Nasci em 1979. Portugal tinha-se já tornado, constitucionalmente, uma democracia. Tinham-se já passado cinco anos desde que um grupo de militares havia conseguido, finalmente, pôr fim a uma ditadura que durava há mais de 40 anos e a uma guerra que nos andava a matar há mais de 10.
Os meus pais nasceram num Portugal fechado e esquecido, mesquinho e deprimido, pobre e inculto. A geração dos meus pais teve que se confrontar com a repressão, com a PIDE, com a censura e a perseguição. Muitos dos homens da geração dos meus pais tiveram que ir para a guerra: para morrer ou regressar só parte do que eram… Outros fugiram, exilaram-se… E as mães, noivas, filhas e irmãs sofriam em silêncio, só interrompido pelos gritos de adeus na partida dos barcos ou pelos gritos a Deus na chegada dos caixões.
Eu nasci em 1979. Esse Portugal já não existia e o que soube dele foi o que me contaram. Ao mesmo tempo que eu nasci, estava também a nascer um novo Portugal. Em 30 anos, Portugal modernizou-se, enriqueceu, alfabetizou-se, integrou-se na Europa e no mundo desenvolvido… Quando eu tinha sete anos, Portugal aderiu à C.E.E. (Comunidade Económica Europeia). Mais 13 e, em 1999, Portugal juntou-se à moeda única europeia…
O país em que eu cresci foi um país que sonhava com um futuro cada vez melhor (com fundos comunitários, primeiro, com juros baixos depois), um país onde os pais passavam aos filhos a ilusão da prosperidade e da educação. Porque tinham conhecido (vivido) o Portugal suicidado da repressão, da pobreza, da guerra e da emigração, sonharam para nós um país novo, um país de mais oportunidades, um país já mais perto do futuro. Um país onde se podia estudar, onde se podia trabalhar, do qual já não se precisava de escapar… Esse foi o país que me ensinaram (ou o que eu sonhei?).
Mas não foi esse país que ficou (esse sonho em algum lugar se perdeu)... Não temos guerra, fome nem repressão. Mas também não temos ilusão. Hoje, a minha geração está confrontada com a realidade: somos uma geração desempregada! Mais do que as estatísticas, os números, aqui valem as palavras: não é o elevado desemprego que atinge uma geração, do que se trata é do desemprego de uma geração! Uma geração muito bem preparada, que não vai ser aproveitada. Se esta crise durar 15 anos, há uma geração que se perde, em trabalho, criação, procriação e felicidade.
Se calhar, afinal, todos temos a nossa guerra colonial… Talvez o desemprego seja o que nos calhou em sorte… Tivemos o azar de sermos os jovens dum país periférico europeu no momento em que o mundo se está a deslocar do Ocidente para o Oriente… Os nossos pais não pediram a ditadura nem a guerra. Nós também não pedimos o desemprego.
Tal como os nossos pais fugiram da fome (emigrando) ou da guerra (exilando-se), também nós podemos fugir, emigrar, e noutras paragens encontrar o local para trabalhar. Ou podemos ficar, e como outros já nos ensinaram, lutar para mudar e voltar a sonhar com um mundo melhor. A grande lição é que não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe… Pelo caminho, é certo, pode perder-se o tempo de uma geração, mas outras se seguirão. Entretanto, compete-nos (à minha geração e às que a sucedem) tudo fazer para que também este mal possa, finalmente, acabar!
Gabriel Leite Mota, Publicado no P3 a 10 de Julho de 2012