Poder-se-á dizer que uma lei bem construída é aquela que seja, ao mesmo tempo, inteligente e justa.
Inteligente, no sentido de ser capaz de responder aos problemas da realidade, ou seja, ser uma lei que, na prática, seja cumprida e faça com que as pessoas se moldem facilmente a ela.
Justa, no sentido de fazer com que a sociedade se movimente em direcção àquilo que se considera ser o mais justo possível.
No caso da lei laboral, estas duas dimensões têm que estar presentes.
No que diz respeito à justiça, temos que ser capazes de considerar os diferentes cenários em que se dão as relações laborais e perceber, em cada caso, qual o equilíbrio justo que a lei deve procurar.
Apesar de a lei ter que ser genérica e universal, devemos discriminar diferentes categorias de relações laborais. Por exemplo, a lei que rege a relação laboral entre um profissional liberal e os seus colaboradores não pode ser a mesma que rege a relação entre uma grande empresa e os seus milhares de empregados.
No caso das médias e grandes empresas, reconhece-se uma força financeira e negocial da entidade patronal que obriga a justeza da lei a proteger o empregado, tornando-se os acordos colectivos de trabalho fundamentais, definindo horas de trabalho, vencimentos, funções e indeminizações tipo, para que nenhum empregado ou candidato fique desprotegido pela sua pouca força na mesa de negociações.
O cenário é totalmente diferente quando estamos a tratar de profissionais liberais ou pequenos e microempresários, onde, tipicamente, a disponibilidade financeira é parca e a disparidade de força negocial entre as partes é também baixa. Nesse caso, a legislação laboral a aplicar deve ser mais flexível, adaptável aos casos concretos, e o regime de indemnizações deve também ser diferente.
Quanto à inteligência da lei, passa por duas lógicas principais: 1) criar os incentivos correctos nas pessoas para que sejam elas próprias a querer cumprir a lei; 2) serem claras e simples de forma a que qualquer conflito judicial seja de rápida e fácil resolução.
Tome-se como exemplo a precariedade. Aquilo que se deve fazer é criar regimes precários muito onerosos para a entidade patronal e regimes de contrato sem termo comparativamente menos onerosos. Aí, vão ser os próprios patrões a quererem diminuir a percentagem de precários, pois tal opção não é compensadora do ponto de vista financeiro.
Relativamente à simplicidade da lei, a ideia é que não compense às partes arrastarem os problemas para os tribunais pois que as decisões seriam previsíveis e rápidas.
Infelizmente, quando se passa para a realidade legislativa portuguesa, deparamo-nos com muitas dificuldades em efectuar as transformações sugeridas. Por um lado, porque o edifício jurídico existente é tão complexo que não permite grande margem de manobra. Por outro, a criação das leis fica, quase sempre, a cargo dos juristas nacionais, que estão enterrados no barroquismo medieval que é a tradição jurídica portuguesa, não tendo a capacidade de inovar simplificando. Precisamos de pessoa doutras áreas a criar leis (economistas, sociólogos, psicólogos ou antropólogos, por exemplo).
A discussão actual sobre a legislação laboral deve ter isto em mente: combater ao máximo a precariedade, que é um dos grandes travões ao desenvolvimento nacional (nomeadamente ao crescimento demográfico) e permitir que as empresas nascentes e os pequenos negócios não sejam asfixiados por regras que só quem tem grande arcaboiço financeiro consegue cumprir. Esse será o caminho para se criar mais emprego duradouro e sustentável em Portugal.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 19 de Julho de 2018