O fenómeno actual das criptomoedas é um exemplo paradigmático da irracionalidade dos mercados. Por irracionalidade entenda-se a súbita crença, individual e colectiva, que é um bom investimento adquirir algo apenas porque, tendo o seu preço de mercado demonstrado uma tendência crescente, se acredita que essa mesma tendência se vá perpetuar (ring any bells?).
As bolhas especulativas fazem parte da psicologia social humana, são um comportamento típico dos agentes económicos (provinda da sua ganância e “miopia”) e toneladas de literatura científica já abordaram essa temática.
Infelizmente, pouco ou nada se tem feito para evitar estes fenómenos que, no médio-longo prazo, se tornam, invariavelmente, ruinosos, tantas vezes com graves consequências sociais.
Antes pelo contrário, a globalização, desregulamentação e expansão dos mercados financeiros potencia não só a frequência como a dimensão destas bolhas especulativas.
Se no caso do subprime a premissa era estúpida (o preço das casas vai aumentar sempre), havia ainda uma ligeira racionalidade: estávamos a falar de bens imóveis que, mesmo desvalorizados, preservam valor intrínseco – a capacidade de dar abrigo a pessoas.
O caso das criptomoedas é muito mais estúpido.
As moedas, desde há muito tempo, tornaram-se fiduciárias, isto é, têm apenas um valor intrínseco: a confiança que nelas depositamos. É essa confiança que faz com que uma dada moeda possa ser utilizada como meio de troca e, acima de tudo, como reserva de valor.
Acontece que as criptomoedas não cumprem esse desiderato: quem pode confiar num produto especulativo que não é garantido por ninguém? Quem está disposto a utilizar esse produto como reserva de valor e meio de troca?
Quando vejo pessoas ligadas ao mundo da informática a falarem com grande entusiasmo das criptomoedas, percebe-se bem a sua falta de conhecimentos de economia e da história das moedas.
O ouro, a prata ou o cobre têm algum valor intrínseco (são materiais que podem ser utilizados para diversos fins) mas ganharam o seu verdadeiro estatuto de moeda quando passaram a ter um cunho imperial: não era o valor do metal, em peso, mas sim a marca de autoridade que estava impressa na moeda que lhe conferia o valor.
Mais tarde, as moedas foram “desmetalizadas”, inventaram-se as notas e, actualmente, bem que todas as moedas das nações podiam apenas ser números em computadores – moedas digitais.
Mas o facto de passarem a ter outra forma não lhes retira o valor. Por que têm uma nação por detrás.
O dólar bem que podia converter-se numa moeda apenas digital que não era por isso que ia perder valor. É que sabemos que existe uma nação, os Estados Unidos da América, que garante o dólar. E não tenhamos ilusões: para além do poderio económico de uma nação, é o seu poderio militar que, no final do dia, traz a confiança (ou tradições bem estabelecidas e alianças várias, como no caso do franco suíço).
No caso das criptomoedas, elas perdem todo o seu valor, da noite para o dia, se os países decidirem que não se podem converter em moedas reais. Quem se levantaria (que instituição, que país) nesse dia para garantir, por exemplo, a convertibilidade das bitcoins?
O fenómeno das criptomoedas é triplamente irritante: primeiro, porque é mais numa bolha especulativa; segundo, porque está a servir para lavar dinheiro sujo e operar transacções ilegais de uma forma facilíssima; terceiro, porque esses algoritmos que geram números não são moedas!
Nunca nada será uma moeda, viável a médio-longo prazo, se não tiver uma autoridade por detrás a garantir-lhe o valor. E essa autoridade tem que ser económica, militar e legal.
As fantasias anarquistas e libertárias que a este propósito têm sido alimentadas são, como não poderia deixa de ser, delírios infantis. É que é o poder que confere a confiança, e será sempre assim. Neste caso, nunca existirá uma moeda sustentável sem uma autoridade central a controlá-la e a garanti-la.
O facto de se chamar moeda a uma coisa que o não é, foi um golpe de marketing que apenas nos está a atirar para mais uma bolha.
No entretanto, como em todas as bolhas, muita gente vai ganhar dinheiro, até que os últimos percam o dinheiro todo que os outros ganharam.
Estes jogos de soma nula especulativos são um dos grandes males da contemporaneidade, que desviam os recursos das actividades verdadeiramente produtivas (dos jogos de soma positiva).
Enfim, a não ser que os inventores das criptomoedas se cheguem à frente com um exército de hackers que garantam a convertibilidade das mesmas, sob pena de causarem o caos digital, estas nunca poderão ser moedas, apenas produtos especulativos.
Por isso, criptomoedas não existem. Apenas criptobolhas. E as bitcoins não o são. Apenas bitbubbles.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 21 de Dezembro de 2017