Tuesday, June 11, 2013

FISCALIDADE, EQUIDADE E EFICÁCIA

O desenho do sistema fiscal de uma qualquer sociedade é um dos pontos fundamentais para o seu bom funcionamento. Mesmo antes de haver Estado, os membros da sociedade tinham que participar nas tarefas colectivas (como caçar ou plantar) para terem direito a comer… Depois, com o surgimento dos Estados, os cidadãos passaram a ter que contribuir, com parte do seu rendimento, para as instituições colectivas: o Reino, o Império, o País ou a Autarquia. E a verdade é que todas as sociedades têm uma dimensão pública que tem que ser assegurada por instituições colectivas como o Estado. Assim, no fundo, o imposto corresponde àquilo que cada indivíduo tem que dar para o colectivo.

Hoje vivemos, nas sociedades ocidentais, em economias de mercado. Isso significa que a decisão económica (o que produzir, como produzir e como repartir os ganhos dessa produção) é tomada de acordo com a lógica de que as negociações individuais, que acontecem entres os diversos agentes, através do sistema de preços, geram ordens espontâneas que resolvem o problema. Poder-se-ia, então, pensar que a contribuição de cada um para o colectivo já estava garantida através da nossa produção no mercado (não havendo, assim, necessidade de fiscalidade, nem de Estado). Porém, os grandes pensadores defensores do mercado (como Hayek) percebiam bem que tais ordens espontâneas não eram suficientes e que o Estado tinha sempre que ter um papel. Por isso é necessário financiar o Estado, e os impostos servem esse propósito. 

Segundo a lógica do sistema de mercado, a fiscalidade deve ser desenhada de tal maneira que se consegue financiar o Estado com o mínimo de interferência possível nas dinâmicas do primeiro. Mas não sejamos naïfs… Qualquer que seja o desenho do sistema fiscal, a ele subjaz uma teoria de justiça: devem os impostos fazer a redistribuição de rendimento dos ricos para os pobres? Em que montante? Deve-se tributar mais o rendimento do trabalho, do capital, o consumo ou a riqueza? Que funções deve ter o Estado/que financiamento necessita? Para se definir adequadamente um sistema fiscal tinha-se que, antecipadamente, ter respondido a estas questões. A verdade é que os sistemas fiscais foram evoluindo, adaptando-se, ao sabor das dinâmicas políticas, sem que nunca se tenha respondido, consistentemente, às questões fundamentais. 

O sistema fiscal português é, a este respeito, especialmente mau: é barroco, desajustado e irracional. Qual é a logica do IA com as suas discriminações por cilindrada? E do imposto de selo? Quem entende a lógica de deduções, abatimentos e colectas do IRS ou do IRC? Que princípio subjaz às taxas de IMI, IMT e afins? Na prática, o nosso sistema fiscal só obedece a uma lógica: obter receita para o Estado… Mas toda essa complexidade e irracionalidade acabam por contribuir fortemente para a evasão fiscal, para o planeamento fiscal “abusivo” e para um sentimento de injustiça do contribuinte pagador. Por isso penso que se devia fazer uma verdadeira revolução fiscal e desenhar, do zero, toda a fiscalidade, de forma racional, de acordo com as repostas que quiséssemos dar às perguntas já expostas (alterando a Constituição se preciso fosse). 

Deixo, então, uma sugestão do que penso ser um sistema fiscal equitativo e eficaz: 1 – acabar com a tributação do rendimento individual e colectivo (permitia não distorcer o mercado de trabalho e acabar com a grande evasão fiscal que existe ao nível do rendimento); 2 – tributar a riqueza (todos os bens sujeitos a registo, com taxas progressivas, de acordo com o seu valor comercial); 3 – criarem-se taxas anuais para o financiamento da justiça, educação, saúde, defesa e segurança social (seria uma “fee” anual que todos os cidadãos portugueses teriam que pagar, por igual, independentemente da sua condição económica); 4 – um imposto sobre o consumo, com taxas progressivas, que descriminasse entre bens essenciais, supérfluos e de luxo. Com isto, garantia-se: 1 - nexo entre pagamento e retribuição; 2 – muito mais eficaz controlo da evasão fiscal; 3 – previsibilidade do sistema; 4 – redistribuição da riqueza através das taxas progressivas aplicadas; 5 – maior sentimento de justiça. 

Sei bem que estas propostas carecem de aceitação internacional e que muitas delas só funcionariam se articuladas, pelo menos, ao nível europeu. Mas isso não deve servir de álibi para a não proposta: é que o sistema fiscal que temos (nacional e internacionalmente) já provou que é injusto (muitos que deviam pagar não pagam), ineficaz (vejam-se as offshore) e insustentável (vejam-se as crises e a desigualdade na distribuição do rendimento mundial).  


Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Público a 11 de Julho de 2013

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