É sabido que os sistemas político-económicos europeu e norte-americano são diferentes. Embora ambos capitalistas, a Europa tem um lastro social-democrata (depois da Segunda Guerra Mundial), enquanto que os EUA sempre protagonizaram um modelo mais liberal, em que o Estado devia ter menos interferência na organização económica e menor poder de limitação das liberdades individuais.
Já a Europa, entendia que ao Estado cabia um papel fundamental de correcção de injustiças, de iniquidades e de fornecimento dos bens públicos essenciais (como saúde, educação, segurança social) para que todos os cidadãos pudessem ter oportunidades mais iguais.
Segundo esta lógica, seria de esperar que a estruturação e regulamentação das actividades desportivas e das competições profissionais fossem diferentes nestas duas regiões: menos interferência de organizações colectivas nos EUA, mais espaço para a regulamentação e a intervenção colectiva na Europa.
Sucede que, se compararmos a forma como são organizadas as competições de basquetebol nos EUA e do futebol na Europa (provavelmente os desportos mais populares, respectivamente), verificamos o oposto.
Quando analisamos a forma como a NBA (National Basket Association) organiza as competições de basquetebol, verificamos um compromisso socialista: tectos salariais para jogadores, partilha equitativa das receitas globais entre todos os clubes (como as das transmissões televisivas) e o processo de draft (em que as equipas pior classificadas num ano são as primeiras a escolher os jogares que vêm da liga universitária, escolhendo os melhores). O resultado é claro: uma competitividade permanente, em que as equipas campeãs estão sempre a mudar, independentemente de serem das regiões mais ricas ou mais pobres dos EUA.
Sei bem que a NBA faz isto em nome do lucro global do negócio do basquetebol. Mas a lição socialista fica clara: só com a intervenção estatal (neste caso a NBA faz de Estado) é que se garante uma maior igualdade de oportunidades, permitindo evitar os círculos viciosos de pobreza (nas equipas mais fracas) e virtuosos de riqueza (nas equipas mais fortes), e garantir o máximo de receitas colectivas.
Quando olhamos para o futebol europeu contemporâneo (nomeadamente depois da Lei Bosman, que transferiu para o futebol a livre circulação dos trabalhadores dentro do espaço da União Europeia) vemos uma situação quase oposta.
Depois de se ter abolido a regra dos três estrangeiros por equipa e de se ter vindo a formatar a Liga dos Campeões cada vez mais numa competição para as equipas ricas, em que participam três ou quatro equipas das ligas mais ricas (como a espanhola, inglesa, alemã, italiana e agora a francesa) e cada vez menos equipas das ligas mais pobres (portuguesa, holandesa, belga, norueguesa, polaca, ou mesmo russa, ucraniana e turca), o resultado também é cristalino: não só dentro das próprias competições nacionais são sempre os mesmos a ganhar (talvez com a excepção da Inglaterra), como a Liga dos Campeões tem-se consubstanciado como o exemplo paradigmático do destino de uma qualquer sociedade liberal: acumulação do poder em poucos, cartelização e destruição da igualdade de oportunidades.
Clubes como o Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique, Manchester United, Juventus ou o AC Milan estão, sistematicamente, nas fases adiantadas desta competição, enquanto que os clubes das ligas mais pobres ficam, invariavelmente, pelo caminho. No século XXI, só o F.C. do Porto conseguiu vencer esta competição, não pertencendo ao clube das quatro ligas mais ricas – inglesa, espanhola, alemã e italiana.
Com isto, a competitividade destrói-se, e mesmo o interesse mediático pode desvanecer-se. Se nada for feito, a situação tenderá a agravar-se.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 18 de Janeiro de 2018