Quando ouço os meus colegas economistas a comentarem nos media os mais diversos assuntos, sistematicamente os ouço a utilizarem um conjunto de expressões de carácter normativo como “bem”, “mal”, “bom”, “deve”, etc., para escolherem um caminho, para defenderem uma determinada política. E fazem-no com a maior das tranquilidades, como se estivessem a descrever objectivamente a realidade e não a prescrever um conjunto de soluções baseadas nas suas ideologias.
O problema é muito sério e tem as suas raízes na formação dos economistas: gerações inteiras de cientistas económicos foram educados na ideia de que era possível efectuar algumas análises políticas livres de ideologia, isto é, puras e objectivas. Ao falarem de conceitos como eficiência económica, óptimos sociais ou equilíbrios de mercado muitos economistas pensam que estão a falar de ciência e não de ideologia. Pensam que podem indicar alguns caminhos para a sociedade como sendo certos, quaisquer que sejam as ideologias ou as preferências sociais.
Pois bem, a verdade é que nunca as palavras “bem” e “mal” ou “deve” podem ser utilizadas sem que subjaza um critério valorativo, sem que exista uma ideologia (ainda que implícita). Senão vejamos: quando um economista diz que a concorrência é um “bem” e que “deve” ser promovia, está a usar um misto de resultado científico com um critério valorativo (não cientifico, portanto): a concorrência promove um abaixamento dos preços dos bens e um aumento da quantidade oferecida (facto cientifico, empiricamente verificado) e, portanto, é benéfica!
Será mesmo? É benéfica para quem? Para alguns consumidores certamente. Mas e para os trabalhadores, para os patrões, para o ambiente, para a sustentabilidade, para a felicidade? A resposta, aqui, é: depende. Mas se é assim, nunca poderemos dizer que a concorrência é um “bem” e terminar a frase com um ponto final parágrafo. De facto, a concorrência tem as suas vantagens mas tem, também, as suas desvantagens (levar algumas empresas à falência e seus trabalhadores para o desemprego, aumentar o ritmo do trabalho e, consequentemente, o stress).
Dizer que o aumento da concorrência é apenas um “bem” é defender a ideologia de que os consumidores são mais importantes do que os trabalhadores (quando, na realidade, passamos a maior parte do nosso tempo a trabalhar, ou a estudar, e não a consumir) e que o bem dos consumidores se mede pela abundância e barateza dos produtos. Mas tudo isso é questionável, porque resulta de uma determinada posição ideológica e não do conhecimento científico. Vão por mim, da próxima vez que estiverem a ouvir os comentários de um economista e ele utilizar alguma das expressões normativas já mencionadas, fiquem com a certeza de que se calou o economista e de que começou a falar o cidadão, o Sr. “fulaninho de tal”, que está a pronunciar a sua opinião pessoal sobre o assunto, ideologicamente condicionada.
Fico a aguardar que os economistas (e demais cientistas sociais) passem a ser rigorosos nos seus comentários e que destrincem a análise descritiva (científica) da análise normativa (política) e que enunciem sempre quais os seus pressupostos ideológicos. Ou, então, que se calem no que ao aconselhamento político diz respeito…
Gabriel Leite Mota, publicado no P3 a 22 de Maio de 2012
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