Um dos debates centrais da política contemporânea nos países desenvolvidos, nomeadamente nos europeus, diz respeito à dimensão/peso do Estado.
Dada a dimensão generosa que o Estado atingiu nessas regiões depois da Segunda Guerra Mundial, muitos começaram a questionar o seu peso, determinando que era excessivo e que estava a causar ineficiências económicas e a restringir a liberdade individual.
Essa crítica surge, principalmente, a partir dos anos 80 do século passado pela mão de neoliberais como Reagan, Thatcher ou Milton Friedman e instituições supranacionais como o FMI.
Mais tarde, foram os próprios sociais-democratas europeus a embarcarem nessa crítica, quando passam a advogar a “terceira via”, paradigmática em Blair e nas posições da Comissão Europeia. Enfim, a ideia de que um Estado pesado é ineficiente, burocrático, propenso à corrupção, absorvedor de demasiados recursos da sociedade e limitador das iniciativas individuais.
Curiosamente, no mesmo período temporal, o mundo assiste ao crescimento acelerado da globalização, que introduz dinâmicas de interdependência global cada vez mais fortes e que permitiu o aparecimento de empresas globais com uma dimensão nunca antes vista.
Da junção da globalização, surgimento de mega empresas globais, privatização/PPP de muitas actividades do Estado e a existência de tratados internacionais como os da UE, chegámos ao século XXI com Estados ainda com um certo peso nacional, mas com cada vez menos peso relativo e menos relevância global.
Ainda assim, os partidos liberais europeus defendem que se deve reduzir drasticamente o peso dos Estados nacionais, pois será esse peso que está a dificultar o crescimento das economias europeias e a limitar as liberdades individuais.
O argumento é que o Estado é ineficiente (enquanto que os mercados são eficientes), e que é preciso baixar os impostos e a despesa do Estado para que os recursos possam ser melhor aproveitados pelo sector privado. Argumentam ainda que o Estado não precisa de ser pesado para ser forte – basta ser um árbitro vigilante, regulador actuante, para conseguir pôr cobro a eventuais abusos dos mercados.
E é aqui que “a porca torce o rabo”: é que não há força, não há poder, sem peso ou tamanho.
Num mundo onde certas empresas já movimentam mais dinheiro que muitos Estados e têm ramificações internacionais que muitos Estados não conseguem ter, estar a tirar recursos aos Estados é estar a tirar-lhes poder.
Um Estado que cobre poucos impostos e que faça poucas despesas é um Estado fraco. A ideia que as entidades reguladoras podem ser fortes é um mito. Toda a experiência mundial demonstra como essas entidades falham, são corruptas e são absorvidas pelos interesses privados que deviam regular (a promiscuidade das pessoas que, ora estão no sector privado, ora vão para as agências de regulação, com o argumento de que têm experiência no sector – o caso da finança é paradigmático – demonstra bem a ineficácia destas entidades).
Um Estado com poucos funcionários e que não controle a Saúde, a Educação, a Defesa e Segurança e a Segurança Social (as quatro áreas que representam o grosso da despesa dos Estados) será sempre um Estado fraco.
Note-se que esta implicação se observa também nas empresas: nenhuma empresa pequena é forte. Uma empresa que tenha poucos gastos, poucos funcionários e poucas receitas, não tem poder.
Só as mega empresas, com milhares de empregados, biliões de facturação e milhões de despesa é que se conseguem impor no mercado como players globais. Como em tudo, quem tem o dinheiro é quem tem o poder. E quanto mais poder, mais dinheiro se consegue ter. Este círculo virtuoso de riqueza e poder é universal.
Se retirarmos ao Estado recursos e os transferimos para os privados, estamos a tirar poder a um, dar poder aos outros. E o problema é que, no mundo ocidental, o Estado é democrático, as empresas não. Mais, os recursos que o Estado liberta não serão absorvidos igualitariamente pelos privados, antes, serão absorvidos por uma minoria de privados que acumularão poder e liberdade, enquanto que os outros indivíduos não ganharão poder nem liberdade, antes perderão poder democrático, pois o Estado fica mais fraco.
Ou seja, o argumento dos liberais contemporâneos é falacioso: menos Estado não traz mais liberdade! Menos Estado traz mais possibilidades de acumulação de poder e liberdade nas mãos de uns poucos e a perda de liberdade para os demais e para a democracia.
O que verdadeiramente precisamos é de um Estado mais eficiente, mais transparente e mais democrático. Não precisamos de o tornar mais leve. Precisamos é de converter gordura em músculo.
Os problemas que os Estados têm demonstrado devem-se à sua captura pelo interesse de uns poucos privados, em vez de estarem ao serviço da democracia. Isso resolve-se com um Estado mais forte, não mais fraco.
Temos que apostar em mais controlo democrático, mais concorrência partidária, mais pluralidade e rotatividade no poder, mais escrutínio das decisões públicas, mais responsabilização dos decisores.
Diminuir o seu peso é passar decisões democráticas para as mãos de oligopólios privados ditatoriais. Quem é democrata não pode ter dúvidas.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 28 de Fevereiro de 2019