Um dos pontos focais da crise tem sido a economia. Porque é na realidade económica que a crise mais se sente mas também porque é à economia enquanto ciência que podemos imputar responsabilidades pela sua origem e pelas deficientes políticas desenhadas para o seu combate.
A verdade é que a economia é uma ciência social tida como respeitável (a única a que um banco sueco decidiu atribuir um “neo” prémio Nobel) e a que é usada para o desenho de políticas governativas. Porém, apesar dessa credibilidade institucional, a realidade não tem sido simpática com a economia: continuamente assistimos a profundos desfasamentos entre as previsões dos modelos económicos e a realidade. E não podia ser doutra forma: não só a economia ortodoxa enferma de vícios metodológicos graves como nunca uma ciência social conseguirá fazer previsões rigorosas!
Hoje, porém, são cada vez mais os economistas que prosseguem novos caminhos e que estão, finalmente, a conduzir a economia na direcção da correcção científica e da consequente utilidade social.
A economia contemporânea de ponta saiu da sua “torre de marfim” e já dialoga com a neurologia (neuroeconomia), com a psicologia (economia comportamental e experimental), com a sociologia (sócio-economia) ou com a biologia (economia evolucionista).
A economia da felicidade insere-se, precisamente, nesse campo de investigação interdisciplinar e de ponta e fala com as ciências “psi”, com a antropologia e a sociologia, mas também com a filosofia ou com a ciência política. A economia da felicidade reintroduziu a ideia de que não podemos dispensar a filosofia moral quando falamos de política económica e veio mostrar que os modelos ortodoxos estão errados e que as respectivas políticas não são neutras ideologicamente nem estão a produzir resultados desejáveis. E mais, veio mostrar que a obsessão com o PIB como único indicador de progresso é perigosa: a destruição ambiental, a crescente desigualdade na distribuição da riqueza (que fez aumentar a pobreza relativa e permite a existência de espaços de pobreza absoluta), o desemprego crescente nos países desenvolvidos, as excessivas concentrações populacionais nos grandes centros urbanos (e os respectivos problemas de congestionamento, poluição e crime), a continuação do tráfico de armas, droga e pessoas, as migrações ilegais ou a desregulamentação da especulação financeira (com as consequentes bolhas e acentuação dos ciclos económicos), são tudo problemas da contemporaneidade que conviveram com um PIB mundial sempre em crescimento…
O admirável mundo da economia da felicidade é hoje uma realidade com produção científica em qualidade e quantidade, com conferências regulares, com presença nos média e com impacto nos organismos estatísticos e governamentais. E este admirável mundo nem sequer é completamente novo: os pais fundadores da economia usavam a palavra felicidade e percebiam que esse era o fim último da ciência e da política económica. Só nos anos 30 do séc. XX é que a felicidade foi “oficialmente” varrida da economia mas tal exílio não durou mais que 40 anos. Nos anos 70, economistas pioneiros como Richard Layard e Richard Easterlin ousaram recolocar a felicidade na análise económica e abriram caminho para o “boom” que hoje existe e que começou nos anos 90 (e que entusiasma nobéis como Daniel Kahneman ou Joseph Stiglitz).
Hoje a felicidade já não será varrida da economia com facilidade: porque há massa crítica social, política e científica suficientemente forte para se perceber que se pode (e deve) estudar a felicidade de um ponto de vista científico e que a sua medição, controlo e promoção devem passar também a fazer parte das tarefas dos governantes.
Por isso a ONU, a OCDE, a Comissão Europeia e diversos governos nacionais (como o francês ou o inglês) estão empenhados na discussão, divulgação e promoção de novos indicadores de desenvolvimento, novos modelos económicos e novas politicas.
A crise que atravessamos é também a crise de uma ciência que tem que mudar (e está a mudar) e de uma maneira de agir sobre o mundo que está falida. A economia da felicidade apresenta-se como uma possível solução para a crise porque é crítica e realista e nunca lírica, utópica ou autista.
Desde 2005 tenho tido a felicidade de participar neste movimento científico e posso assegurar que se trata de um movimento forte, autocrítico e motivado e empenhado em criar um mundo melhor.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Público a 21 de Novembro de 2012
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