Em 1976 Portugal aprovou a sua primeira Constituição democrática. Desde então, foram efectuadas algumas revisões que a actualizaram, mas sempre mantendo dois valores fundamentais: o humanismo e o secularismo.
A verdade é que a nossa Constituição (CRP) é moderna e até avançada face ao panorama internacional.
A consagração dos direitos, liberdades e garantias, económicos, políticos e sociais, para além da separação dos poderes institucionais, nomeadamente entre Estado e religiões e a proibição da criação de associações de índole racista ou fascista, ou de partidos explicitamente religiosos, expressam bem a protecção que a CRP faz do humanismo e do secularismo.
Uma democracia que não tenha uma Constituição como a nossa, que proteja esses valores, corre o risco de o deixar de ser por vontade de parte da população: basta que um partido totalitarista ou fundamentalista religioso chegue ao poder e se aproprie do sistema, destruindo a possibilidade de alternância e eliminando o humanismo e o secularismo.
Portugal conseguiu livrar-se da monarquia e da ditadura e construir uma democracia que, apesar de todos os problemas, é sólida e protegida pela CRP.
Ao longo de tempo, as diversas maiorias parlamentares efectuaram as já referidas actualizações da Constituição, mas sem nunca tocar nesses princípios fundamentais, o que dá nota de que os portugueses e os seus representantes democráticos não querem abdicar de tais valores.
Quando hoje se vê, um pouco por todo o lado, o surgimento de partidos populistas de extrema-direita, com cada vez maior força eleitoral, e se dá o exemplo de Portugal como um oásis em que esse fenómeno tarda em surgir, deve-se creditar a nossa Constituição, e a tendência centrista e humanista do nosso povo, como barragens à entrada desse mal.
É verdade que Portugal beneficia de ser um país localizado numa extremidade da Europa, só com uma fronteira terrestre, sem catástrofes naturais cíclicas nem convulsões económicas e sociais profundas. Goza ainda de uma uniformidade cultural provinda dos baixos fluxos de imigração (por não ser um potentado económico), o que nos protege das tensões do multiculturalismo que pressiona grande parte da Europa e nos torna um dos mais pacíficos países do mundo.
Acontece que, fruto da explosão turística que está a acontecer em Portugal, de algumas leis de atracção de investimento através de venda da nacionalidade portuguesa e de convulsões internacionais, estamos a assistir a uma entrada de imigrantes que, por razões diferentes, se fixam e requerem nacionalidade.
O aumento da imigração, num país tipicamente de emigração, lança novos desafios à nossa democracia e à manutenção da paz. É que temos o sistema equilibrado com leis penais relativamente brandas, uma população prisional relativamente pequena e paz civil. Se, através da imigração, pessoas com hábitos criminais mais pesados se instalassem em Portugal, poderiam encontrar aqui um paraíso para o crime.
Assim, é fundamental que Portugal saiba proteger a sua paz.
Portugal pode e deve acolher imigrantes que queiram trabalhar e se integrar nos nossos padrões, não pode permitir que os nossos padrões sejam subvertidos.
Assim, seria fundamental que o direito ao voto fosse apenas concedido a quem já tivesse alguns anos de vivência em Portugal, para que tivesse entendido o modus vivendi nacional.
Alguém que nasça em Portugal, e por aqui fique, tem que esperar dezoito anos (atingir a maioridade) até poder votar. Quem vem de fora deveria ter que se ambientar à cultura e lei nacionais e perceber que certas ideias são inadmissíveis em Portugal (por exemplo, fundamentalismos religiosos ou políticos, racismo, defesa da pena de morte ou do porte de arma livre). Nesse sentido, todos os imigrantes deviam ter, primeiro, um visto de trabalho que garantisse direitos laborais, económicos e sociais e, só depois de um período de alguns anos, deviam obter a nacionalidade que lhes desse acesso aos direitos políticos.
Não quero acordar qualquer dia e ver Portugal transformado num país fundamentalista religioso ou extremado politicamente (como, infelizmente, está o Brasil).
Gabriel Leite mota, publicado no Jornal Económico a 26 de Setembro de 2019