Na Assembleia da República os deputados estão sentados no hemiciclo, da esquerda para a direita, de acordo com uma suposta distinção ideológica entre o ser de “esquerda” e o ser de “direita”.
O curioso é que essa distribuição logística tem raízes antigas internacionais, que dividiam os deputados, por razões diferentes consoante os países e o seu momento histórico, sendo talvez o único denominador comum os da esquerda serem mais progressistas e revolucionários, os da direita mais conservadores e reformistas.
A verdade é que, com o passar do tempo e o avançar da história nos diferentes países, essa distinção perdeu significância. Hoje há tantas posições e nuances ideológicas que é muito difícil usar apenas a noção “esquerda” ou “direita” para classificarmos o posicionamento político de partidos e deputados.
Se quisermos ser um pouco mais precisos, temos que ter em conta, pelo menos, as seguintes divisões: conservadores vs. liberais (subdividindo nos costumes e na economia); defensores da liberdade que divergem totalmente nos meios para a alcançarem; ambientalistas vs. industrialistas; religiosos vs. ateus; humanistas vs. trans-humanistas vs. crentes; globalistas vs. nacionalistas; democratas vs. apoiantes da ditadura; panteístas vs. antropocêntricos; comunistas vs. sociais-democratas vs. neoliberais vs. neoconservadores; regionalistas vs. centralistas.
Enfim, há uma lista infindável, mas muito relevante, de classificações para se perceber o posicionamento dos indivíduos perante os problemas da contemporaneidade.
A distinção esquerda vs. direita é tão pobre que temos pessoas como Rui Rio, ou colunistas do Observador como Luís Aguiar-Conraria, a dizerem-se de esquerda e André Ventura, Passos Coelho, Pacheco Pereira ou Assunção Cristas a serem todos classificados como de direita. Ao mesmo tempo, Mariana Mortágua e Francisco Assis, estão sentados à esquerda (uma na AR, outro no Parlamento europeu).
A nível internacional, ser de esquerda é defender Maduro, Kim Jong-un ou Raúl Castro? Defender Pedro Sánchez ou Pablo Iglésias? Hillary Clinton ou Jeremy Corbyn? Ser de direita é defender Donald Trump, Bolsonaro e Salvini ou Merkel?
Dou-vos o meu exemplo: defendo uma social-democracia nórdica, republicana e laica, com laivos suíços de regionalização, descentralização e mais democracia directa e local. Defendo a felicidade humana acima de tudo. Sou de esquerda para uns (CDS e neoliberais, porque defendo um Estado intervencionista), de direita para outros (BE e PCP, porque defendo uma forma de capitalismo).
Aqui chegados, percebemos bem que já não basta o paradigma esquerda vs. direita para classificarmos as pessoas e os partidos. Os problemas da contemporaneidade exigem que avancemos para classificações mais finas a nível ideológico e que os partidos passem a ser mais claros e precisos naquilo que defendem.
Devemos exigir dos partidos e dos seus candidatos que se explicitem a este nível e, desejavelmente, deveríamos poder votar não só em partidos, mas também em indivíduos. Poder votar directamente no meu representante e não apenas naquele que foi escolhido por máquinas partidárias duvidosas seria um passo importante na nossa democracia (desde que fossem dadas efectivas oportunidades aos candidatos independentes).
Devem existir mais partidos, devem ser cada vez mais plurais e ter mais independentes. Acima de tudo, devemos poder conhecer melhor quem nos representa na AR e não nos ficarmos por classificações tão vagas como “é de esquerda” ou “é de direita”.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 22 de Novembro de 2018