Tuesday, February 3, 2015

FRUTOS PODRES

As recentes mortes nas urgências dos hospitais não são obra do acaso. Sim, há um surto gripal atípico mas há também um desinvestimento no SNS, ideológico e planeado, que começa a dar frutos. Furtos podres, estes que as mortes são.

O SNS é uma conquista civilizacional do 25 de Abril, com resultados notáveis. Portugal, que é um país peri-desenvolvido, tem um serviço nacional de saúde de elevado nível. O investimento feito em recursos humanos e físicos transformou um país com saúde terceiro-mundista num país de padrão europeu. Com isso, conseguimos ter das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo, uma esperança média de vida superior à norte-americana e instalações hospitalares de qualidade. Porém, desde os tempos dos PEC, passando pelo período de assistência da ‘troika', até ao presente, o que tem acontecido é um insidioso desinvestimento no SNS: enfermeiros e médicos que emigram, centros de saúde que fecham, recursos humanos que ficam exaustos, tempos de espera que aumentam e custos para os doentes sempre em crescimento (só se conseguiu poupar nos medicamentos).

Estas mortes fazem, assim, parte de um contínuo de problemas no SNS, e são um sintoma de uma tendência que importa reverter, sob pena destes episódios deixarem de ser episódicos. Enquanto o Governo desvaloriza e a oposição protesta (embora o PS, que assinou o acordo com a ‘troika', não tenha muita margem para a crítica) as mortes continuam. O que é preciso é uma verdadeira inversão no rumo. O SNS deve ser eficiente (e por isso fazer o oposto do norte-americano, que é dos mais ineficientes do mundo) mas tem que ser uma prioridade nacional.

Eu, que não tenho sagrados metafísicos, defendo que os sagrados devem ser coisas do real. A saúde é uma delas e o acesso universal à mesma, uma condição irrevogável. Poupar, pode-se sempre poupar, mas não na vida.

Gabriel Leite Mota, Publicado no Diário Económico a 3 de Fevereiro de 2015

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