Portugal é, objectivamente, um país centralizado em Lisboa.
Ao contrário de muitas outras nações, mesmo de dimensão similar, Portugal tem em Lisboa a capital de tudo: económica, financeira, cultural, política, turística, científica e empresarial.
Tal centralismo é injusto, imoral e nocivo para a felicidade dos portugueses.
Se se pode argumentar com eventuais vantagens do centralismo ao nível das economias de escala poupadoras de recursos, os contras são maiores: para além da injustiça já referida (nomeadamente a territorial), contam-se as deseconomias da aglomeração e congestionamento, a especulação imobiliária, a má distribuição territorial das oportunidades e um sector público e privado que não chega a todo o lado num país tão pequeno.
O facto de Portugal ser pequeno não justifica a centralização, até facilita a descentralização.
Se olharmos para o mapa das estradas, constatamos que se consegue chegar a qualquer lado quase sempre por auto-estrada. Acontece que essas vias largas têm servido para fazer as pessoas saírem das suas terras natais, não para lá se fixarem. Isto porque tudo o que é emprego de maior valor e qualificação está em Lisboa (seja no sector público, seja no privado).
O tempo presente já é, e o tempo futuro será cada vez mais, digital, em que muito trabalho pode ser feito à distância, poupando-se viagens e poluição. Essa é outra realidade que facilita a descentralização.
Apesar de no Portugal democrático se discutir continuamente a descentralização (até se fez um referendo à regionalização) pouco ou nada se tem feito nesse sentido. Pelo contrário, tem-se aceitado e incentivado a concentração lisboeta.
É obscena a quantidade de sedes de grandes empresas (nacionais ou estrangeiras), de organismos do Estado, de infra-estruturas de transporte ou de lazer e cultura que Lisboa tem face ao resto do país.
Se é certo que muitos dos habitantes da capital não são de lá, passam a defender essa centralização que lhes é cómoda, uma vez que se tornam seus habitantes. TGV? Só Lisboa-Madrid. Aeroportos? Só na zona de Lisboa. Sedes de multinacionais? Oeiras é um paraíso…
Este centralismo é mau. Primeiro, para os portugueses que não habitam em Lisboa (nem querem lá viver). Depois, para os próprios habitantes de Lisboa, por questões de sobrelotação.
Os estudos da economia da felicidade são claros na demonstração de que o centralismo é prejudicial para o bem-estar de uma nação. É mais feliz um país com muitas cidades médias do que um com uma grande e muitas pequenas. A coesão territorial traz uma melhor distribuição dos recursos, diminui o congestionamento, a poluição e o crime e facilita a democracia de proximidade – tudo isto potencia a felicidade.
Portugal precisa de medidas fortes e estruturais de descentralização. E tem que começar pelo organograma do Estado: os ministérios e as secretarias de estado têm que ser deslocalizadas definitivamente, tornando-se pólos agregadores de riqueza e qualificações nas diferentes partes do território nacional.
Tudo o que é agências e institutos estatais tem de seguir o mesmo caminho. Saúde, justiça, segurança e educação têm também que ser oferecidas de uma forma muito mais igualitária pelo território. E o argumento da falta de massa crítica não colhe: pessoas, havia muitas no interior. Elas tiveram que sair de lá porque o Estado lhes faltou. Compete agora ao Estado repor a equidade, mesmo que, numa primeira fase, exista excesso de oferta.
O ser humano é mais feliz em cidades médias, pouco congestionadas, pouco poluídas e sem ter que fazer grandes deslocações. Tende, também, a ser mais feliz junto da sua família e da sua terra natal.
Se o Estado não for uma força centrípeta em direcção à capital, o mercado também o não será. O mercado tenderá a acompanhar as forças centrípetas que forem estabelecidas noutros pólos.
Temos mesmo que fazer uma revolução da estrutura territorial do Estado português, estilhaçando o centralismo e construindo a dispersão ideal à felicidade.
Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 21 de Novembro de 2019