Thursday, January 2, 2020

AS CONSEQUÊNCIAS DE ADOPTAR O FIB

A Felicidade Interna Bruta (FIB) – originalmente Gross National Happiness (GNH) – é um indicador de progresso desenvolvido por uma entidade estatística do Butão, na sequência da vontade que o seu monarca expressou de medir o estado da nação, não através do produto criado – o PIB – mas através do real bem-estar desfrutado pelos cidadãos. Essa vontade, expressa já nos anos 70 do séc. XX, materializou-se em 2008 com a comissão para o GNH do Butão que implementou este complexo indicador de desenvolvimento.

Desde então, o indicador tem recebido enorme atenção internacional, com organizações como a ONU ou a OCDE a convidarem os responsáveis butaneses a virem explicar o que fizeram e a pensarem como se pode importar tal indicador para os diferentes países.

Apesar do FIB ter na sua génese a filosofia budista, é facilmente internacionalizável e adaptável a diferentes realidades locais.

O FIB é um indicador compósito, complexo e plural, assente em quatro pilares: sustentabilidade e equidade no desenvolvimento socioeconómico; preservação ambiental; promoção e preservação cultural; boa governação. A partir dessa base, desdobra-se em nove domínios (que se dividem, depois, em subdomínios): bem-estar psicológico; saúde; uso do tempo; educação; vitalidade da comunidade; bom governo da coisa pública; resiliência e diversidade ecológica; resiliência e diversidade cultural; condições materiais de vida.

Combinando informação subjectiva e objectiva, o FIB tenta traçar um retracto fiel de quais são as verdadeiras oportunidades e concretizações em termos de felicidade das pessoas.

A atenção mediática, científica e política que o FIB tem vindo a obter é um sinal dos tempos, consequência de um mundo que, enquanto vai produzindo cada vez mais, não está a ser capaz de respeitar os limites ambientais nem promover a equidade (dadas as pornográficas assimetrias entre as gentes).

Assim, o FIB é uma alternativa ao paradigma do séc. XX, que foi governado pela crença e aposta no PIB como o verdadeiro motor do desenvolvimento.Aqueles que quiserem abraçar o FIB têm de ser honestos nas suas intenções e perceber as consequências. A saber:

1. O FIB engloba o PIB, pelo que não mais se pode olhar para o PIB como “o indicador” de desenvolvimento e o guia das políticas públicas. Mais, o FIB relega o PIB para um lugar banal na contabilidade da felicidade (um entre nove).

2. A sustentabilidade (ecológica, cultural, social e humana) e a distribuição equitativa das oportunidades e dos resultados são valores primeiros do FIB. O crescimento económico e os modelos políticos, sociais e empresarias têm que estar subordinados a essas máximas. Assim, não se podem justificar aumentos do PIB prejudicais ao ambiente ou potenciadores de iniquidades.

3. O FIB entende que o tempo é a verdadeira dimensão escassa para as pessoas. Assim, uma boa distribuição do tempo pelas diferentes actividades da vida é uma tarefa fundamental para a felicidade. Nesse sentido, políticas que aumentem o horário laboral, que penalizem os salários – forçando as pessoas a ter mais do que um trabalho – ou que não protejam o tempo para a família e para o lazer, são políticas destruidoras de felicidade.

4. Apostar no FIB significa defender a boa governação da coisa pública. Isso implica o aprofundamento democrático, o combate sério à corrupção e aos grupos de interesses opacos, o aumento da transparência política e a boa gestão das instituições públicas. Na prática, a defesa da proporcionalidade parlamentar, o alargamento dos referendos, a descentralização/regionalização, a pluralidade e concorrência partidária, a limitação dos mandatos dos responsáveis políticos e a limitação e fiscalização das “portas giratórias” entre os interesses públicos e privados são tudo medidas fundamentais para se trilhar, seriamente, o caminho da felicidade.

5. A cultura de um povo (seja a tradicional, sejam as obras e expressões contemporâneas) e os seus valores são dimensões a respeitar. Dar condições para se criar cultura e respeitar a tradição humanista e iluminista, plasmadas na nossa Constituição, são tarefas para quem apostar no FIB. Isso é incompatível com acordos ou compromissos com os populistas autoritários que agora estão na moda.

6. Nada tem sentido se não for sentido. Isto é, a percepção que as pessoas têm da sua vida, a forma como interpretam e sentem o mundo, e as condições objectivas que as rodeiam, é indispensável na contabilidade da felicidade. Assim, ouvir o que o povo diz e sente, perceber se as pessoas se sentem melhor, com mais saúde, mais seguras e em paz, enfim, mais felizes, é parte imprescindível da aposta no FIB.

7. A investigação científica feita à volta do FIB, e na economia da felicidade em particular, demonstra que os países mais felizes do mundo são os nórdicos, a Austrália, a Nova Zelândia, o Canadá e a Suíça. Tudo sociais-democracias com elevado peso do Estado. Ou seja, defender o FIB desemboca na defesa da social-democracia.

Na cena política portuguesa, o PAN, em 2015, foi o primeiro partido a falar directamente sobre o FIB e a defendê-lo como indicador do nosso desenvolvimento.

Recentemente, Pedro Duarte, a propósito do ManifestoX, também o defendeu. Agora, surge Luis Montenegro, no contexto da sua corrida à liderança do PSD, a indicar o FIB como uma medida a ter em conta.

Como economista de felicidade debruçado sobre a temática desde 2004, defendo uma clara mudança de paradigma em que o PIB passe a ser subalternizado face ao FIB. É que a ciência já provou que apostando só no PIB não conseguimos aumentar a felicidade. Fico à espera que mais partidos políticos (e nomeadamente o Governo) adiram a esta proposta, pois é na felicidade que está a solução.

Gabriel Leite Mota, publicado no Jornal Económico a 2 de Janeiro de 2020

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