Aí, ficou claro que os portugueses eram sociais-democratas. Com a vitória do PS de Mário Soares com 37,9%, seguido do PPD de Sá Carneiro com 26,4%, com o PCP de Álvaro Cunhal com 12,5%, o CDS de Freitas do Amaral com 7,6% e o MDP/CDE de José Manuel Tengarrinha com 4,1%, os portugueses mostraram claramente a sua preferência ideológica.
Lembre-se que este era o período pós-revolução, onde as clivagens ideológicas eram mais extremadas. Mesmo assim, a alternativa comunista só obteve 12,5% dos votos. E, logicamente, não havia extrema-direita, pois apenas uma franja minoritária de ex-PIDEs ou de beneficiários da ditadura, muitos fugidos para o Brasil, poderiam votar em tal ideologia.
Se era verdade que todos os partidos se declaravam mais socialistas do que são hoje, a evolução gradual da democracia e desses partidos consolidou a ideia de o povo ser social-democrata: Mário Soares meteu o socialismo na “gaveta”, ao mesmo tempo que Freitas do Amaral acabou, recentemente, por colaborar com o PS. Sá Carneiro, se fosse vivo, jamais seria um neoliberal “troikista”. E mesmo as extremas-esquerdas convertidas no BE perceberam que tinham que ir pelo caminho social-democrata, pois é também aí que têm base eleitoral.
Estando Portugal na União Europeia e no Euro, não há margem para rupturas ideológicas. Portugal nunca será a Coreia do Norte ou a Venezuela – porque os portugueses não querem e porque a UE não deixa.
Com esta realidade demográfico-ideológica e este enquadramento político-institucional, não é de espantar que, hoje, o PS esteja a tornar-se o partido-charneira da nossa democracia.
Quando o PSD fez uma deriva neoliberal com Passos Coelho e o CDS alberga tendências demasiado conservadoras e radicais, não é de espantar que o PS capture quase todo o centro. Alguma direita parece que se esquece que Portugal é um país muito desigual, onde os ricos são poucos e muitos pobres precisam do Estado. Partidos que tentem cavalgar a retórica do benefício para os ricos, terão poucos apoiantes.
Neste sentido, o espaço para novos partidos com ambição de protagonismo governativo terá que ser sempre ao centro. Porém, os novos partidos podem apresentar novas pessoas, novas dinâmicas, mais competências e mais resistência à corrupção. E podem apresentar novas formas de se chegar ao centro dando ênfase a novas causas.
O sucesso que o PAN começa a ter deve-se muito a isso: dar voz a tendências que o mercado há muito reconheceu – vegetarianismo, new-age, ambientalismo, animalismo ou igualdade de género – e que, tendo o BE primeiramente acolhido as mesmas, não consegue fixar todo esse eleitorado por não ser um partido de centro.
Assim, qualquer partido novo que queira ser protagonista, terá que captar abstencionistas (que são, maioritariamente, centristas, como já referi aqui), mas também roubar votos aos partidos instalados. Terá que ser um partido de caras novas (algo que o Aliança, o Chega ou a Democracia21 não cumprem) e terá que ter um discurso novo, mas social-democrata (algo que a Iniciativa Liberal não cumpre).
Os discursos dementes, mentirosos e incitadores do ódio trumpistas ou bolsonaristas ainda não pegaram em Portugal porque os portugueses não são aquelas minorias ressabiadas e infelizes dos comentadores enfurecidos das redes sociais. Os portugueses são pró-europeus, democratas e reconhecem a importância prática do Estado. Quem ameaçar esses pilares, não terá sucesso eleitoral.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 12 de Setembro de 2019