Um dos problemas que as eleições europeias têm é a elevada abstenção. Na grande maioria dos países pertencentes à União Europeia estas eleições são vistas como pouco relevantes, sendo a elevada abstenção a sintomatologia desse desinteresse.
Porém, as decisões que são hoje tomadas na UE. têm um impacto completamente dissimilar da importância que damos a esta eleição. Na verdade, um conjunto significativo das decisões políticas mais profundas são hoje tomadas a nível europeu, não nacional.
No mundo globalizado e financeirizado em que hoje vivemos, as políticas mais impactantes já não são tomadas a nível local, mas a nível supranacional. Isto é ainda mais verdade para países pequenos como Portugal (e tantos outros assim que compõem a UE).
De facto, tudo o que diz respeito a decisões de comércio internacional, regulamentações diversas que impactam o nosso dia-a-dia (restrições tabágicas ou calibres da fruta), política monetária dos países da Zona Euro e, cada vez mais, política orçamental e fiscal estão a ser deliberadas a nível europeu (UE) e também mundial (OMC, G7, G20, Fórum Económico Mundial).
Acontece que a percepção que as pessoas têm da força do seu voto é, por inércia, hábito e proximidade, ainda nacional. Por isso, motivam-se muito mais para as eleições nacionais do que para as europeias. Ora, dado o cenário acima descrito de transferência do poder decisório da esfera nacional para a supranacional, já devíamos ter percebido que as eleições europeias são muito mais importantes do que parecem.
É verdade, também, que a forma como está organizada a UE, e a votação directa que permite (eleição de deputados ao parlamento europeu de candidatos nacionais), já não se coaduna com a relevância das decisões que toma.
A já muito criticada falta de democracia nas instituições europeias (nomeadamente na Comissão Europeia ou em órgãos para-formais como o Eurogrupo) ainda não obteve a resposta devida. Mas é chegado o tempo de se produzirem essas transformações democráticas. É chegado o tempo da democracia da UE se ajustar à importância das decisões que lá são tomadas.
A emergência dos populismos e dos movimentos antieuropeus é um claro sintoma de que os cidadãos estão a sentir que não controlam parte significativa das suas vidas e que querem reconquistar esse controlo, mesmo que seja através da destruição do monstro elitista, burocrático e alheado em que se tornou a UE.
Neste mundo interligado e interdependente, só as grandes nações, ou os grande blocos, têm força para tomar decisões ao nível da regulação dos mercados financeiros e de capitais, no limitar do poder das grandes empresas multinacionais e no controlo dos abusos de poder das gigantes tecnológicas, no combate à evasão fiscal global, na regulamentação do comércio internacional, no combate ao dumping laboral e social ou na limitação dos danos ambientais.
A nível europeu, só uma UE tem força para entrar nesse combate global com os EUA, a China, o Japão, a Coreia do Sul ou megaempresas como a Google e a Huawei. A destruição da UE serve bem os interesses desses gigantes mundiais que veriam dissipado o poder europeu. Mas a UE, tal como está, também não exerce o seu papel, pois é uma burocracia elitista captada pelos grandes interesses supranacionais.
A única salvação possível é criarmos, urgentemente, mecanismos de democratização da UE, com eleições mais regulares, para todos os órgãos, com listas supranacionais (europeias) e com uma reformulação dos tratados que faça com que as decisões de política monetária, fiscal, orçamental, comercial e de defesa sirvam os interesses de todos os europeus (com mais transferências internas e combatendo os desequilíbrios existentes).
Só assim a UE começará a produzir uma Europa coesa e forte internacionalmente e só assim começará a ser entendida pelos europeus como um engenho que está a contribuir para o seu bem-estar. Nesse dia, os europeus vão querer participar activamente nessas eleições.
Se nada for feito nesta direcção, e se se mantiver a dissonância entre a importância das decisões e a pouca transparência e democraticidade das instituições, a desintegração da UE será o futuro mais provável, que poderá estar já ao virar da esquina.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 23 de Maio de 2019