O de esquerda – também conhecido por social-democracia – é um sistema político-económico que visa aproveitar as forças do mercado para maximizar o bem-estar comum, algo que só é possível quando existem contrapesos e limites a essas forças do mercado, nomeadamente através de um Estado democrático forte que dê possibilidade às pessoas de terem um poder que através do mercado não têm.
O mercado é uma instituição pouco democrática, na medida em que poucos mandam muito e muitos mandam pouco – é como se cada euro fosse um voto, logo, certos indivíduos valem por milhões de outros.
Mais, as forças endógenas do sistema de mercado, e as imperfeições do sistema de preços, conduzem-no para acumulações de poder e desvios face aos interesses de todos, que o impedem de maximizar o bem-estar colectivo.
Aliás, o capitalismo ultraliberal que cada vez mais direita almeja é um capitalismo canibal, que se auto-aniquilaria e transformaria numa espécie de neo-feudalismo tecnológico. É um capitalismo que, exactamente ao arrepio do que essa direita liberal propala, esmaga a liberdade de muitos para a concentrar nas mãos de poucos.
Felizmente, ainda não existem países ultraliberais, pois passar por tal degradação civilizacional podia servir de vacina contra o ultraliberalismo, mas esmagaria muita humanidade pelo caminho.
Confesso que é irritante ver tantas pessoas a fazerem a dicotomia esquerda/direita como se se tratasse de uma dicotomia entre capitalismo e anticapitalismo ou “defensores da propriedade privada” versus os seus detractores.
Já existiu a escravatura, o feudalismo, as sociedades agrárias e comunitárias, o nomadismo, existem as ditaduras e as monarquias absolutas, capitalistas ou não, existe o planeamento central da economia, a social-democracia, os modelos capitalistas mais liberais anglo-saxónicos, economias fechadas, economias abertas, entre tantos outros, que cingir a discussão esquerda/direita aos defensores do capitalismo face aos anticapitalistas é de uma infantilidade confrangedora.
Note-se que a esmagadora maioria das pessoas na Europa que se consideram de esquerda, e que votam nos partidos de esquerda, são a favor do capitalismo! Apenas reclamam pela existência das instituições que promovam os devidos “checks and balances”.
Obviamente que os partidos políticos têm especial responsabilidade nesta matéria de clarificação ideológica e, muitas vezes, pouco fazem por isso.
Basta olharmos para o PSD e as suas incertezas entre o liberalismo Passista ou a social-democracia conservadora Rioista, para já não falar dos projectos pessoais como o de Pedro Santana Lopes e o seu PSL.
Também no PS, a confusão instala-se quando confrontamos as visões sociais-democratas de Pedro Nuno Santos ou Manuel Alegre com as vontades centristas (e de repúdio pelo que consideram ser a velha social-democracia) de Francisco Assis – que não faz justiça ao nome que tem – ou de Augusto Santos Silva.
Se saltarmos para o Bloco, a confusão também é grande. Um partido que nasce da união de vários grupos de extrema-esquerda, ora maoistas (UDP), ora trotskistas (PSR), e de sociais-democratas desalinhados (Política XXI), que só consegue crescer parlamentarmente porque apanha muitos eleitores sociais-democratas, mas depois, internamente, mantém discursos extremistas anticapitalistas (o caso Robles foi paradigmático).
O PCP é dos que se mantém mais fiel à sua doutrina e, por isso, está condenado a um lento declínio.
Quanto ao CDS, tem também clivagens entre a ala mais democrata-cristã e a ala mais pragmático-liberal, mas a grande parte do seu eleitorado sabe bem que este é um partido de elites para as elites (e por isso está condenado a não crescer muito).
Uma coisa é certa – se quisermos aferir, empiricamente, qual o modelo de sociedade que, até hoje, conseguiu juntar longevidade, paz, solidariedade e felicidade, está cientificamente demonstrado que esse modelo é aquele que podemos denominar de capitalismo de esquerda, ou social-democracia, aquilo que existe nos países nórdicos e que é replicável para todo o mundo. Não inventemos, então.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 2 de Agosto de 2018