Wednesday, November 26, 2014

O ECONOMISTA QUE TREME

Gonçalo M. Tavares em “Aprender a rezar na era da técnica” fala do dilema de um cirurgião: se ele sentir empatia pelo paciente, há o risco de a sua mão tremer no momento da operação e, com isso, o paciente poder não ser salvo. Por outro lado, se ele for capaz de eliminar toda a empatia pelo paciente, a sua mão não tremerá e, com tal competência técnica, conseguirá operar, e salvar, o paciente.

Numa entrevista televisiva, GMT, falando sobre este dilema, diz-nos que a opção pela competência técnica (pela mão que não treme) é a opção pela destruição da condição humana. E, isso sim, pode condenar-nos, a todos, a uma não salvação colectiva.

Acontece que este dilema se põe, ainda mais agudamente, no caso da economia (pela dimensão dos impactos que esta pode causar). E o economista típico do séc. XX, deliberadamente, optou por não tremer. Para isso, porém, teve que abdicar da natureza humana. 

O pensamento ortodoxo da ciência económica, denominado de neoclássico, idealizou um ser humano que o não é: um ser hiper-racional, uma máquina maximizadora de utilidade que faz escolhas sempre acertadas, muito porque cabia bem nos seus modelos matemáticos. Tudo o que fugisse a esse comportamento ideal era cunhado de irracional e acusado de criar distorções que competia combater, por diminuírem a eficiência e o bem-estar. 

Esta idealização foi tão longe que até se renomeou o ser humano de homo economicus. Esse agente, que está nos modelos da ciência económica, é um ser egoísta, individualista e calculista que os economistas ortodoxos acreditam ser uma boa representação da base do comportamento humano. 

Fechados nos gabinetes das faculdades e nos círculos económicos académicos, onde esta doutrina era aceite dogmaticamente, estes economistas tornaram-se agentes da desumanização (não por acaso os economistas heterodoxos falam na necessidade de se avançar para uma economia pós-autista). 

No mundo actual, ainda estamos assoberbados de economistas que não tremem, apesar de ditarem sentenças terríveis. É que não bastando a ficção que criaram nas suas teorias, foram convidados a dar conselhos de política (muito pela comunhão ideológica entre esses economistas e certos políticos). E os resultados estão à vista: muitas das graves disfunções mundiais a que assistimos são consequência de políticas determinadas por esses economistas que não tremem. De países que vão à falência, de desempregos em massa, até guerras que se despoletam, muitas são as culpas da economia técnica. 

A verdade é que um economista tem que tremer. Tem que ter medo das consequências das políticas que propõe. Tem que ser cauteloso. Tem que ouvir a história, tem que ser culto. E tem que conhecer o ser humano. 

Não se pode ser cientista social e não entender que a sociedade é o resultado da interacção entre seres humanos, de carne e osso, que existem para serem felizes, não para serem competentes máquinas de produção. Tem que se ter a noção de que o resultado das políticas não afectam coisas inanimadas mas seres humanos que sofrem, que tremem. 

No início da ciência económica, os economistas tremiam e teorizavam com humanos que também tremiam. O futuro da economia terá que passar pela reentrega das rédeas do seu destino aos economistas que tremem.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal de Letras de 26 de Novembro de 2014

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