Tempos estranhos são estes em que uma lapalissada como a que exibo em título torna-se cada vez mais necessária repetir e proclamar.
Já sabemos que as sociedades são organismos de aprendizagem lenta e que a evolução se faz sinuosamente. Mas é sempre impactante assistir, in loco, aos momentos em que as sociedades se comportam como um louco que acha que o que faz bem à saúde é tomar veneno.
Os últimos anos têm trazido a evidência empírica de tais comportamentos quando sociedades democráticas começam a eleger políticos que advogam práticas antidemocráticas e ditatoriais.
O que se passa na Europa com a Polónia e a Hungria, em que a extrema-direita está no poder, ou com a França, Alemanha, Áustria, Itália, Espanha ou a insuspeita Suécia, em que partidos da extrema-direita têm consolidado e aumentado poder político é o sintoma de uma doença estranha.
Atravessando o Atlântico, temos Bolsonaro no Brasil e Trump nos Estados Unidos como exemplos chocantes.
Em todos os casos referidos, não estamos a falar de golpes de Estado e tomadas do poder à força, contra a vontade das populações (como acontece/aconteceu em África, na América Latina ou na Ásia). Estamos a falar de milhões de pessoas que, vivendo em democracia, optam por pôr no poder políticos que têm claras intenções ditatoriais.
Sabemos bem que esses políticos vendem a banha da cobra: que vão trazer a segurança, impedir a imigração, acabar com a corrupção, impor a moral e garantir a grandeza nacional. Mas não é preciso ser muito inteligente para se entender que querem impor um poder autoritário, lesa liberdades e democracia.
Na União Europeia, estes fenómenos são especialmente aberrantes, uma vez que a natureza fundadora da União é precisamente contra os fascismos e todas as formas de ditadura, a favor da democracia, da paz, da abertura dos povos e da boa distribuição da liberdade.
Muito se tem discutido este problema e o que estará na sua origem: alguns culpam o terrorismo, os refugiados e as imigrações vindas dos países pobres; outros apontam culpas à moeda única (no caso da Europa), às crises financeiras, à desigualdade, à globalização neoliberal.
Quaisquer que sejam os factores explicativos dessas votações, elas não deixam de ser preocupantes e demonstrativas de instintos que os indivíduos têm e que, uma vez activados, são capazes de alienar a democracia.
E é aí que precisamos de actuar, demonstrando cabalmente que as opções ditatoriais são sempre piores que as soluções democráticas.
Muitos dos que têm votado nestes populistas ou neofascistas dizem que a democracia trouxe a corrupção, a acumulação do poder e da riqueza nas elites governantes, a insegurança (laboral e pessoal), a falta de ordem e respeito entre os cidadãos, o enfraquecimento das estruturas familiares e de autoridade (escola, polícia, exército) e a decadência da soberania nacional.
Por mais que algumas dessas dimensões possam ser valiosas para as populações, a culpa não é do sistema democrático – quanto muito, da falta dele em certas instituições – e, seguramente, a opção ditatorial não resolverá tais problemas.
A ditadura é o mais corrupto dos sistemas sociais – num sistema fechado de poder a corrupção grassa, pois é a única forma de alguém conseguir alguma mudança no sistema em seu benefício (já que não pode fazer campanha para que dada lei mude). A única coisa que acontece em ditadura é um mascarar e encobrimento dessa corrupção endémica, enquanto que em democracia ela é denunciada e, por isso, mais facilmente combatida. Por exemplo, o Portugal Salazarento era infinitamente mais corrupto que o Portugal democrático – desde a corrupçaõzinha particular à grande corrupção empresarial – só que a televisão nada dizia.
A ditadura não promove o desenvolvimento económico e é obstrutiva do capitalismo – as ditaduras tendem a ser mais pobres que as democracias e o capitalismo a funcionar pior (porque não há liberdade empresarial e social).
A ditadura faz uma distribuição completamente desigual das liberdades, acumulando nas elites mandantes o poder (muitas vezes numa só família), esmagando as liberdades dos demais.
A ditadura é castradora da criatividade, da inovação e da diferença.
A ditadura é o sistema mais propenso às guerras e conflitos com as outras nações – foram as ditaduras europeias do séc. XX que geraram as duas Grandes Guerras, foi a ditadura do leste europeu que causou a guerra fria e a guerra dos Balcãs e foram as democracias subsequentes que garantiram a paz europeia daí para a frente. Os EUA com Trump ou o Brasil com Bolsonaro tornaram-se muito mais propensos a guerras com os vizinhos do que se tivessem verdadeiros democratas no comando.
A ditadura promove a desigualdade e a violência – os países mais seguros do mundo, com menores taxas de assassinatos, são democracias.
A ditadura não respeita a Carta Universal dos Direitos Humanos, amarfanha as pessoas em vez de as deixar florescer.
A ditadura destrói felicidade, enquanto que a democracia a promove – todos os estudos da economia da felicidade mostram como, quanto mais democracia existir, mais felizes tendem a ser as pessoas, ceteris paribus.
Enfim, a aposta na ditadura é um retrocesso civilizacional e uma não resposta aos problemas da contemporaneidade. Para combatê-los precisamos é de mais democracia – nas instituições europeias, nas instituições supranacionais que controlam a globalização ou dentro dos países, com democracia mais directa e mais transparência. Caso contrário, a guerra, a opressão e a miséria vão ser o nosso destino.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 17 de Janeiro de 2019