Na crónica “Portugal em 2019: não, isto não é a aldeia do Astérix”, João Miguel Tavares (JMT) avisa os portugueses que o melhor que têm a fazer nas eleições legislativas de 2019 é votarem no PS, para que esse partido tenha maioria absoluta.
JMT diz que essa é a melhor solução para Portugal nos próximos quatros anos, uma vez que é preciso reconstruir a direita portuguesa com tempo e assegurar a estabilidade política dada pelas maiorias absolutas, face a quatro anos que JMT prevê serem turbulentos a nível europeu e mundial, com inevitáveis consequências para Portugal.
Fala ainda de querer ver o PS a governar em tempos de dificuldade, para provar que é capaz de pagar os seus créditos. Um dos receios que tem é que os populismos comecem a emergir com força em Portugal e, por isso, nada melhor do que uma maioria absoluta bloqueadora.
Não deixa de ser fascinante que alguém que se diz liberal e que enverga a capa de super-herói anti-socrático queira agora o conservadorismo do poder absoluto e, ainda por cima, nas mãos do Governo que tem tantos dos escolhidos de Sócrates.
Acontece que o argumentário de JMT é falacioso por duas razões: primeiro, porque os grandes males da nossa democracia consolidaram-se e espalharam-se com as maiorias absolutas, de Cavaco e Sócrates, onde os BPN e BES ou as PPP mais prosperaram e facilitaram as portas giratórias do roubo público para as vidas douradas no privado. Ou seja, não interessa quem é o primeiro-ministro — a política não é a vontade de um homem só , interessa se o poder é mais ou menos absoluto e, por isso, devemos temer ao máximo as maiorias absolutas; segundo, os perigos do populismo nada têm a ver com maiorias relativas e coligações (a normalidade nas democracias mais avançadas do mundo), mas sim com políticas concretas lesivas das classes médias e baixas, a corrupção, a globalização desregulada e as desigualdades crescentes. Ter uma democracia mais competitiva, com mais partidos e mais instrumentos de expressão directa da vontade dos cidadãos é o que precisamos para estancar populismos nacionais. Não o entregar de poderes absolutos aos partidos do costume.
Seria muito saudável que, em 2019, não existissem maiorias absolutas e fossem eleitos mais partidos para o Parlamento. Mesmo que isso gerasse alguma agitação parlamentar, seria uma oportunidade para aumentarmos o debate das ideias, incrementar hábitos de compromisso e negociação e captar nova gente para a política.
Uma maioria absoluta (seja de que partido for) trará perigos terríveis de perpetuação dos pântanos passados, esses sim potenciadores de possíveis cenários apocalípticos de rupturas democráticas.
Gabriel Leite Mota, publicado no p3 a 21 de Dezembro de 2018
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