Sunday, April 1, 2012

PORQUE A VIDA É ALÉM DO PIB

Durante grande parte do séc. XX, a maioria dos economistas, dos políticos e da opinião pública viveram encapsulados na ideia de que o PIB era “o indicador” de desenvolvimento. Podiam até aceitar que deixava algumas realidades importantes de fora mas acreditavam que o PIB era o único indicador objectivo e computável que existia. Consideravam-no ainda relevante para transmitir o estado de desenvolvimento de uma nação porque se suponha bem correlacionado com as demais variáveis consideradas importantes (como a esperança média de vida, a taxa de escolarização, a democratização, entre outras).
 
Certo é que sempre houve quem não aceitasse tal crença e propusesse alternativas. Algumas (como é o caso do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas – que engloba o PIB) acabaram por fazer o seu caminho e ter algum eco (académico, mediático e político). 

Porém, as vozes dos cépticos sempre foram mais audíveis e o PIB chegou à contemporaneidade (qual inércia poderosa) com o seu estatuto de “o indicador viável” praticamente inalterado. 

Acontece que o crescimento continuado da riqueza mundial durante o séc. XX, captada pelo PIB, acabou por não ser capaz de responder a um conjunto crescente de problemas nacionais e mundiais que, a partir de certa altura, se tornaram demasiadamente grandes para serem ignorados. 

A destruição ambiental (ou a desconsideração pela problemática da sustentabilidade dos recursos), a crescente desigualdade na distribuição da riqueza (que fez aumentar a pobreza relativa e permitiu a continuação da existência de espaços de pobreza absoluta), o desemprego crescente nos países desenvolvidos, as excessivas concentrações populacionais nos grandes centros urbanos mundiais (com os problemas associados de congestionamento, poluição e crime), a continuação do tráfico de armas, droga e pessoas, as migrações ilegais ou a desregulamentação da especulação financeira (com as consequentes bolhas e acentuação dos ciclos económicos), são tudo problemas da contemporaneidade que conviveram com um PIB sempre em crescimento. 

Perante isso, a voz dos que clamavam “o rei vai nu”, começou finalmente a ser ouvida. Afinal, o que o PIB captava (a criação de riqueza), não estava a correlacionar-se positivamente com um conjunto muito vasto e importante de variáveis que não podiam ser descuradas numa avaliação séria ao desenvolvimento de uma nação. 

Afinal (ó verdade esquecida) o PIB, sozinho, não servia para medir o desenvolvimento. 

Hoje, desde a ONU (com o World Happiness Report) à OCDE (com a “Better Life Initiative”), passando pelo Banco Mundial ou pela Comissão Europeia, todos estão a descobrir e definir novos indicadores. Até governos nacionais (como o da Grã-Bretanha ou da França) já encomendaram estudos onde se percorre o mesmo caminho. 

Em todos esses relatórios está patente a ideia de que é necessária a incorporação de mais dimensões nos indicadores de desenvolvimento para que se possa ter uma imagem fidedigna do estádio de desenvolvimento de uma nação. 

A sustentabilidade dos recursos, a felicidade das pessoas (o seu bem-estar sentido, subjectivo) ou as capacidades humanas (o acesso efectivo dos indivíduos à liberdade de escolherem um qualquer percurso de vida) são exemplos paradigmáticos de dimensões que devem estar presentes numa avaliação séria ao estádio de desenvolvimento de uma nação. 

Curiosamente, este movimento intelectual, político e social de se pensar e aplicarem novos indicadores de desenvolvimento não é mais do que um mero exercício de bom senso. Nunca no mundo empresarial se aceitou que a realidade fosse definida apenas à custa de um número. Antes pelo contrário, multiplicam-se os indicadores que os analistas e gestores usam para perceberem qual a realidade das empresas, o seu valor, a sua solidez e definir a sua estratégica. 

Numa nação, o processo é “apenas” mais complexo: lida-se com maias pessoas, com instituições, com sistemas. E tem-se que definir o objectivo: queremos ser mais ricos? mais felizes? mais sustentáveis? mais quê? 

Perante esta complexidade, só fica mais importante a análise pensada, rigorosa e plural (mais complexidade implica mais pluralidade, não menos). E o momento que hoje atravessamos, de crise global, se nos mostra alguma coisa é que muitos erros formam cometidos, muitas políticas e leis foram mal desenhadas e muita informação ficou por saber (mediu-se pouco e mal, divulgou-se ainda pior). 

Mas com o mal do passado pode bem o futuro: façamos da crise um momento de crescimento, aprendamos com os erros e comecemos, já hoje, individual e colectivamente a exigir a mudança!

Gabriel Leite Mota, Publicado no Anuário da Sustentabilidade em Abril de 2012

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