André Ventura (AV), como qualquer populista que se preze, assenta a sua ideologia numa única coisa: dizer os soundbites que o povo quer ouvir e mais nada.
Como bom populista, se algum dia chegar ao poder, pouco fará do que promete, até porque muito do que promete é inconstitucional ou, pura e simplesmente, não resolve os problemas que afligem as pessoas que nele votarem.
Como todo o bom populista, AV só está preocupado com o seu protagonismo, o seu poder. Portugal que se lixe.
Como a maioria dos populistas que temos visto subirem ao poder, Ventura é uma celebridade da TV, mais precisamente da CMTV, onde comenta tudo e dispara as soluções supostamente fáceis, mas impraticáveis, para os problemas (alguns dos quais completamente empolados).
Ventura acumula também outra característica comum aos populistas: é um homem do sistema e do poder. AV foi militante da JSD, depois do PSD, conseguiu cargos autárquicos através desse partido do sistema e só saiu porque o PSD não lhe deu o protagonismo que ele queria.
AV sonha (desde há muito tempo) em ser primeiro-ministro de Portugal. E tem dado os passos calculados nesse sentido: juntar-se ao PSD, comentar tudo (de crime a futebol) na TV, ganhar poder autárquico e, agora, criar o seu próprio partido, Chega.
Provavelmente, vai querer ir (ou enviar alguém) para o eldorado de Bruxelas enquanto dá tempo para o Chega ganhar mais tracção (Marinho e Pinto, alguém?).
As pessoas que simpatizam com AV deveriam interrogar-se sobre o seguinte: quem deu tanto protagonismo a AV? Quem apostou nele? Quem o convidou para a CMTV e porquê? Não terá sido alguma loja ou obra, que tantos coloca nos partidos, nas televisões, nas universidades ou nos cargos de poder?
AV representa também a elite governante: é doutorado em Direito (sofrendo Portugal de uma praga de juristas no poder político), sai de um partido para formar outro, teve relações com famosas sociedades de advogados e lecciona numa universidade privada e noutra pública, por convite. Mais sistema do que isto é impossível.
Ainda assim, as pessoas vão no seu canto da sereia. Principalmente nas redes sociais, onde o contraditório é fraco e a mentira é facilmente propagada.
É fascinante ver como toda a comunicação social faz o que AV quer. Se fosse outra pessoa qualquer que tivesse fundado um partido, ninguém lhe daria tempo de antena.
Como AV já tem protagonismo mediático e sabe espicaçar audiências, aí vamos todos (mea culpa) atrás dele: uns a dizerem bem, outros a dizerem mal. No entretanto, AV segue cantando e rindo.
AV propõe a castração química de pessoas condenadas por pedofilia, ou seja, defende a castração de Carlos Cruz. Acena a bandeira da insegurança pública, quando Portugal é dos países mais seguros do mundo (apesar de quem vir os canais de notícias ficar com a sensação contrária) e do reforço do controlo de fronteiras (quando temos poucos problemas com a imigração). E cerra fileiras contra a eutanásia, para dar uma de moralista defensor da vida (mesmo impondo a infelicidade a quem não a quer), ao mesmo tempo que quer a prisão perpétua (que a experiência demonstra não resolver a criminalidade) e destruir a democracia representativa com a redução drástica do número de deputados.
Diria que a estratégia de chegada ao poder está certa: está a fazer o que tem resultado noutros países e tem bons amigos. Porque não resultaria cá?
Agora, se o Chega chega ao poder em Portugal, o país ficará muito pior do que o que está. Ai ficará, ficará.
Gabriel Leite Mota, publicado no P3 a 24 de Janeiro de 2019