Da vastíssima literatura científica sobre a pobreza, o que de mais consensual podemos concluir é que não há uma definição última de pobreza, porque não há uma única pobreza. Falar de pobreza tem que ser, então, falar das pobrezas, adjectivando cada pobreza de acordo com a realidade em estudo. Das múltiplas classificações que podemos fazer de pobreza, penso que há duas ordens de distinção mais relevantes: primeiro, a separação entre pobreza relativa e absoluta; segundo, a definição de quais as realidades em carência a que a pobreza em análise diz respeito.
A distinção entre pobreza absoluta e relativa é simples: pobreza absoluta é aquela que resulta da falta de acesso a um determinado patamar absoluto, considerado como o mínimo necessário à vida; a relativa é dada pela comparação entre determinado indivíduo e os outros, sendo classificados de pobres todos aqueles que estão abaixo de uma percentagem da média, ou mediana, da sociedade.
No que diz respeito às realidades subjacentes à pobreza, elas podem ser variadas. Apesar de associarmos pobreza à falta de dinheiro, ela pode ser definida através de muitas outras carências: ao nível da liberdade (política, económica, de movimentação), do conhecimento, da mobilidade social, do acesso à saúde ou à alimentação. Se conjugarmos as dimensões de classificação supramencionadas, é fácil perceber-se que temos uma miríade de definições possíveis de pobreza, tornando-se evidente o quão complexo é este fenómeno.
Entendida esta complexidade, importa destacar o seguinte: 1. qualquer definição escolhida de pobreza tem, subjacente, uma opção ideológica; 2. o combate à pobreza só será possível, na maior parte das vezes, combatendo as pobrezas, uma vez que elas tendem a interligar-se, fazendo com que, por exemplo, atacar a pobreza monetária possa ser infrutífero se não se diminuir a pobreza política ou educacional.
A respeito destas interdependências é relevante discutir-se a prioridade no combate à pobreza absoluta ou relativa. É que esse é um caso claro em que se nota a natureza ideológica da opção: a direita política tende a focar-se só na pobreza absoluta, enquanto que a esquerda faz questão de não esquecer a relativa.
A pobreza relativa existirá sempre (existirão sempre os mais ricos e os mais pobres) mas pode ser atenuada se diminuirmos as desigualdades. Já a pobreza absoluta pode ser erradicada, mas apenas se nos ativermos a critérios de pobreza mínimos, de sobrevivência – talvez chegue o dia em que ninguém, no mundo inteiro, passe fome ou morra de frio.
O séc. XXI tem sido capaz de retirar muitos milhões de seres humanos da pobreza absoluta (uma das bandeiras da direita em defesa da globalização actual). Porém, tem atirado cada vez mais pessoas para a pobreza relativa (uma das críticas que a esquerda faz à globalização actual). Esta incoerência não é inevitável, antes depende da forma com o mudo se organiza.
Verdadeiramente, a única maneira credível e sustentável de combater a pobreza é o combate às pobrezas. À absoluta e à relativa. Às financeiras, sociais e políticas. Perceber isto e actuar em conformidade: é esse o caminho do progresso civilizacional, do aproveitamento do potencial humano (porque pessoas pobres são recursos humanos subaproveitados) e a receita para o aumento da felicidade (que é o que realmente importa).
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 20 de Janeiro de 2017