Se queremos políticos de excelência, então, temos todos que começar por ser de excelência. Na verdade, os portugueses têm, apenas, direito à competência que são. E, hoje, temos os políticos que merecemos.
Sempre que há um acto eleitoral, surge o discurso da incompetência dos políticos. Muitos usam os números da abstenção como ilustrativo dessa mesma incompetência e do descontentamento que, supostamente, esses abstencionistas expressam dessa forma.
Agora, que temos um partido que se arroga anti-sistema, assim como o seu líder, temos tido muitas análises que dizem que os votos aí colocados são votos de protesto. Protesto contra a incompetência e a corrupção dos políticos.
Mesmo fora dos períodos eleitorais, os portugueses gostam muito de dizer mal dos políticos e de os culparem pelo atraso do país em termos económicos, culturais ou educacionais.
Segundo essa tese, o povo português é um povo competente (até porque se “safa” bem quando emigra) que está esmagado e oprimido por uma classe política muito incompetente que castra os seus sonhos, as suas ambições e as possibilidades de concretização dessas mesmas competências.
Acontece que essa narrativa é mentirosa.
Aliás, é uma narrativa típica de um povo pouco exigente consigo próprio e incapaz de assumir as suas responsabilidades.
A verdade é que o povo português é tão, ou menos, competente que os seus políticos.
Uma análise objectiva da realidade mostra-nos o quão precária é a competência do português médio.
O português médio é pouco qualificado, é pouco letrado, tem poucas competências matemáticas e tem pouca literacia. O português médio vive mais do “desenrasque” do que com planificação.
O empresário típico português tem uma microempresa que não dá lucro ou, se dá lucro, é pouco, e não o declara para fugir aos impostos.
O português médio é machista, descrente na competência profissional das mulheres.
O português médio acredita pouco nas qualificações académicas alheias e nos jovens.
O português médio é pouco cívico, deixa os cocós dos cães no passeio, atira as beatas para o chão ou para a areia nas praias, despeja os cinzeiros do automóvel na estrada e até é capaz de atirar objectos pela janela do carro em movimento.
O português típico não puxa o autoclismo quando usa um quarto de banho público.
O português típico maltrata os bens públicos porque “o que é de todos não é de ninguém”.
O português típico nunca tem culpa de nada quando algo corre mal. A culpa é sempre dos outros, ou do Estado, ou dos políticos, ou dos patrões, ou dos funcionários, ou dos colegas, ou do outro em abstracto. É que, para o português típico, ele é competente, ele é cumpridor. Os outros portugueses é que são muito incompetentes e muito irresponsáveis.
Um profissional típico português tem competências e qualificações abaixo das médias europeias. E o mesmo se diga dos nossos gestores. Aliás, essa é uma das grandes pechas de Portugal: a fraca qualidade dos nossos gestores e empresários.
Na verdade, Portugal quase só se consegue destacar em termos internacionais a nível do futebol: os futebolistas portugueses, e mesmo agora os treinadores portugueses, são de qualidade elevada, mesmo em contexto internacional. Curiosamente, no futebol doméstico, quando um clube perde um jogo, a culpa é sempre do árbitro, ou do sistema, nunca do próprio clube.
Esta infantilização, em que as asneiras dos próprios serão sempre culpa dos “pais”, é uma característica típica dos povos latinos, como o português.
Há inquéritos curiosos em que se pergunta aos portugueses como avaliam, por exemplo, a competência de condução dos outros. Os resultados são fascinantes: em média, os portugueses consideram-se excelentes condutores, ao mesmo tempo que consideram que os outros condutores são maus. O mesmo se diga dos empresários, que se consideram competentes e esforçados, ao mesmo tempo que se dizem cercados por empresários incompetentes, em quem não se pode confiar. Ora, se cada um é muito competente, e os outros todos é que são incompetentes, então, deve ser por Portugal estar cheio de “aliens”, que são os incompetentes…
As pessoas que dizem muito mal dos políticos não fazem ideia de qual o efectivo trabalho desses políticos, as responsabilidades que têm, as pressões que sofrem e o verdadeiro rendimento que auferem. E dizer mal dos políticos é a forma mais fácil de alijar responsabilidades e aliviar a consciência. E pior, de nada fazer para resolver os problemas.
Votar num partido que se diz anti-sistema, mas que na verdade é uma espécie de agregador dos restos do pior do sistema, também nunca será a solução.
No fim do dia, os portugueses têm que perceber que a sua vida depende muito mais doutras coisas, para além do que os políticos fazem ou deixam de fazer. E mais, não faz sentido exigir-se civismo e competência aos políticos, se cada um de nós é não cívico e incompetente.
Se queremos políticos de excelência, então, temos todos que começar por ser de excelência. Na verdade, os portugueses têm, apenas, direito à competência que são. E, hoje, temos os políticos que merecemos.
É facto que os nossos políticos não são extraordinários e que há casos de corrupção e incompetência em excesso. Mas isso só mudará quando todos formos competentes o suficiente para exigirmos e fiscalizarmos a competência alheia. E não só no âmbito da política, mas na sociedade civil, na família e no trabalho.
Bem vistas as coisas, o político português não deixa de ser uma imagem, e um espelho, do típico português.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 28 de Janeiro de 2021