A ciência no século XXI tem três principais caminhos: a biotecnologia, as novas fontes energéticas e o estudo da felicidade.
Se a biotecnologia e os problemas energéticos têm tido atenção mediática, o estudo científico da felicidade tem passado mais despercebido.
A verdade é que, desde o final do século XX, a ciência tem procurado entender, afinal, o que é a Felicidade e como podemos aumentá-la, individual e colectivamente.
Essa demanda tem permitido a colaboração de diversas áreas disciplinares, incluindo a medicina, a neurociência, a filosofia, a economia ou a psicologia (entre outras). Desta investigação, cruzada e frutífera, têm surgido resultados fortes que nos permitem tirar conclusões práticas para a resolução dos problemas do mundo contemporâneo.
Em particular, podemos afirmar:
A Felicidade não deve estar entregue ao esoterismo ou à retórica (de coachs, a gurus de auto-ajuda) – se, durante milénios, a palavra felicidade esteve refém das religiões, da filosofia, dos pregadores ou dos vendedores da banha da cobra, hoje, ela ganhou foros científicos e tem sido estudada por eminentes cientistas de todo o mundo. Graças a isso, consegue-se, de forma rigorosa, perceber o que é a felicidade (neuro-biologicamente), como se mede e quais os seus determinantes (biológicos e sociais). Assim, conseguem-se desenhar as ferramentas (medicamentosas, económicas e sociais) que, verdadeiramente, potenciam o bem-estar individual e colectivo.
A falta de atenção, médica, política e económica relativamente à felicidade, tem sido uma das principais razões para certos males da contemporaneidade. Nomeadamente, os sentimentos de ódio, medo, frustração, inveja, exclusão e ressentimento, que estão a alimentar as votações nos partidos populistas e de extrema-direita em diversas partes do mundo, são gerados por haver um número grande de pessoas que não estão a ser bem integradas no sistema capitalista global. Ou porque não têm os estudos ou as competências profissionais adequadas para sobreviver perante a forte concorrência internacional e a constante mudança tecnológica, ou porque são pressionados a seguir um estilo de vida de excesso de trabalho e consumo, com expectativas demasiado elevadas e sem tempo para relações sociais saudáveis, nem para uma higiene mental própria (que inclui sono, lazer e prazer), acabam por ficar ansiosas e revoltadas, acreditando que os messias populistas as vão salvar desse desconforto interior. Ora, isso é o resultado de um sistema descalibrado que devia, antes de mais, prevenir a perturbação mental e, quando essa ocorresse, tratá-la com rapidez. Para que tal suceda, é necessário passar a calibrar o sistema em nome da felicidade: políticas económicas, sociais e médicas têm que ser desenhadas, não para maximizar a produção, mas para maximizar a felicidade.
A ciência da felicidade tem demonstrado que a felicidade é um sentimento humano, igual entre todos os seres humanos, que pode ser medido e cujos determinantes bioquímicos são iguais. A única coisa que difere são as formas individuais, ou sociais, de atingir essa felicidade, que têm variações geográficas e temporais, apesar de encontrarmos muitos determinantes sociais comuns. Esta constatação facilita a ideia de sermos todos iguais, pertencentes a um mesmo sistema, o sistema humano. E permite que avancemos com políticas globais de melhoria da felicidade dos povos. De acordo com os estudos, a promoção da democracia, a diminuição da discriminação e o respeito pelas escolhas individuais, uma melhoria na distribuição do rendimento, o preservar e potenciar de relações pessoais de qualidade (capital relacional), o aumento do capital social (a confiança nos estranhos e nas instituições), o aumento da paz, a conciliação da vida profissional com a vida pessoal, a dignidade laboral (salarial, de funções e de respeito mútuo entre profissionais), a aposta na saúde mental e preventiva e a diminuição da pressão consumista (uma vez satisfeitas as necessidades básicas de alimentação, habitação, saúde e educação), são as vias certas para o aumento da felicidade. Quanto mais este caminho for trilhado, menos espaço há para o aparecimento dos frustrados violentos.
Enfim, o século XXI tem todas as condições para ficar conhecido como o século da verdadeira mundialização. Porém, esse processo só se consolidará se forem tomadas medidas seguras e eficazes em prol da satisfação humana de todos. E será na ciência da felicidade (e não em discursos dogmáticos, divisionistas e de ódio) que se encontrará a solução para um mundo feliz e próspero.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 8 de Outubro de 2020
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