Uma das clivagens que se pode estabelecer na política prende-se com a divisão entre os catalisadores do ódio e os promotores da harmonia. Esta separação é diferente da esquerda/direita na medida em que há instigadores de ódio em ambos os quadrantes, assim como existem os crentes na harmonia, quer na esquerda, quer na direita.
Os sectários de ambos os quadrantes dirão sempre que os “seus” ódios são legítimos, justos, e a única forma de combater o mal (os que pensam e agem diferente). Mas os que tiverem uma mente suficientemente crítica, reconhecerão que a incitação ao ódio pode existir em todas as doutrinas e que o fanatismo é seu irmão siamês.
É simples de entender que têm sido os proclamadores do ódio aqueles que, ao longo do tempo, mais têm contribuído para a violência entre as pessoas. Construindo narrativas do tipo “os nossos são bons, os outros são maus” que canalizam o ódio naqueles que não pertencem à nossa banda, estes instigadores tentam consolidar as suas ideias à custa da demonização do opositor.
Débeis filosofias essas que precisam do ódio para prosperar.
Historicamente, foi isso que a cultura germânica nazi fez, recorrendo aos judeus, aos comunistas, aos ciganos ou aos homossexuais como objectos de detestação. Foi isso também o que os católicos fizeram aos muçulmanos (os infiéis). E o que os muçulmanos fizeram aos católicos. Foi o que os Hutus fizeram aos Tutsis no Ruanda. É isso também o que os judeus fazem aos palestinianos e que os palestinianos fazem aos judeus. Foi isso o que as ditaduras de retórica socialista fizeram a quem detinha poder (os burgueses e aristocratas).
E é isso o que as ditaduras de direita fazem a quem quer direitos e liberdade (os trabalhadores, os intelectuais, os artistas). É isso o que os EUA têm feito a quem se intromete nos seus interesses geoestratégicos, com a capa da defesa da liberdade. Foi isso o que a URSS fez, com a capa da expansão do comunismo.
Se é certo que a violência faz parte da condição humana e que nem toda a violência tem o mesmo carácter ético (legítima defesa e combate às tiranias são as formas mais morais de violência), a evolução social deve fazer-se (e, apesar de tudo, tem-se feito) através da diminuição da guerra e da violência. A procura da justiça, da liberdade social e política e da equidade deve fazer-se de forma determinada, mas sem ódio nem violência.
Penso que o extremismo político seja essa defesa do ódio e da violência: aqueles que abominam os outros e que acreditam que é através da aniquilação desses que se conseguem as mudanças, são os extremistas. Todos os que priorizam os caminhos políticos, negociais ou diplomáticos, devem ser chamados de moderados.
Nesse sentido, a extrema-esquerda é aquela que defende uma revolução sangrenta que acabe com o capitalismo (e os capitalistas) e a extrema-direita é a que defende o extermínio, castração ideológica ou exílio daqueles que não cumprem os seus valores (os não normativos sexuais, os ateus, os emigrantes, os muçulmanos, os ciganos, os comunistas ou os pensadores livres).
Felizmente, Portugal tem poucos extremistas. Talvez por sermos um país muito antigo, só com uma fronteira terrestre, sem grande imigração, com um catolicismo manso e uma república consolidada. No Parlamento, apenas o recém-chegado “Chega” tem uma retórica assumidamente extremista.
Infelizmente, nas colunas de opinião, muitos são os que se comportam como amantes do ódio. Colunistas como Maria de Fátima Bonifácio, Vasco Pulido Valente, João Miguel Tavares, José António Saraiva, Henrique Raposo, Gonçalo Portocarreo de Almada, Rui Ramos, José Diogo Quintela ou Alberto Gonçalves têm como desporto favorito destilar ódio às pessoas que pensam diferente (nestes casos, os de esquerda ou progressistas) que, segundo as suas teses, são burras, hereges, imorais, corruptas, tontas, sonsas, histéricas ou despóticas. Com isso, vão ganhando o rejúbilo dos seus apaniguados e a crítica agreste dos visados, sempre com a viralização nas redes sociais.
Estes que vivem de odiar os outros prestam um fraco serviço à sociedade e nada solucionam. É que, neste mundo cada vez mais plural e interligado, a resolução dos problemas e dos antagonismos só poderá vir da procura sustentada de harmonia. Caso contrário, teremos uma explosão de caos.
Para serem parte de alguma solução, estes amantes do ódio têm que mudar paixão, parar de insultar e começar a argumentar. Talvez aí sirvam para alguma coisa.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 24 de Outubro de 2019