na mudança de paradigmas dentro da economia. Daniel Kahneman, psicólogo e economista comportamental, Nobel da Economia em 2002, é um forte exemplo de um autor que tem ajudado à notoriedade destas investigações.
Em Portugal, a Economia da Felicidade ainda tem muito caminho para percorrer, quer na academia, quer na política. Falo em causa própria, pois sou o primeiro e único economista português com um doutoramento na área. Sinto-me privilegiado por cedo ter tomado contacto com esta área de investigação, logo em 2004, ao ler um artigo do Prof. Andrew Oswald sobre Economia da Felicidade que me fez escolher tal tema para o doutoramento.
Em consequência, desde 2005 que participo em conferências internacionais dedicadas a esta matéria e criei contactos com a maior parte dos grandes investigadores mundiais da área (tive até a honra de ser palestrante convidado na cerimónia de jubilação do pai da Economia da Felicidade, o Prof. Richard Easterlin, que decorreu em Los Angeles no passado mês de Abril).
Tenho tentado retribuir o que aprendi, para que se ponha em prática esta área do saber em Portugal. Para além da divulgação mediática que vou fazendo, tive o prazer de fundar a disciplina de Economia da Felicidade na licenciatura em economia da Universidade da Madeira nos anos em que lá estive, desiderato que espero concretizar noutras instituições, e colaboro com o Conselho Superior de Estatísticas no pensar o desenvolvimento de estatísticas e indicadores capazes de medir o verdadeiro bem-estar, no sentido do relatório Stiglitz-Sen-Fitoussi.
A Economia da Felicidade conta já com mais de 20 anos de investigação acumulada e, apesar de haver ainda muito por fazer e se descobrir, dois factos são inelutáveis: o PIB não é uma boa medida da felicidade dos povos; a ciência e política económicas ortodoxas precisam de mudanças claras se quisermos atingir uma felicidade sustentável global. A Economia da Felicidade ajuda a pôr a economia no caminho certo. Percorramo-lo.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 27 de Setembro de 2018