Portugal vive um momento charneira no que diz respeito ao combate à corrupção, ao aumento da transparência e a uma mudança cultural no sentido da aceitação da avaliação e do escrutínio.
As mudanças geracionais que estão a acontecer, a integração internacional, nomeadamente europeia, que se aprofunda e aumenta os padrões de exigência, e o exponencial crescimento das redes de informação, tudo soma para que Portugal tenha que mudar de hábitos, sob pena de ficar, definitivamente, para trás no processo de desenvolvimento e convergência.
O facto é que Portugal ainda apresenta uma opacidade nas tomadas de decisão, nas diversas organizações, privadas ou públicas, que é insustentável. A cultura do amiguismo, da “familiaridade”, da cunha, das cumplicidades e das conivências faz com que a transparência e a avaliação externa sejam mal-vindas. Assim, não é de estranhar que a produtividade das empresas portuguesas seja tão baixa, nem que a eficiência do Estado seja tão pobre.
Não esqueçamos que a maioria das empresas portuguesas é micro, familiar e produz apenas para o mercado interno (tantas vezes local ou regional), logo sujeita a baixa concorrência, e que o Estado está flagelado por leis barrocas e dúplices (que favorecem os “esquemas”) e pejado de dirigentes desprovidos de ética pública. Esses dirigentes incompetentes, que vivem à custa das sombras e da impunidade, são protegidos por outros dirigentes da mesma igualha e por subordinados ainda mais incompetentes, subservientes ou completamente manietados.
O resultado são empresas e instituições públicas governadas de forma ineficiente, porque servem clientelas e não o interesse público, nomeações e contratações opacas (que a CRESAP apenas serve para carimbar – seria interessante criar um organismo destes com um júri internacional e concursos públicos internacionais e constatar como as escolhas seriam diferentes) e gastos e receitas injustificadas. Esse é o infeliz diário do nosso Estado.
Todas as situações que a comunicação social nos vai revelando, provindas de investigações jornalísticas ou de investigações judiciárias, mostram como ainda estamos atrasados no processo de implantação de uma cultura de rigor, prestação de contas e consequências, que é o primeiro passo para a erradicação das más práticas referidas.
Constato que as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) que se têm sucedido, seja pelas questões bancárias, seja pelo roubo de Tancos, ou outras, seguida da magnífica amplificação caricatural feita por Ricardo Araújo Pereira e sua equipa, têm sido verdadeiro serviço público.
É que, apesar de não serem retiradas consequências penais dessas CPI, a exposição das figuras responsáveis pelas decisões, e a demonstração da sua incompetência ou insolência, fazem com que se gere uma indignação popular que não é inócua – pode provocar demissões (ex. a directora da cadeia de Paços de Ferreira) e destrói, justamente, supostas honorabilidades (ex. Joe Berardo).
A grande lição é que temos que começar por aqui – expor, publicamente, as decisões, os resultados dessas decisões e os seus responsáveis. Depois, podemos começar a tirar ilações e impor consequências – demissões, não reconduções, ou premiar quem fez bem e melhor.
Seja nas escolas (expondo os professores incompetentes e premiando os bons), nos tribunais (escrutinando e criticando construtivamente as decisões judiciais – o caso Neto de Moura foi paradigmático do bom que é o escrutínio público para a mudança cultural), nos bancos, nos institutos públicos ou na política, passando pelas empresas, são a transparência e a avaliação que vão fazer a diferença.
Escrutinemos, então.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 4 de Julho de 2019