As recentes mortes nas urgências dos hospitais não são obra do acaso. Sim, há um surto gripal atípico mas há também um desinvestimento no SNS, ideológico e planeado, que começa a dar frutos. Furtos podres, estes que as mortes são.
O SNS é uma conquista civilizacional do 25 de Abril, com resultados notáveis. Portugal, que é um país peri-desenvolvido, tem um serviço nacional de saúde de elevado nível. O investimento feito em recursos humanos e físicos transformou um país com saúde terceiro-mundista num país de padrão europeu. Com isso, conseguimos ter das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo, uma esperança média de vida superior à norte-americana e instalações hospitalares de qualidade. Porém, desde os tempos dos PEC, passando pelo período de assistência da ‘troika', até ao presente, o que tem acontecido é um insidioso desinvestimento no SNS: enfermeiros e médicos que emigram, centros de saúde que fecham, recursos humanos que ficam exaustos, tempos de espera que aumentam e custos para os doentes sempre em crescimento (só se conseguiu poupar nos medicamentos).
Estas mortes fazem, assim, parte de um contínuo de problemas no SNS, e são um sintoma de uma tendência que importa reverter, sob pena destes episódios deixarem de ser episódicos. Enquanto o Governo desvaloriza e a oposição protesta (embora o PS, que assinou o acordo com a ‘troika', não tenha muita margem para a crítica) as mortes continuam. O que é preciso é uma verdadeira inversão no rumo. O SNS deve ser eficiente (e por isso fazer o oposto do norte-americano, que é dos mais ineficientes do mundo) mas tem que ser uma prioridade nacional.
Eu, que não tenho sagrados metafísicos, defendo que os sagrados devem ser coisas do real. A saúde é uma delas e o acesso universal à mesma, uma condição irrevogável. Poupar, pode-se sempre poupar, mas não na vida.
Gabriel Leite Mota, Publicado no Diário Económico a 3 de Fevereiro de 2015